Natal Sangrento 3, de Monte
Hellman
Silent Night Deadly Night
3, EUA, 1989
A despeito da forte influência de arte moderna no seu trabalho,
Monte Hellman nunca fez filmes que fugissem totalmente do cinema de gênero
americano. Decorrência em parte da opção por construir a carreira em pequenos
filmes de baixo orçamento, mas também de um desejo de entrar pelas porta
dos fundos, de chegar aos problemas por um outro caminho, indireto, que
o diretor enxerga como mais rico.
Talvez o melhor exemplo de como
Hellman trabalha com o filme de gênero esteja naquele que é geralmente
tido como o mais discutível dos seus filmes, Natal Sangrento 3.
O filme é exemplar justamente porque foi realizado a partir do pior material
possível, tratava-se da terceira parte de uma série de filmes de horror
sobre um Papai Noel assassino. Diante de tal material só resta questionar:
o que um cineasta como Hellman pode fazer para tirar algo dali?
Menos filme de terror e mais
um misto de road movie com conto de fadas (o roteiro se estrutura nitidamente
com referências a Chapeuzinho Vermelho), o filme se centra na relação
entre uma vidente cega e um assassino serial, ela deficiente visual e
ele mental. A cena inicial é bem indicativa do casamento entre convenção
e inovação, trata-se de uma cena típica de filme de terror e ainda por
cima um sonho, algo mais batido impossível, ao mesmo tempo o cuidado com
os cenários e o desenvolvimento dos planos dão as deixas do tom do filme
que se seguirá, e a atmosfera já indica que estamos bem mais próximos
do onírico do que do horror convencional.
Pouco a pouco, o filme se revelará
um estranho romance entre estas duas figuras. Ocorrem algumas mortes,
mas o filme dispensa quase que inteiramente a violência que se espera
deste tipo de material. O ritmo segue lento (apesar de mais ágil que em
outros trabalhos do diretor), com a ação centrada em três focos: a vidente
(acompanhada do irmão com a namorada); o assassino; e um policial e um
médico que tentam localizá-lo - todos se deslocando pela estrada
até o encontro no fim.
O trabalho de direção de Hellman
(que o diretor diz ser o que mais lhe agrada) consegue acrescentar sempre
algo de inesperado a seqüências que à primeira vista parecem convencionais.
Mais importante, Hellman vai pouco a pouco valorizando as distâncias
entre os seus personagens tornando o filme um jogo de atração e repulsão.
Uma dança de personagens que, ao mesmo tempo, se afastam e se distanciam
uns dos outros, rumo a um inevitável isolamento final. Desta tensão entre
material e execução resulta o interesse do filme - que, se de fato é talvez
o mais frágil dos trabalhos de Hellman (a partir de 65), não deixa de
merecer ser bem mais conhecido do que é.
Filipe Furtado
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