Era uma Vez no Oeste, de Sergio Leone

C'era una volta il West,
Itália/EUA, 1968
Era uma vez no Oeste era um título clamado pelos fãs de western em geral, e implorados pelos (não poucos) fãs de spaghetti western do mundo. Afinal, a versão que existia em vídeo era uma vergonha: se em filmes "normais" a falta da imagem em widescreen já pode ser uma catástrofe, nos filmes do italiano Sergio Leone isso é um crime de lesa pátria; o filme foi feito para ser visto em "tela larga", com as proporções imaginadas por Leone e postas em prática por Tonino Delli Colli.
Em termos gerais, trata-se de um remake (pouco) disfarçado de Johnny Guitar, de Nicholas Ray: um pistoleiro chega a uma cidade e passa a se opor aos poderosos da região. O que o diferencia de tantos outros westerns, sejam americanos, italianos ou espanhóis, é o clima operístico e estilizado: diálogos esparsos (são apenas 12 páginas de diálogos num filme de 165 minutos), duelos estilizados e a melhor trilha já escrita por Ennio Morricone. E, claro, duas das mais impressionantes caracterizações já vistas no gênero: o "homem de gelo", sem nome, vivido por Charles Bronson: sem passado definido, sem futuro, movido apenas pelo ódio; e o vilão, interpretado por Henry Fonda. Depois de anos encarando a justiça e a retidão, aqui Fonda faz um dos mais frios e soturnos psicopatas da história do cinema. Seu "cartão de visitas", matando uma criança a sangue frio na primeira cena que aparece, já diz a que ele veio.
Existiam, até agora, duas fontes para Era uma Vez no Oeste em widescreen: o laserdisc americano, em edição reduzidíssima (estima-se que apenas 500 discos foram prensados) e fora de catálogo há 15 anos, e as gravações do canal a cabo estadunidense AMC, aonde se fez o imenso favor de se bipar as "swear words" ditas pelo elenco. Ou seja, quase ninguém tinha um dos grandes westerns da história, o ponto alto da carreira de quase todos os envolvidos (Leone, Claudia Cardinale, Jason Robards Charles Bronson, Gabriele Ferzetti, Morricone) e do gênero em seu formato adequado. Pelo menos a Paramount fez o que tinha que ser feito: a cópia está impecável. Música alta e audível, imagem colorida, tons de terra bem definidos. Parece não ser mais que a obrigação, mas vale registrar quando ocorre.
Alguns chatos reclamam que a versão escolhida para lançamento é a americana, com 165 minutos, enquanto na Itália foi lançada uma versão sutilmente mais longa, com 180. Esses dão a entender que essa versão italiana tem várias cenas a mais, incluindo várias que ilustram stills do filme que circulam por aí há anos (como uma em que Charles Bronson apanha em um bar). Isso é incorreto: a versão italiana não tem NENHUMA cena a mais que a americana, apenas algumas cenas estão mais longas que esta. Ambas as edições foram montadas pelo próprio Leone, e são equivalentes em termo de qualidade (você não perde nada vendo a versão americana). O que não podia acontecer, e não aconteceu, foi o lançamento de uma versão que circulou pelos cinemas americanos nos anos 60 e 70, no circuito de programas duplos, com 130 minutos. Essa sim era inintelegível, com cenas cortadas pela metade e coisas afins, sendo responsável pela má reputação que este filme disfrutou por anos com a crítica da América.
Como se o filme não fosse o suficiente para justificar a compra, estão incluídos no DVD três pequenos documentários, que juntos totalizariam um pouco mais que uma hora. Neles são entrevistados os protagonistas sobreviventes (com destaque para a bella Cardinale, e o diretor de fotografia Tonino Delli Colli), especialistas (como o britânico Christopher Frayling) e cineastas influenciados por Sergio Leone, além de clips de entrevistas com Henry Fonda. Muito interessante, claro, mas por que razão isso não saiu em um único documentário é algo que ainda vai ter que ser explicado. Além disso, um trailer (belíssimo) e curtas metragens sobre o velho oeste. Em uma palavra: imperdível.
Carlos Thomaz Albornoz |
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