Adeus
ano velho. Nossa edição de dezembro chega
alguns dias atrasada e rápido nos deparamos com um
mês novo, e conseqüentemente com um novo ano. Mesmo
que o inventário de idéias e estéticas
do ano de 2003 seja na edição seguinte, algumas
impressões foram nascendo ao longo do ano e sendo ratificadas
com o passar dos meses. Uma delas é que, a despeito
da excepcional média de ocupação de salas
de 22% para o cinema nacional, 2003 terá permanecido
como um ano entre parênteses para o cinema brasileiro.
Nenhum filme a ser defendido incondicionalmente ao
passo que no ano passado haviam três, que não
por acaso figuraram em nossa lista de melhores do ano ,
discussões sobre cinema remetidas aos lugares-comuns
de sempre (toda a criação de factóides
acerca da contrapartida social, os caminhos e descaminhos
da Ancine), a Globo Filmes em seu melhor (Lisbela)
e em seu pior (Normais, Casseta e Planeta) dominando
as telas do país, alguns filmes de peso, certamente
(Amarelo Manga, os dois de Jorge Furtado, Carandiru,
Gregório de Matos, Separações
ou Apolônio Brasil). Mais sobre isso tudo em
janeiro.
Outra
constatação forte desde janeiro é que
os grandes cineastas americanos estão em crise com
seu país. Desde janeiro, com Gangues de Nova York,
até dezembro, com Sobre Meninos e Lobos (passando
pelos festivais, onde encontramos Elefante e Ken
Park), a sociedade americana está no divã
para discutir acerca da constituição de sua
sociedade e da violência interna reprimida do país.
Reflexões, inclusive, muito mais profundas, pertinentes
e complexas do que certos documentários que supostamente
tratariam do assunto sabemos do que estamos falando,
não? Um dos principais focos temáticos desses
filmes, curiosamente, girou em torno da vida adolescente nos
Estados Unidos. Mais do que problematizações,
esses filmes juntos tentam criar um estatuto do que seja a
adolescência a) no cinema; e b) no mundo de hoje. Eternos
recalcados do pensamento (Sartre, por exemplo, via a adolescência
como uma "não-idade" entre a infância
e a vida adulta) e do cinema (Hollywood e as séries
de televisão americanas via de regra colocam atores
adultos para representar o papel dos adolescentes), os adolescentes
pedem a palavra e nós tentamos ouvir.
Uma grande
novidade de 2003 foi a volta da cinefilia. Durante um tempo
estagnada em guetos, o hábito de ver filmes fora do
circuito comercial explodiu em 2003 com uma multidão
de cineclubes (entre os quais o dessa revista com o Grupo
Estação), com a volta da Cinemateca do MAM,
com a programação revigorada do CineSesc em
São Paulo, com a continuidade de outros grupos (CCBBs
ao redor do Brasil, Centro Cultural São Paulo, etc.)
e com as mostras e festivais anuais, como o É Tudo
Verdade e a Curta Cinema, que a todo ano crescem e se consolidam
no cenário cultural brasileiro e carioca. Acompanhamos
tudo isso e nessa edição de dezembro tecemos
nossas considerações sobre um pouco de tudo
que vimos na sala de cinema nesse final de ano, dos curtas-metragens
até as mostras dedicadas a Yasujiro Ozu e Roberto Rossellini.
Um grande 2004 para todos nós.
Ruy Gardnier
|