Viagem Insólita,
de Joe Dante

Innerspace, EUA, 1987


A trama que serviu de inspiração para Dante nesse projeto também produzido pelo seu amigo Spielberg e que foi retirada de um clássico do filme B, Viagem Fantástica de Richard Fleischer, por si só já carregava todos os elementos necessários para fazer um filme cativante, envolvente e que estimula a imaginação. A história de uma viagem arriscada, de uma verdadeira epopéia realizada não em um país exótico, não no espaço sideral e sim em uma região nunca imaginada antes pelo cinema – o corpo humano – já trazia um certo grau de originalidade suficiente para atrair o interesse do publico. A viagem executada por um homem-miniatura pela grande maquinaria humana torna-se ainda mais fantástica, enigmática e fascinante que qualquer outra. A aventura de desbravar essa misteriosa região no primeiro filme era coletiva, e realizada por pessoas que ao menos em teoria sabiam onde estavam pisando, ou seja, um grupo de médicos que reduziram de tamanho para poder assim entrar no corpo de um paciente e efetuar uma minuciosa operação. Na refilmagem de 1987, o fato da viagem ser realizada por um único individuo e de ele ser injetado acidentalmente em um ser humano possui um peso crucial no desenvolvimento da narrativa e o distancia consideravelmente de seu modelo.

O filme apresenta os dois personagens principais, Tucker (Dennis Quaid) e Jack (Martin Short) de maneira convencional porém precisa. Sabemos através da primeira seqüência em que o piloto aparece o essencial sobre ele, o mesmo ocorrendo na primeira aparição de Jack. É basicamente através desse paralelo entre o bloco narrativo de Tucker e o de Jack que presenciamos a construção detalhada dos personagens ao mesmo tempo que constatamos a grande diferença de personalidade existente entre os dois. Enquanto o primeiro é seguro de si e apresenta um certo repudio às regras que lhe são impostas, o segundo é um assistente de supermercado tímido e franzino que nem ao menos consegue despertar o interesse na colega balconista. Tudo irá culminar com a seqüência de ação em que o dr. Ozzy, segurando a seringa que contém o piloto já reduzido ao tamanho de uma pulga, foge de terríveis bandidos, mais precisamente do sinistro senhor Igoe. A figura desse vilão nos remete diretamente à estética do desenho animado, referência tão cara ao diretor. É impossível deixar de se divertir com um vilão que atira com o dedo indicador e que mais tarde em um momento íntimo também utiliza o seu braço multiuso como um saca-rolha para abrir uma garrafa de champanhe.

Acontece que antes de ser morto pelo vilão, o cientista consegue injetar o piloto no corpo de Jack e é nessa virada que a história dos dois protagonistas se une dando início ao desenvolvimento do enredo. A relação desencadeada pelos dois personagens, exemplificada na notável cena em que Jack está na casa do piloto, é bem construída. Jack conhece o ser que está dentro de seu corpo através das fotos e dos objetos que decoram o seu apartamento. Tucker, por sua vez, pede para Jack se dirigir a um espelho para que ele possa vê-lo. O processo de identificação se completa quando os dois bebem juntos. Os dois além de beberem juntos, como usualmente fazem os amigos, compartilham o mesmo liquido. Um precisa encher a cara para que o outro também possa beber.

Espelhamento, identificação, Jack quer ser Tucker, ou melhor, Jack quer ser como Tucker. Ao saber que o valente oficial da força aérea americana percorre os seus órgãos, ele se sente poderoso, se sente com a força de mil homens. A sua auto-estima sobe quando é constatada a presença de um elemento externo que agora fazendo parte de seu corpo é o responsável por torná-lo imbatível. A voz do piloto funciona como o acionador de uma coragem que antes estava anestesiada. Ela atua como uma consciência que o faz tomar decisões, que o faz seguir em frente. Um triângulo amoroso é formado, para ser como o seu amigo é preciso ter o que ele tem. Jack então assume como o seu principal objeto de desejo a jovem Lydia (Meg Ryan), noiva de Tucker. Quando Jack pretende salvá-la das garras do estranho Cowboy (o segundo personagem bizarro do filme), Tucker altera o seu sistema nervoso deixando-o com raiva, deixando claro que além de atuar como consciência, atua também como verdadeiro piloto, conduzindo como melhor lhe convêm as reações nervosas de seu parceiro. Na verdade, os dois como sendo um só estavam salvando a garota de mais um possível concorrente. Os dois como sendo um só ou os dois como sendo duas partes conflitantes e ao mesmo tempo complementares de uma mesma engrenagem possuíam os mesmos desejos e obedeciam ás mesmas pulsões. Em um momento, Jack se agrediu com um tapa querendo atingir Tucker.

Além desses momentos que fazem o filme crescer em nível de interesse, somamos as divertidas seqüências, já no final, em que os cientistas membros da organização são transformados em anãozinhos. O tom de ridículo já esboçado nas aparições do sr. Igoe e do Cowboy ganham aqui um relevo ainda mais especial. Essas cenas onde há um maior grau de comicidade se harmonizam sem causar grandes saltos com as seqüências de ação entremeadas. Fora esses aspectos que fazem de Viagem Insólita uma agradável diversão ainda existe a parte da relação de Dennis Quaid com Meg Ryan, muito mal desenvolvida e totalmente dispensável, o que no seu resultado final, essa parte “açucarada” não causa estrago tão grande.

Estevão Garcia