A Segunda Guerra Civil,
de Joe Dante

The Second Civil War, EUA, 1997


Com este filme realizado para a rede HBO, Joe Dante parece deixar de lado por um breve e raro momento em sua carreira a seara da fantasia para dedicar-se exclusivamente ao campo da sátira política estilo Doutor Fantástico, Politicamente Incorreto ou Mera Coincidência (não é de se estranhar a presença de Barry Levinson como seu produtor executivo). Mera impressão: Dante não é e nunca foi cineasta subserviente a seu material, disposto a mudar o registro em função direta da temática abordada.

Melhor dizendo, a ausência de suas criaturas fantásticas não faz de A Segunda Guerra Civil um projeto adulto, em oposição a seus filmes adolescentes: há aqui o mesmíssimo humor anárquico, excessivo e iconoclasta presente em toda sua obra. Em Dante é impossível separar claramente o conteúdo político do fantasioso. Inexiste, essencialmente, uma distinção hierárquica entre estes dois vetores, tão fortemente entrelaçados na raiz de seu cinema.

Assim, A Segunda Guerra Civil abandona rapidamente o tom de desconstrução didática dos procedimentos do jornalismo televisivo e uma crítica generalizada ao poder da imagem (resolvidas de maneira um tanto óbvias no roteiro de Martyn Burke) para operar num registro mais arriscado, característico do cineasta: destarte esvazia-se toda a carga de veracidade, de verdade que se possa extrair das imagens para que tudo ocorra no nível da mais pura farsa.

A trama tem início quando o governador de Idaho (Beau Bridges), rejeitado pela amante mexicana, decide fechar as fronteiras de seu estado a todos os imigrantes estrangeiros exatamente antes que um grupo de órfãos paquistaneses, sobreviventes de uma hecatombe nuclear, parte em busca de refúgio na cidade de Twin Falls. O presidente da república (Phil Hartman), com vistas à reeleição, é aconselhado por um poderoso lobista (James Coburn) a tomar uma decisão firme para preservar sua imagem. Acompanhamos todo o arrefecimento da crise por intermédio de uma equipe de estação televisiva de notícias, empenhada em multiplicar sua audiência botando mais lenha na fogueira.

Dante centra fogo na composição metódica de uma vasta galeria de tipos que variam da demência e estupidez crônicas (todo o núcleo que controla o poder político e bélico) ao mais puro cinismo (a central de notícias). Estamos no território do absurdo, do mau gosto e do grotesco, onde, como se sabe, Dante impera absoluto. À medida que as situações se multiplicam e se encaminham em direção a um relato cada vez mais sombrio e apocalíptico, Dante aperta sem qualquer pudor o botão do besteirol, amparado num elenco em estado de graça.

Em meio a este painel grotesco, há a figura do repórter Jim Calla (James Earl Jones), que narra a história em off servindo de reserva moral contra o caos que impera. É uma clássica figura de Dante, o de um independente integrado ao sistema, obrigado a conviver melancolicamente com o cinismo generalizado. É nesta personagem que A Segunda Guerra Civil se ampara para corajosamente modificar aos poucos seu tom rumo à conclusão: pode-se rir sem dó das mazelas sociais aparentemente irresolúveis em meio ao caos, mas no fim, não resta senão um gosto amargo e um incômodo profundo. E a estranha e assustadora impressão de que tudo o que acabamos de ver poderia muito bem, num futuro próximo, ser seguido da legenda: "baseado numa história real".

Fernando Verissimo