Pequenos Guerreiros,
de Joe Dante

Small Soldiers, EUA, 1998


Pouco será dito aqui no que diz respeito à forma, por não haver muito a dizer. Dante segue a cartilha do cinema comercial americano clássico, mostrando ao mesmo tempo domínio da linguagem e nenhuma vontade de experimentar. Uma forma a serviço da eficiência narrativa e de uma compreensão universal no uso das figuras de linguagem convencionais. Se o chamado filme B já foi o palco de um embate entre classicismo padronizado e experimento (a seqüência do assalto a banco em Gun Crazy de Joseph H. Lewis e que influenciou os futuros cineastas da Nouvelle Vague talvez seja um paradigma dessa liberdade de criação) este não é o caso de Pequenos Guerreiros. Dante é certamente um cineasta competente, como o devem ser aqueles que obram dentro do esquema dos grandes estúdios, e talvez o seja acima da média. O fato é que a questão da forma não lhe diz respeito. Tratemos então de analisar o filme sob outro ângulo, mais produtivo.

Pode-se encontrar em Pequenos Guerreiros alguns dos temas recorrentes na carreira de Dante: a violência militar (Piranha, A Segunda Guerra Civil, feito para a TV), a tecnologia como porta de entrada ambígua para o fantástico (Viagem Insólita, Viagem ao Mundo dos Sonhos), criaturas ameaçando aniquilar os homens (Piranha, Gremlins).

Nada de novo, muito pelo contrário. Cabe aqui lembrar que são temas abundantemente tratados no cinema americano. Dante parece buscar sistematicamente retrabalhar uma temática essencialmente americana, na sua diversidade: a questão do outro. Elemento fundador da mentalidade americana e que portanto não podia deixar de manifestar-se no cinema, sob a forma ameaçadora de ETs, de zumbis, de gremlins, de vietnamitas, ou seja lá o que for. O escritor Norman Mailer falava numa entrevista da necessidade vital do norte-americano de alimentar sua paranóia. No cinema, o outro como inimigo talvez encontre sua matriz na figura do Negro em Nascimento de uma Nação, de Griffith.

Seja como for, Small Soldiers retoma claramente essa questão. O exército de falcons super-poderosos tem por missão exterminar os Gorgonitas, brinquedos vistos como um bando de 'anormais' e que concentram em si todos os sintomas da diferença. Diferença física: racial no caso do líder, estética ou genética no caso de outros, numa clara referência a Freaks de Tod Browning. Mas também diferença cultural: o pacifismo intrínseco dos Gorgonitas, que foram programados para perder, oposto ao belicismo vitorioso dos mini-GIs.

São claras as referências à própria história dos Estados Unidos e ao discurso que têm os americanos sobre si. Um discurso da normalidade e da eliminação sistemática do que poderia fugir a ela. Se o discurso militarista de Chip Hazard, líder do comando de elite, alude inicialmente ao belicismo contemporâneo e aos antecedentes da guerra do Vietnã, a caracterização de Archer, o líder dos Gorgonitas, como um pele-vermelha (a roupa, os adereços, as armas e até a cor da pele e a escolha do puma para o seu rosto), remete às raízes deste discurso e invocam toda a história dos Estados Unidos. Assim como invoca, de certa forma, a história do cinema americano, a melhor câmara de eco da representação dessa História.

Como em Viagem Insólita, Dante desenvolve sua temática em dois planos. O embate entre normalidade e diferença repete-se na vida do herói adolescente do filme. Desajustado, incompreendido, tido como um marginal, o jovem Alan sente-se isolado e encontrará na defesa dos Gorgonitas o caminho para se afirmar e conquistar seu espaço e uma namorada. E é justamente na figura dos pais da futura namorada que Dante caracteriza a normalidade. Os pais de Christy são a representação caricatural de uma classe média branca alienada, para a qual destina-se justamente o discurso da normalidade.

Toda a ambivalência de Pequenos Guerreiros encontra-se aí, nessa crítica a um discurso. Num certo nível, o filme denuncia claramente uma visão militarista na qual o cumprimento de um objetivo (aniquilar o perigo Gorgonita) merece certos danos colaterais (a morte de alguns humanos e a destruição de um bairro inteiro), assim como denuncia o perigo de uma alienação que passa pela ingestão de imagens sem qualquer distanciamento (o pai de Christy e seu equipamento de vídeo). Difícil deixar de pensar no quem tem ocorrido de uns tempos para cá em certo país do Oriente-Médio, no discurso anti-terrorista de Mr. Bush e no papel da mídia. Porém, num nível mais profundo, Pequenos Guerreiros não deixa de ser mais um filme a alimentar a paranóia americana, buscando desta vez o perigo no que está mais perto das nossas crianças: os brinquedos. Expoente da interminável série dos filmes de ameaça à humanidade (isto é, os norte-americanos) e crítica irônica ao belicismo de Washington, o filme de Joe Dante acaba servindo de válvula de escape. Crítica ferina porém inócua, uma vez que é, antes de mais nada, entertainment e dessa normalidade não deseja furtar-se. Mais uma peça da gigantesca máquina de fabricar consentimento, diria Noam Chomsky.

Carim Azeddine