Grito de Horror,
de Joe Dante

The Howling, EUA, 1981


Dante é o diretor do subtexto, das entrelinhas. A definição de contrabandista, popularizada por Scorsese, lhe cai como uma luva. Por isso é tentador, e salutar, analisar sua obra a luz dos acontecimentos da época. Grito de Horror foi lançado em 1981, quando Ronald Reagan acabava de assumir a presidência dos EUA e já anunciava uma revisão na política de "détente" (convivência amistosa, até certo ponto, com a URSS) e o aumento nos investimentos armamentícios. Com um presidente tido como nocivo por grande parte dos americanos que não são rednecks, é natural que um filme de lobisomens queira dizer muito mais do que seu tema de horror possa sugerir. De fato, quando Dante submete sua narrativa à dinâmica de um telejornal, ele quer, além de prestar culto a um veículo de comunicação de enorme influência em sua formação, cutucar a campanha presidencial, alçada pela televisão e pelos canais que apoiavam os republicanos. Claro que a televisão está sempre presente em seus filmes, sempre há um personagem assistindo a algo, geralmente um desenho animado, cuja ação se comunica de alguma forma com a trama (em Grito de Horror um dos personagens assiste ao desenho de um lobo prestes a devorar a vovozinha). Mas neste filme, é toda a estrutura que simula a edição de uma emissora de TV.

Voltando à seara política, não é exagero considerar Joe Dante como um dos mais políticos dos cineastas americanos, e Grito de Horror, apesar de mais camuflado, é uma inegável peça de protesto político, tão sutil que muitos críticos demoraram a percebê-lo como tal. Em um ano em que Reagan começa a cortar serviços públicos para investir em bombas, Joe Dante lança seu filme sobre lobisomens que pretendem a convivência pacífica com os humanos, tendo que comer apenas carne bovina. Eles se rebelam, como Reagan, insatisfeito com a aproximação com a União Soviética. Querem ser melhores, dominar, não querem se restringir àquela pacata colônia de férias (seria uma referência a Tampico, vilarejo onde Reagan nascera?).

Dante usa também trechos de um filme de 1941, The Wolfman, filme de George Waggner (diretor que dá nome ao personagem do doutor), também sobre lobisomens. O filme é assistido pela TV (novamente a TV como comentário da ação) por um dos personagens. O ano sugere uma divagação: foi quando os EUA entraram na segunda guerra mundial, sob o governo de Franklin Delano Roosevelt, que tinha como um dos acessores (em início de carreira política) Ronald Reagan. O paralelo é inevitável. Dante homenageia o filme de Waggner, mergulhando-o em suas referências de cultura pop, ao mesmo tempo que o utiliza como documento da entrada de Reagan na política. Em retrocesso, seria uma premonição do que viria com o governo Reagan, levando em conta seus antecedentes políticos.

O co-roteirista John Sayles (que já havia roteirizado Piranha) aparece em uma ponta, Roger Corman em outra, vários atores e diretores de filmes de lobisomens são homenageados com nomes de personagens. E assim prossegue o caldeirão de referências do diretor. Como se não bastasse o projeto em si, com suas entrelinhas, Dante ainda se esforça para botar suas influências na tela, às vezes gratuitamente, mas nunca em detrimento da trama. Seria mais uma forma lúdica de deliciar os que, como ele, nutriram-se das mesmas referências.

Grito de Horror ainda fornece um plano antológico: quando a âncora do telejornal se transforma durante uma transmissão ao vivo. Ela adverte sobre o perigo que está por vir e é assassinada por seu companheiro de profissão. Corta para um comercial de ração canina. O cliente que assiste à TV em um bar diz tratar-se de uma tramóia com efeitos especiais, um inteligente comentário à própria característica do filme de dependência dos tais efeitos, e também a um ceticismo da população americana em ver o mal que estava prestes a governar o país. No mesmo ano, Frank Zappa colocaria Reagan numa cadeira elétrica em um video-clipe, gesto certamente aprovado (secretamente) por Dante. Mas aí já não seria contrabando, seria pura provocação.

Sérgio Alpendre