Viagem ao Mundo dos Sonhos,
de Joe Dante

Explorers, EUA, 1985
Há
dois pólos que norteiam Viagem ao Mundo dos Sonhos: a imagem, enquanto
clichê, e a questão da alteridade. É a partir da desconstrução dos estereótipos
que estruturam os filmes de aventura e de ficção científica que Joe Dante
afirma o poder da amizade como maneira de estabelecer contato com o outro.
São três amigos adolescentes, Ben, Wolfgang e Darren (Ethan Hawke, River
Phoenix e Jason Presson, respectivamente) que, através dos sonhos de Ben,
recebem instruções para montar uma nave espacial e ir ao encontro de seres
alienígenas. Ben, o sonhador, apaixonado platonicamente pela garota mais
bonita da escola; Wolfgang, o nerd, filho de imigrantes; e Darren, o rebelde,
solitário de poucas palavras cujo pai está desempregado: desajustados
e diferentes, eles representam figuras arquetípicas das aventuras juvenis
que, em geral, impõem aos personagens uma série de perigos que os leva
a reconhecer e a aceitar os valores da ordem e da acomodação (ou da “responsabilidade”),
com o intuito de, por conseguinte, dar fim ao desajuste e à diferença
que ameaçam a paz social. No entanto, esta expectativa que se cria ao
redor do cinema de aventura é frustrada por Dante, de forma proposital,
uma vez que em Viagem ao Mundo dos Sonhos existe sempre a imagem
que se espera ver o clichê contraposta àquela que de fato
é, ou seja, a aparência contra a verdade, como na cena em que a nave construída
pelos jovens se sobrepõe às imagens do filme B projetadas na tela do drive-in.
Assim, Dante trabalha para destruir as imagens que, normalmente, se associam
aos extraterrestres. Tais clichês, fundados na projeção dos temores e
das esperanças daqueles que os criaram e não na compreensão do
alienígena em sua diferença , enxergam nos ETs ou entidades superiores
que ajudarão a Humanidade a encontrar o sentido da existência, como gostaria
Ben e de acordo com O Dia em que a Terra Parou (1951), de Robert
Wise, ou monstros que desejam destruir o planeta, que remete à produção
B norte-americana dos anos 50, ou seres simpáticos e fofinhos que trarão
de volta a unidade familiar e resolverão todos os problemas, em consonância
ao inconsciente coletivo spielberguiano. Porém, no lugar deles, Dante
mostra alienígenas que também são adolescentes, que conhecem os humanos
apenas pelas imagens mediatizadas pela televisão, e que estão ávidos e
curiosos, assim como Ben, Wolfgang e Darren, para travar contato com uma
espécie nova, desconhecida e diferente.
Para estabelecer o contato com o outro, todavia, faz-se necessário apagar
da mente todas as imagens que, durante a vida, mostram a mesma coisa repetidas
vezes, sob o risco de se aniquilar a alteridade ao submetê-la aos padrões
rígidos e imutáveis dos clichês. Dessa maneira, é significativo que em
Viagem ao Mundo dos Sonhos o processo de descoberta mútua seja
feito entre adolescentes: característica do cinema dos anos 80, em filmes
como Adeus, Meninos (1987), de Louis Malle, Esperança e Glória
(1987), de John Boorman e Paisagem na Neblina (1988), de Theo Angelopoulos,
a presença da criança e do jovem significa a possibilidade da retomada
de um olhar inocente, capaz não de ver “de novo”, mas sim de ver “o novo”,
para fora de quaisquer aparências pré-estabelecidas.
O desmanche das convenções realizado por Dante culmina na seqüência do
contato imediato, em que Ben inicia sua comunicação com o extraterrestre
por meio do clássico “Me, Ben”, recebendo como resposta um debochado e
irônico “Me, Tarzan”. Ben vai ao espaço em busca das respostas que se
adeqüem e que confirmem a percepção que ele já havia montado sobre seres
alienígenas. Contudo, não existem respostas: a viagem serve como ponto
de partida para a descoberta do outro, para ver e se maravilhar com o
desconhecido, sem reduzi-lo a fronteiras analisáveis e reconfortantes.
Nesta jornada perigosa e, ao mesmo tempo, extraordinária, trata-se de
encontrar no ser diferente de você (ET ou humano, tanto faz) um aliado
com quem se possa dividir os medos e as alegrias espalhados pelo caminho.
Um amigo, enfim, com o qual se compartilhe os prazeres da viagem, que
valem mais do que a chegada: é embarcar no sonho e se deixar levar.
Paulo Ricardo de Almeida
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