Dias Incríveis, de Todd Phillips

Old School, EUA, 2003


Se é tão óbvio que John Landis seja a maior influência que permeia Dias Incríveis, o território que acerca o filme não poderia ser diferente; entre seus produtores encontra-se roteiristas dos primeiros filmes de Harold Ramis, e também o cineasta Ivan Reitman, um dos produtores de Clube dos Cafajestes, claramente a grande inspiração de Todd Phillips, que em sua estréia na ficção, Caindo na Estrada, já havia mostrado que Landis o influenciava, mas ainda apresentava idéias meio perdidas em meio a um filme que nem sempre emplacava as piadas, principalmente pelo cineasta parecer sempre relapso da imagem, e ali definitivamente o conceito do mal filmado não servia em prol do filme, como pode-se dizer que seja o caso de um Fora de Casa. E talvez seja um dos pontos mais interessantes de Dias Incríveis, o fato de Phillips parecer mais preocupado em fazer rir através da imagem em si, da sua própria problematização.

Luke Wilson se depara com sua mulher em casa na cama, pronta para uma longa tarde de sexo grupal –- já confuso com toda a situação, Wilson atende a porta e se depara com o próprio cineasta, dizendo que veio para o gangbang. E não é muito diferente do que ocorre com o filme, a se julgar que a câmera parece sempre fazer parte de tudo, e um dos pontos que mais agrada no filme é que boa parte da graça das piadas se dá através da forma, o que não ocorria com o filme anterior. E se há alguma psicologia perdida em meio à idéia dos três homens em seus trinta e poucos anos se metendo a criarem uma fraternidade, ela é acima de tudo calcada de tamanha sinceridade que não deixa de ajudar com que ocorra uma relação mais pessoal com aquelas imagens, seja com Wilson realmente preocupado em se reerguer; seja com Vince Vaughn, que mesmo se colocando como um homem-da-festa, não deixa de organizar a sério o aniversário do filho e de recuar quando uma jovem parece decidida a ir pra cama com ele; seja com Will Ferrell perdido em meio a seu sangue libertário (e ao mesmo tempo autoritário) e uma vontade de amadurecer. Não que seja necessariamente um filme sobre amadurecer – talvez seja mais um caso de buscar no tesão da juventude a força que talvez estivesse em falta para encarar a vida mais madura (e amadurecer não convém de qualquer forma em deixar de ser jovem). Talvez o caminho que procure ao fim do filme seja este, a se julgar que a fraternidade segue, independente do amadurecimento.

Mas convendo que trata-se de uma comédia, e nesse caso uma bastante engraçada – o que é mais do que importante aqui – a presença do elenco se faz um tanto necessária. Mal ou bem, por melhor que se filme uma comédia, as situações só tendem a funcionar se houver de fato uma relação bem resolvida entre câmera-ator, especialmente quando se investe por demais nas situações – por vezes será justamente do talento não necessariamente presente de um ator que a imagem irá tirar o que quer. Com Luke Wilson, Will Ferrell e Vince Vaughn (retomando essa faceta comediante que o lançou em Swingers mas raramente retomou nos anos que se passaram), Phillips parece ter conseguido uma química bastante forte, fosse entre os atores, fosse com ele mesmo – e talvez daí o fato de aqui as piadas funcionarem na maioria das vezes, enquanto no antecessor só ocorressem freqüentemente com Tom Green. A se julgar que do grupo o único comediante nato seja Ferrell (membro do Saturday Night Live), não se pode deixar de dar crédito ao diretor por ter acertado a mão aí (e também é claro aos atores), construindo um ambiente onde o riso se dá sem soar forçado (salvo algumas exceções).

Um dos fatos que chamam a atenção é que muitas vezes são dos pequenos defeitos onde surgem alguns acertos do filme, que subverte aquele pequeno sentimento rancoroso em um momento de humor acertado. Se o uso do cinemascope em uma comédia é inusitado, embora nem sempre ocorra, Phillips até consegue se virar bem com os espaços, especialmente porque o espaço dentro do filme é bastante importante para que o humor funcione (afinal, o fraternidade faz de si o ponto de união para tudo aquilo que a cerca – e logo, cerca o filme). A formula de se jogar um grande número de piadas grosseiras (ou nem sempre exatamente grosseiras) nem sempre funciona – por diversos momentos se percebe que tudo parece um tanto desconjunto, como se Phillips fosse incapaz de organizar o filme, o que ao mesmo tempo traz um certo interesse a ele, de ver que tal desorganização acaba por dialogar indiretamente com o que o filme mostra, também acaba por ser um sério problema, afinal muitas piadas acabam simplesmente jogadas na tela, nem sempre funcionando.

Dias Incríveis também tem suas aparições especiais, onde ocorre uma rara chance de se ver Sean William Scott em uma cena realmente engraçada, ou alguns nomes conhecidos da televisão americana (e semi-anônimos para o público brasileiro de forma geral) emergindo em papéis pequenos ou simplesmente pontas. E se nem todas as piadas funcionam (ver cena com Andy Dick), é preciso lembrar que não se trata também de um filme à altura de Clube dos Cafajestes, até mesmo porque lá se fazia presente um olhar bem mais forte e cheio de idéias, o que não anula de maneira alguma os belos momentos de comédia que Todd Phillips e sua trupe conseguem retirar aqui.

Guilherme Martins