Ricordati di Me, de Gabriele Mucinno

Ricordati di
Me, Itália, 2003
Aqueles que receberam com algum entusiasmo
O Último Beijo, primeiro filme de Gabriele Muccino a ser
exibido no Brasil, muito possivelmente tomaram um banho de água
fria com a oportunidade de asistir seu trabalho anterior (Para Sempre
na Minha Vida) e o mais recente (Ricordate Di Me). Muccino
parece empenhado em realizar um inventário da experiência
amorosa na classe média italiana em diferentes faixas etárias,
partindo, na sequência cronologica dos filmes, de protagonistas
adolescentes, passando pelos adultos jovens, chegando em Ricordate
Di Me ao casal de meia idade. Se O Último Beijo impressionava
pela emoção sincera e por uma autenticidade nos sentimentos
de seus personagens, isso se deve certamente ao fato de Muccino, que contava
com 34 anos quando do lançamento do filme, estar falando de sua
geração, de fatos bastante próximos a ele, a seus
amigos e contemporâneos.
Ao se refletir sobre os demais filmes, começam
a ficar aparentes algumas de suas limitações. Para Sempre
na Minha Vida apresentava uma visão da adolescência um
tanto esquemática, que, por sinal se repete no casal de filhos
de Ricordate Di Me, em especial o caçula Paolo, interpretado
pelo irmão de Gabriele, Silvio Muccino (também protagonosta
de Para Sempre...). O esquematismo fica mais evidente em Ricordate
Di Me, com seus personagens cuja vida familiar desde o início
parece fadada a uma espécie de despedaçamento ou incomunicabilidade,
uma vez que pais e filhos parecem isolados em perseguir seus objetivos,
sem muito importar-se com o que os demais: Carlo, o pai, na insatisfação
com o trabalho que o impede de dedicar-se a escrever e em reestabelecer
um caso de amor com uma ex-namorada, também casada; Giulia, a mãe,
desencantada por não mais exercer qualquer controle sobre filhos
e marido, tentando retomar a antiga carreira de atriz à qual abandonara;
Paolo em conquistar uma colega pela qual se apaixonara e em fomar maconha.
Mais interessante que os outros, porém
não menos estereotipada em sua concepção é
a filha Valentina, adolescente fútil e boazuda, que não
mede esforços em perseguir seu objetivo de conseguir a fama, partindo
de um lugar de dançarina num dos muitos breguíssimas programas
de auditório da TV italiana. É a única das personagens
que parece ter uma maior auto-confiança (que vai adquirindo ao
longo do filme), pois todos os membros da família, Giulia e Paolo
em especial, possuem um sério problema com relação
a sua auto-imagem e vivem a perguntar aos outros a sua opinião
sobre o que são ou o que fazem. É também Valentina
a única das personagens à qual Mucino parece impor uma visão
mais crítica.
Mas se pensarmos no restante do conjunto
de Ricordate Di Me, essa visão crítica parece não
se fazer muito presente, pois Mucino constrói seu filme de uma
forma bastante próxima da dramaturgia de telenovela, buscando emoções
e situações-limite a cada instante, o que acaba soando bastante
artificial e exagerado. Se Para Sempre... pode ser visto como uma
espécie de Malhação à italiana, Ricordate
Di Me lembra muito Manoel Carlos, com sua ambição de
executar através de trama e personagens um retrato idealizado da
problemática da classe média, seja ela carioca ou romana.
No caso específico de Muccino, isso se faz através de personsgens
sem alma ou facetas variadas, apenas tipos, que serão chamados
a repensar seu isolamento e egoísmo a partir de uma tragédia
que põe em risco a vida de um deles, numa estrutura, por sinal,
bastante próxima da utilizada por Mike Leigh no recente Agora
ou Nunca.
Ricordate Di Me deixa também
evidente que alguns recursos narrativos utilizados em O Último
Beijo seriam menos características de estilo do que meros cacoetes.
A montagem acelerada – um pouco menos no último filme – e a música
hipertrofiada, que em O Último Beijo pareciam coerentes
com a urgência nas atitudes das personagens, aqui tendem acentuar
ainda mais o exagero das situações. Aliás, pensando
em termos de música, uma vez que O Último Beijo pode
ser considerado uma balada de rock, Ricordate Di Me está
mais para um bolero cafona (como os utilizados na trilha sonora) ou uma
ópera vagabunda e barulhenta, recheada dos arroubos emotivos aos
quais custumam ser caricaturalmente associados os italianos. E sem dúvida
bastante estridente, pois as personagens de Ricordate Di Me – Giulia,
principalmente – passam boa parte do filme aos gritos.
Para piorar as coisas, o filme utiliza ainda
uma narração em off, tão gratuita quanto ridícula.
Só de uma coisa não se pode acusar Muccino: mal gosto na
escolha de suas atrizes. Sem levar em conta as belas e maduras Laura Morante
e Monica Belucci, aos que ficaram deslumbrados com a maravilhosa Martina
Stella, fica registrado que desta vez o diretor se superou: Nicoleta Romanoff
(Valentina) é tudo de bom e mais um pouco. E quase o único
atrativo a situar Ricordate Di Me em um estágio um pouco
acima da total decepção.
Gilberto Silva Jr.
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