Memorando sobre a montagem
de 'A Marca da Maldade'



DATA: 5 de Dezembro de 1957

PARA: Edward I. Muhl, Vice-Presidente responsável pela produção Universal-International Pictures

DE: Orson Welles, roteirista e diretor de A MARCA DA MALDADE.

Lamento muito que um encontro de negócios na sexta-feira e doença na segunda-feira tenham me impedido de assistir ao filme antes de terça. O trabalho nas notas que se seguem começaram logo em seguida, assim que pude obter ajuda na datilografia.

Infelizmente, minha doença deixou-me algo lento, e uma inesperada escassez de ajuda secretarial deixa-me, no fim de um longo dia, na falta de uma cópia a limpo do restante destas notas para entregar em suas mãos. Devo continuar trabalhando noite afora, entretanto, e com as datilógrafas começando cedo amanhã, é seguro prometer entregá-lo o memorando completo antes do fim da manhã.

Eu suponho que a música que serve de fundo à seqüência de abertura do filme seja temporária...

À medida que a câmera vagueia pelas ruas da cidade fronteiriça mexicana, o plano era apresentar uma sucessão de diferentes e contrastantes números musicais latino-americanos - isto é, o efeito de passarmos por uma orquestra de cabaré depois da outra. Em distritos de cabarés na fronteira, alto-falantes são colocados na entrada de cada espelunca, grande ou pequena, cada um deles tocando alto sua própria música como modo de atrair os turistas. O fato de que estas ruas estão invariavelmente repletas desta música alta foi planejado como um recurso básico ao longo do filme inteiro. O uso especial de números em ritmo "estilo-mambo" contrastando com rock 'n' roll serão desenvolvidos em detalhes no fim deste memorando, quando eu levantarei detalhes da "batida" e também os específicos das cores musicais e instrumentação numa base cena-por-cena e transição-por-transição.

Na versão que me foi mostrada ontem, não está claro onde você decidiu colocar os créditos. Um breve parecer sobre isto determinará se minhas antigas idéias para padrões sonoros e musicas neste rolo de abertura ainda guardam algum valor em potencial ou não. Já que uma descrição clara deste plano original ocupará algum espaço e levará um pouco mais de tempo para ser reunida, eu adiarei isto aguardando sua resposta.

O momento em que Vargas diz a Susan, "Não seja mórbida..." é desagradável e cria uma impressão perigosa. (Em um memorando anterior, eu apontei vigorosamente para isto.)

A presente montagem não apenas retém esta fala, mas o corte entre Vargas conduzindo Susan para fora da cena e as tomadas seguintes é muito grosseiro. A montagem original desta pequena seção em particular era realmente bastante eficiente e eu honestamente não consigo ver o que, de qualquer ponto de vista, foi conquistado ao rompê-la e reconstruí-la nesta forma. Em termos de clareza, nada é conquistado; excitação considerável foi perdida e uma fala desagradável (que eu arrependo-me de ter escrito) foi posta de volta.

A fala de Schwartz: "Ele deve estar vindo daquele seu rancho", não está clara e deve obviamente ser dublada.

"Uma hora atrás, Rudy Linneker tinha esta cidade em seu bolso... etc., etc." - deve também ser dublada com consideravelmente mais força e agressão pelo Sr. Collins, se a presente montagem for preservada. O salto da fala imediatamente anterior do Chefe Gould para esta é muito perturbadora para os ouvidos, e devo enfatizar que este não é um mero caso de "balancear" no processo final da mixagem sonora. O Chefe de Polícia está literalmente gritando (para abafar os sons dos carros de bombeiros, ambulâncias e outros efeitos de fundo) enquanto Adair, no corte imediatamente posterior, está falando num tom muito baixo. Talvez Adair e Gould devessem ambos ser dublados novamente, mas provavelmente será suficiente refazer apenas a fala de Adair, empregando mais força. Este pode parecer um detalhe desimportante, mas o contraste abrupto, extremo, de tom entre estes dois breves cortes reforça desnecessariamente o caráter arbitrário da montagem neste ponto e, sem a re-dublagem, limita-se a criar um efeito muito perturbador.

O ritmo seria ajudado se uma parte da fala "Isto eu não penso que o Sr. Vargas reivindique... etc., etc." fosse colocada sobre o close-up de Vargas.

Resignado como estou pelo fato de que uma grande maioria de minhas notas e sugestões prévias foram desconsideradas, o caso da cena entre Grandi e Susan é uma das poucas questões que sinto-me justificado em reabrir. Esta cena é apenas exatamente mil por cento mais eficiente exibida, tal como foi organizada inicialmente, em duas partes, com um corte para a cena da explosão entre estas duas partes.

Não importando como a cena seja montada, esta cena tem - e foi projetada para ter - uma qualidade curiosa, bastante inconclusiva. Ela foi escrita deste modo, e dirigida e interpretada deste modo. O público é apresentado a um vilão ameaçador que não é bem sucedido, de fato, em parecer muito ameaçador afinal de contas. Ele assume um tom ameaçador com Susan, mas tal como apresenta-se, suas ameaças são vagas e o público deve começar a perceber (se a cena funcionar) que ele está na verdade mais assustado que assustador. Dividir esta cena em duas partes, como pretendíamos, e manter a situação com Vargas, na cena da explosão, "viva" na mente do público, não é confundir mas esclarecer. Fazer uma curta referência contrapontística ao que está acontecendo do outro lado da fronteira reforça e ilustra precisamente os valores corretos. Absolutamente nenhuma vantagem é obtida ao colar estas duas partes, exceto fazer a cena inteira parecer muito longa e muito disforme. As filmagens foram realizadas na maior parte em locação, alguns ângulos inversos e close-ups foram feitos no estúdio. Agora, eu não levei em conta filmá-las para uma versão em duas partes, e por conseqüência, não há material disponível para ação contínua. Tal como a montagem agora se apresenta, a soldagem destas duas partes foi manejada com tanta habilidade quanto os recursos do filme tornaram possível, e eu congratulo quem quer que tenha feito a tentativa. Resta sendo, no entanto, apenas isto: uma tentativa.

O diálogo fora de cena "...que mandou causar problema..." (a fala é maior do que isto mas não tenho nota de cobertura) que está agora colocada sobre a tomada demasiado extensa de "Pancho" é um esforço engenhoso, mas como uma solução real para a montagem ela simplesmente não funciona - e não pode funcionar.

Quando a fotografia cai abruptamente abaixo de um padrão particular, os fotógrafos dizem que a cena filmada não é "comercial". Eles não querem dizer, é claro, que seja "artístico" demais para o mercado comercial, mas que a qualidade física do filme não está à altura dos padrões mínimos ordinários geralmente requeridos para a exibição. O tipo de montagem ao qual foi necessário recorrer na tentativa de forçar estas duas partes da seqüência na forma de uma única cena só pode ser descrito da mesma forma: simplesmente não é comercial.

De todo modo retenha, em suas linhas principais, a forma montada deste rolo tal como vocês agora o fizeram. Pouco dos trabalhos admiráveis de Ernie Nims e de seus assistentes em nome da clareza devem ser abandonados, mas permita-me insistir fervorosamente que o ponto de corte de Grandi - no qual ele apenas começava a ameaçar Susan (a qualidade deliberadamente anti-climática não tendo ainda sido estabelecida neste ponto) seja retido.

O corte com o qual retornamos a Grandi (após uma breve visita à cena da explosão) com seu movimento violento em direção ao espelho e a fala: "Costumávamos ter uma cidade calma e sossegada por aqui!" - foi também um corte muito bom, de fato. Ambos foram excepcionalmente eficientes e gritam para serem restaurados. No desejo de remontar e rearranjar completamente estes rolos de abertura, acredito sinceramente que a decisão de unir as duas cenas de Grandi numa única seqüência nasceu de um desejo geral de simplificação e clareza - e, admitindo o valor dos outros cortes, esta foi uma mudança demasiada. Esta foi a alteração que não pode ser defendida de qualquer ponto de vista em termos de seu resultado. O que importa é o verdadeiro salto grosseiro na montagem, - inevitável na presente versão.

Se eu tivesse sido uma das pessoas de seu grupo durante as discussões sobre a montagem, eu deveria saber a quem dirigir-me sobre esta questão que considero tão importante. Como está, posso apenas suplicar a quem quer que tenha defendido a idéia de que estas duas cenas deveriam ser reunidas em uma - suplicar que, já que todas as outras recombinações em todas estas seqüências de abertura agora foram reparadas em uma forma aceitável, a cena entre Grandi-Susan deve ser reexaminada com uma mente aberta. Nenhum grande esforço será necessário para encontrar o material correto para adicionar dentre a riqueza de material disponível das várias cenas que transcorrem com o carro em chamas. Minha opinião é a de que a entrada de Quinlan deveria guardada para isto. Penso que mover a cena de conflito entre Quinlan e Vargas mais para perto da cena da rua em frente ao hotel ajudará a esclarecer e melhorar em muito a linha narrativa. Esta, porém, é apenas uma de diversas soluções. A chegada de Quinlan através de sua fala, "Quem quer que o tenha feito, seu imbecil", e o corte do carro em chamas teria igualmente resultado numa transição eficiente. Você retornaria então a Grandi (com uma rápida fusão, se preferir) para sua fala, "Costumávamos ter uma cidade calma e sossegada por aqui!" Isto funcionaria lindamente. O objeto da ansiedade de Grandi teria sido dramaticamente ilustrado, não deixaríamos a cena da explosão até que todos os protagonistas fossem apresentados, e o recurso de cortar a partir de Quinlan (claramente a figura mais significativa a aparecer desde a entrada, no início do filme, dos protagonistas masculinos e femininos) estimularia o interesse do público sem o mais remoto risco de confusão. Isto está na melhor tradição clássica da continuidade cinematográfica, a virtude comprovada de que é fato de que com esta combinação nós jamais estaríamos afastados das histórias de Susan ou Vargas por tempo suficiente para perder suas separadas, mas relacionadas, linhas de interesse.

Mas como eu disse, um número de soluções atraentes apresentam-se. O que é vital é que ambas as histórias - a do protagonista e a da protagonista - sejam mantidas vivas, igual e continuamente; cada cena, enquanto nos movemos para lá e para cá da fronteira, deveria ter aproximadamente a mesma duração preparando o caminho para o momento no hotel em que os amantes encontram-se novamente. Este melhoramento simples mas drástico, adicionado ao corpo da versão clara e concisa de Ernie Nims para a seção de abertura do filme, irá introduzir a identificação com as personagens numa proporção justa e numa forma que - tenho certeza que você vai admitir, se você está disposto a tentar fazê-lo - é irresistivelmente interessante. Nenhuma questão a respeito de qualquer coisa no filme é levantada com tamanha urgência e tamanha confidência quanto esta. Por favor - por favor, dê uma chance justa à idéia.

Na deixa "Cidade do México", Grandi é interrompido por Pancho que sussura para que ele se cale. Este "ssh...!" prolongado deve ser dublado. Este detalhe menor é mencionado porque, se esquecido, pode parecer que Pancho estava falando algo que de alguma forma parece ter sido abandonado da trilha sonora. No fim da cena de Grandi, há uma nova modificação que não é de modo algum um aperfeiçoamento. Em quase toda instância deste tipo - quer dizer, quando há simplesmente uma diferença de gostos entre sua edição e a minha - resignei-me à futilidade da discussão, e pouparei você de meus comentários. Na maioria dos casos, posso ver, ou adivinhar, o ponto de vista que motivou a mudança, mesmo quando eu pessoalmente não concordo com ela. Em algumas poucas instâncias, porém, o ponto de vista permanece completamente misterioso para mim, e nos casos em que a melhora não é aparente, e onde não posso sondar as razões para alteração, estou registrando, como faço aqui, minhas objeções. O problema da "modificação" não é uma questão vital de uma maneira ou de outra, mas já que custou-me algum trabalho considerável na moviola para decidir o frame preciso do qual cortar para a cena de Grandi na rua, e novamente, voltar a Vargas e aos outros próximos do hotel, acho difícil resistir a apontar que a nova versão - ainda que a idéia por trás dela possa até mesmo ser superior - exibe uma técnica muito mais apressada.

Meu memorando anterior notava que várias falas "selvagens" entre Menzies e mim, pensadas para cobrir o longo movimento de Vargas atravessando a rua e subindo a viela até a porta dos fundos do cabaré, onde ele, por fim, alcança o grupo, deveriam ter sido dubladas. É verdade o bastante que este diálogo entre os detetives não é absolutamente vital para a trama, mas a considerável duração atual da cena entre Vargas e Susan no saguão do hotel pareceria atribuir maior importância à necessidade de manter o outro grupo "vivo" enquanto eles prosseguem através da rua em direção ao cabaré. Por outro lado, vejo que pode ser argumentado que abandonar este grupo por um período mais longo, ouvir suas vozes durante o movimento de Vargas através da rua pode, de fato, tender a ser confuso ao invés de proveitoso. Levanto o ponto em forma de uma pergunta e sem qualquer recomendação definitiva de minha parte.

Uma vez que a questão da dublagem foi levantada aqui, eu deveria também notar que há várias falas minhas na nova e aumentada versão da cena da explosão que terão de ser dubladas. Bem possivelmente, Adair, Gould, Menzies e Schwartz também devem ser dublados. Uma única exibição do filme não me deu a oportunidade de anotar isto em detalhes precisos. A maior parte dos diálogos na nova versão estendida da cena é feita por mim e o que aparece em minhas notas enquanto transcrevo-as agora refere-se a este diálogo - que está, de fato, longe de ser distinto.

Ainda na questão da dublagem: uma nota lembra-me que há uma fala de Quinlan no fim da cena da briga, (a cena que se passa na frente do Tania's) - uma fala de Quinlan dita enquanto ele retira-se com Menzies e que não foi gravada no momento da filmagem em locação. Fico a postos para fazer esta dublagem na primeira oportunidade que lhe seja conveniente.

Chegamos agora ao primeiro diálogo adicional: a nova cena entre Susan e Vargas. À luz da decisão de negar-me a permissão de dirigir estas cenas, de escrever seus diálogos ou de colaborar na escrita, ou até mesmo de estar presente durante suas discussões sobre o assunto, devo, é claro, encarar a forte probabilidade de que eu sou a última pessoa cuja opinião provavelmente não terá qualquer peso para você. Limito-me, portanto, a pontos que devem genuinamente interessar-lhe - pontos que me parecem interferir de maneira muito forte na própria história, e que tendem a confundir a linha narrativa. Sem entrar em qualquer questão de qualidade do texto mesmo do diálogo para esta cena adicional no saguão do hotel, penso que dois pontos confundem verdadeiramente a simples mecânica da trama, e isto, sugiro, poderia muito provavelmente ser reparado pelo simples processo de dublar falas ligeiramente diferentes na cena. Para começar com o ponto menos importante: Vargas diz a sua esposa que se assegure de trancar a porta de seu quarto. Ainda assim, veremos mais tarde ele abrindo a porta com um simples toque na maçaneta. Uma vez que ela estava genuinamente assustada e perturbada, é um pouco difícil entender porque ela escolheu desprezar o bom conselho de seu marido. Tal como o filme agora se apresenta, a imposição dele para que ela tranque a porta é a última coisa que ela ouve antes de partir para a sala ao lado, e não é fácil perceber como ela poderia possivelmente ter esquecido isto durante esta curta caminhada. Na versão original, a questão da porta ser trancada simplesmente não é levantada. Trazer Susan à porta para destrancá-la teria modificado a ação básica da cena no quarto de hotel e teria tornado a confusão semi-cômica de Vargas na escuridão impraticável. Assim, ele atravessa a porta e entra no quarto antes mesmo que o público tivesse qualquer tempo para pensar sobre a questão de Susan ter trancado-a. Qualquer um que desejasse ser mais analítico poderia presumir que ela simplesmente se esqueceu de fazê-lo - um erro tolo mas não realmente imbecil. Entretanto, se seu marido lhe disse para trancar a porta, seu malogro é reforçado, e ao público, forçado a pensar sobre toda a questão do trancar de portas, é oferecida uma escolha entre culpar o diretor por descuido, ou considerar que a personagem interpretada pela protagonista é leviana ao ponto da mais pura fraqueza de espírito.

O segundo ponto sobre esta nova cena no saguão do hotel é, penso, mais importante e tem a ver com a referência a "aqueles rapazes". Infelizmente, já que este novo diálogo nunca foi enviado a mim, não tenho o texto exato e fui incapaz, durante uma única exibição do filme, de anotá-lo na sala de projeção. Entretanto, a essência do que é dito neste ponto parecia ser que Susan ficou impressionada pela existência do que ela descreve como "aqueles rapazes" ou "aqueles garotos". Acredito que Vargas refere-se a eles também em tais termos. O propósito aqui, presume-se, era estabelecer a gangue de delinqüentes, aparentemente uma boa idéia. Mas uma real dificuldade apresenta-se em termos de lógica: Susan não viu esta gangue de forma alguma, nem o público. É verdade que um rapaz chama a atenção dela em direção à fotografia, mas ele poderia ter lhe causado uma impressão (e ao público) como uma das várias pessoas na rua. Até então, não houve qualquer impressão de um grupo de "garotos". Susan e o público lembrariam-se de "Pancho," alguns velhos, uma mulher com um bebê, e Grandi. Destes, é claro, Pancho e Grandi causarão a impressão de serem as figuras significativas. Em outras palavras, estabelecemos um gângster de meia-idade e seu jovem partidário, e além disso, uma impressão geral, bastante vaga, de mexicanos das mais diversas idades e tipos que obviamente não trazem qualquer significado especial à história. "Sal" aparecerá mais tarde e também "Risto". Apenas na cena na rua entre Grandi e aqueles três rapazes, a impressão da existência de uma gangue de jovens começa a surgir. Esta conversa de "rapazes" e "garotos" quase certamente causará o efeito de confundir o público. Se Susan e Vargas tivessem enfatizado Grandi, a conversa seria clara. Como está, a reação natural será de surpresa, "De que garotos eles estão falando?".

O problema inteiro dos rolos de abertura são de clareza. Há diversos grupos de personagens e inúmeros relacionamentos que devem ser muito claramente estabelecidos e separados uns dos outros. Acredito que a crítica de minha própria versão inacabada destes rolos de abertura foram inteiramente justificáveis e, como disse a ele, Ernie Nims conquistou um dramático progresso em reduzir esta confusão. O diálogo adicionado no assunto dos "garotos", entretanto, é o exato oposto da clareza. Coloca uma questão na mente do público que não pode ser respondida logicamente neste ponto da história, quando devemos concordar que a menor sensação de perplexidade pode provocar uma faísca de irritação e produzir aquela reação em cadeia de perplexidade que leva quase sempre a uma falta de interesse. Portanto, nos termos mais fortes possíveis, quero insistir que você considere os méritos desta questão.

Assim como em julho você pôde ver as imagens com novo olhar e com reações descomprometidas por um conhecimento íntimo do material, também posso agora ver esta cena adicional como algo bastante novo, e posso deste modo fazer um julgamento mais justo talvez que os responsáveis pela cena. Umas poucas leves mudanças de palavras podem ser feitas e dubladas neste material sem dificuldades de modo que esta ênfase desconcertante nos "garotos" pode ser suficientemente reduzida, e se eu pudesse ter o texto desta nova cena, ficaria feliz de trabalhar nele, e de apresentar imediatamente a você sugestões de alterações no diálogo. Você vai preferir, suponho, realizar isto por sua própria conta e sem qualquer colaboração direta de minha parte. Mas por favor pense um pouco sobre a questão.

Alguns problemas específicos são colocados pela introdução da nova cena no saguão do hotel a respeito dos quais eu simplesmente não posso manter-me em silêncio. A desculpa para esta cena adicionada, acredito, é tornar a trama mais clara, e também, talvez, o valor de adicionar material para a Srta. Leigh e para o Sr. Heston. Mas, em termos das personagens que eles interpretam, e do relacionamento entre elas, devo insistir que, até onde diz respeito ao autor - (e até onde quaisquer resquícios de interesse possam ser atribuídos à sua opinião) - esta nova cena em particular vai diretamente contra as intenções do roteiro, e contra a linha original da história. Este diálogo adicionado torna a cena posterior (uma de minhas cenas), em que Susan faz as malas e sai de seu quarto de hotel, completamente arbitrária. Vindo como agora está, sem muita preparação emocional de qualquer espécie, nós nos perguntamos o que deixa Susan tão friamente furiosa com seu marido, e por que, quando ele abre a porta, ela não joga seus braços em volta dele e implora que ele a retire daquele lugar horrível. A nova cena do saguão deixa nosso casal num relacionamento razoavelmente caloroso, e com um entendimento perfeitamente racional um do outro. Verdade, a jovem esposa manifesta sua oposição às atividades policiais do marido no decorrer de sua lua-de-mel, mas sua indignação é expressa em um tom amuado, "bonitinho" (uma reação típica do clichê de recém-casados em filmes B). Ela está, de fato, mais magoada que zangada; esta nova cena com seu marido na realidade faz com que ela pareça razoavelmente resignada com o que, como seu marido explica, deve ser uma rápida mas necessária operação. Por conseguinte, a tensão essencial entre eles é totalmente suavizada: não temos nada "cozinhando" entre estes dois exceto uma insinuação do interesse físico que um tem pelo outro e de seu tormento momentâneo mas inconseqüente da separação. A história original desenrolava-se, brevemente, como segue: Um casal em lua-de-mel, desesperadamente apaixonado, é separado abruptamente por um violento incidente (a explosão do carro) - um incidente que, embora não tenha qualquer repercussão pessoal para nenhum dos dois, o homem considera como um assunto de sua mais urgente preocupação profissional. Este sentimento de responsabilidade de Vargas é, obviamente, uma expressão do tema básico do filme inteiro; mais adiante, a resistência de sua esposa a tal idealismo masculino, seu fracasso e até sua recusa em entender, é uma reação humana e muito feminina que qualquer público pode compreender facilmente e simpatizar. Ela está, afinal, em um país estrangeiro e foi sujeitada a uma série de indignidades que a irritam e desnorteiam e que seu marido não consegue compreender completamente. O comportamento de Vargas e a reação dela tornam necessário dramatizar e reforçar este desentendimento temporário entre eles. Por minimizá-lo, por adoçar seu relacionamento no momento errado, e esquentá-lo precisamente no ponto em que a distância que separa o homem e a mulher deveria estar no máximo ponto, provoca-se uma perda brusca em dimensão, e tanto Vargas quanto Susan emergem como personagens comuns - a espécie de "protagonistas românticos'' de rotina que encontramos em qualquer filme B.

A cena acionada do hotel não pode ter sido feita na expectativa de alcançar um nível real de sensualidade; seu tom é simplesmente íntimo - o tom daquele típico relacionamento "marital-amigável" com o qual os espectadores de cinema já estão agora tão familiares. Se sentiu-se que uma cena estendida entre os dois era realmente necessário neste ponto, então esta cena deveria ter sido desenvolvida dentro das linhas do afastamento abismal entre um casal apaixonadamente enamorado. Isto, acredite-me, não é de forma alguma uma questão de mera preferência da parte do autor do roteiro e do diretor do filme. Aqui invoco mais que opinião pessoal; é um fato simples que o que estou pressionando que você aceite tem um impacto direto na trama.

A separação dos recém-casados é um ponto vital na trama, é uma separação que não acontece por meio dos mecanismos arbitrários da história detetivesca, mas que se desenvolve como uma progressão orgânica de eventos implícita nas personagens, nas pessoas e não na narrativa. O clássico fracasso da mulher em reconhecer e simpatizar inteiramente com aquele senso do dever abstrato tão peculiar ao homem - uma sensação que não guarda nenhuma relação com a realidade pessoal de um casamento - é aqui intensificado pelo fato de que este é um casal em lua-de-mel, de que ela é americana e ele um mexicano. Sua separação, também, é o resultado direto de uma espécie de "incidente de fronteira" em que os interesses de seus dois países natais estão em conflito. Esta é uma história bastante boa. A relação sexual subjacente era, em minha opinião, apresentada com algum grau de verdade dramática quando desenvolvemo-la, justo neste ponto, nos termos da irritação de Susan e da exasperação de Vargas: aquela forma de contenda que tem início no meio da paixão.

A posterior reconciliação no carro tinha a intenção de ser um clímax para esta fase particular da história. Sem a devida preparação, ela não tem nenhum impacto como uma reconciliação mas é meramente uma outra cena. O protagonista e a protagonista acariciam-se e beijam-se; não há resolução ou desenvolvimento - apenas uma exibição vazia de carícias. Ora não há nenhum mérito intrínseco em interromper um relacionamento perfeitamente direto de uma lua-de-mel pela maquinação de uma trama detetivesca. Nesses termos, a garota deveria estar presente em nosso filme simplesmente para prover "interesse feminino" em sua forma mais mal-ajambrada e ordinária. Mas se você está certo de que prefere que o relacionamento garoto-garota desenvolva-se dentro das linhas rotineiras e descomplicadas da intimidade do marido e do fervor da esposa, então as ações posteriores de Susan no quarto e a maneira como ela sai violentamente do hotel são totalmente desmotivadas.

Minha promessa de evitar o ataque direto a qualquer das outras cenas adicionadas me dará, espero, o direito de esperar que você, por sua parte, estará disposto a re-examinar esta seqüência à luz das objeções que apresentei. Reduzir os ângulos peculiares e pontos extremos deste relacionamento inicial entre Susan e Vargas elimina qualquer coisa que possa ser interessante sobre o casal. Nestes estágios iniciais, indiferente de qualquer questão de gosto individual, estou convencido de que uma história (minha) ou a outra (sua) deveria ser contada. A tentativa de combiná-las anula a lógica de ambas.

Posso compreender bem seus sentimentos de propriedade em relação a esta sua nova cena. De minha parte, olhei para o resto do filme (e para a versão montada que eu estava tão próximo de terminar em julho último) com exatamente os mesmos sentimentos de ciúme e posse. O orgulho pelo próprio trabalho é compelido a se fortalecer pelas circunstâncias especiais em que este trabalho foi conduzido. Que me tenha sido negado até o direito de consulta com você é um fato duro que insinua fortemente que, de todas as pessoas, devo ser a menos bem-vinda enquanto crítica. Apesar disso - e em respeito a um filme que você agora descreve como "excepcionalmente divertido" - devo pedir que você abra sua mente por um momento para esta opinião do homem que, afinal, fez o filme.

Meu esforço foi de manter cuidado escrupuloso de que este memorando evitasse aquelas denúncias vastas e impetuosas de seu novo material, às quais minha própria posição instiga-me, natural e desagradavelmente. Neste caso estou transmitindo a você uma reação baseada - não em minhas convicções a respeito do que meu filme deve ser - mas apenas naquilo que aqui me causa a impressão de ser significativamente errado em seu filme. Ele é suficientemente seu por agora para que eu seja capaz de julgá-lo no que suponho serem seus termos, e de trazer a este julgamento - (depois de tanto tempo afastado do filme em qualquer forma) - um certo frescor de olhar.

Onde a história segue uma nova linha, você deve certificar-se que os resquícios e vestígios da velha orientação não permaneçam em conflito tão óbvio com seu material adicionado.

Peço que você por favor acredite que cada pequena crítica do novo material que transmito a você é feita em reconhecimento e total aceitação do fato de que a forma final e a ênfase do filme serão inteiramente suas. Quero que o filme seja tão eficiente quanto possível - e agora, é claro, isto significa eficiente em seus termos. Só que mesmo nestes termos, entretanto, há alguns elementos contraditórios que atrevo-me a pedir que você leve em consideração; igualmente para algum ocasional lapso na continuidade e uma ou duas remoções erradas. Destes escolhi muito poucos para este memorando - são mudanças que suponho serem indicadas por sua nova versão e não pela minha, antiga - mudanças que são suficientemente simples e, sobretudo, fáceis o bastante para dar-me a esperança de que não serão desprezadas.

Fiquei contente de ver que a breve cena entre Susan e Vargas na escada do hotel foi restaurada. O ponto de corte de Grandi, entretanto, parece agora um erro: o corte tem lugar no meio de alguma palavra da frase "...metade de vocês está muito molhado atrás das orelhas". Tenho certeza de que isto pode ser facilmente suavizado.

Checando o primeiro esboço destas notas, percebo que a questão que eu queria colocar para você a respeito da nova cena no carro entre Vargas e Susan pode, possivelmente, em sua maneira simples, causar uma impressão de sarcasmo. A questão é esta: você tenciona que deduzamos que o carro de Quinlan encontra o de Vargas por pura coincidência? Garanto a você que não há qualquer intenção de sarcasmo! Eu realmente gostaria de saber se este encontro tenciona ser acidental. Tal como está agora, Vargas pára seu carro aparentemente porque Susan subitamente quer fazer amor, ou pelo menos em deferência a um clima amoroso, ou talvez como uma indicação de própria reação ansiosa de Vargas a este clima... Ora isto levanta um ponto incidental: se o propósito aqui é aumentar o interesse sexual, por que não terminar a cena no beijo, com o carro de polícia interrompendo o abraço (como está na versão original)? Se continuarmos com o negócio dos carinhos, até o efeito que ela descobre que pode dormir para sempre no ombro do marido (e incluindo a fala de Susan), - certamente a sensualidade é banida em favor da soneca. Isto nos leva de volta à questão realmente importante do porquê Vargas parou antes de tudo. Nada em sua atitude demonstra a menor indicação de que esta é uma parte da estrada favorável a seu encontro com Quinlan. Pelo contrário, todo o negócio dos carros pararem sugere agora uma decisão repentina. Eu honestamente não sei se foi esta a intenção; certamente não há nada a ser dito contra. Pode até, de fato, ser mais simpática que a versão anterior, mas então nos confrontamos com o problema do carro de polícia chegando, por assim dizer, do nada. Se nenhum encontro foi marcado, este parece ser um canto do deserto bem fora-de-mão para um encontro casual dos dois carros. Talvez possamos supor que eles consentiram, de um modo geral, em encontrar-se em algum lugar desta estrada em particular. Se é assim, por que não adicionar alguma fala de Vargas (enquanto ele está de costas assistindo à chegada do carro de polícia) que poderia deixar isto claro?

Duas outras notas sobre esta seqüência valem ser recomendadas senão apenas porque elas são simples e fáceis de ser arranjadas facilmente. Destas, a mais importante diz respeito a uma nova tomada envolvendo o carro de polícia e, (penso), o motorista de Grandi. Tanto a própria tomada quanto sua localização têm um efeito perturbador: não se sabe o que está acontecendo. Talvez a culpa deva-se à eliminação das tomadas anteriores que apresentam Grandi seguindo o carro de Vargas; eu não sei, e tendo assistido a apenas uma sessão, não tenho qualquer comentário construtivo ou significativo. A impressão, porém, foi definitivamente de confusão.

Você deve ter tido boas razões para cortar a passagem em que a operação de perseguição de Grandi era esclarecida para a platéia, mas, após considerável reflexão, continuo incapaz de arriscar qualquer tipo de palpite sobre quais seriam essas razões. Pelo ângulo fechado no gravador, o plano introduzia um padrão sonoro bastante interessante de notícias a serem ouvidas nos rádios dos dois carros e nos dois idiomas. Quando Vargas trocasse de estação, era para ter uma fantasiosa e antiquada valsa mexicana tomando o lugar do palavrório agitado do locutor, e assim sublinhar nossa breve cena de amor com uma pitada sentimental, sutilmente associada à "cor local" e, em termos realísticos, perfeitamente justificada. Esse padrão seria bruscamente interrompido pela sirene agressiva do carro de Quinlan, e então – após a partida de Vargas naquele carro – a cantiga suavemente pitoresca acalmaria o sono plácido de Susan enquanto Menzies saía dirigindo com ela.

Essa música ainda teria sido útil em relação ao serviço de despertador no motel, e tudo seria parte de uma bem trabalhada e mais intrigante seqüência em que sirenes, explosões de dinamite e várias vozes do rádio (incluindo os flashes de notícia no carro de polícia) cumpririam seus diferentes papéis.

Tal como isso se apresenta, a montagem aniquila a potencialidade desse padrão sonoro em torno do qual, a propósito, todas essas cenas estritamente relacionadas entre si foram originalmente projetadas e fotografadas. O que deveria ser uma tour de force, na quiçá tristemente menosprezada dimensão da trilha sonora, não consegue agora ser nada mais interessante que uma sucessão de pontos-de-virada caretas, todas bastante necessárias para nossa estória, mas sem nenhum valor especial em si mesmas.

A excisão daqueles planos de grua bastante coloridos que mostram os carros de Grandi e Vargas é uma lamentação menor, mas não posso abandonar essa seqüência sem registrar suspeitas de que esse corte não efetua quase nada em termos de ritmo. Fixar as torres de petróleo (país um tanto surpreendente, no qual nossas cenas finais são rodadas) foi de alguma importância também. A platéia, acredito eu, deveria estar preparada para aquelas torres. Isso ainda era um elemento de um padrão cuidadosamente construído – nesse caso, um padrão visual.

(Pode ter certeza de que tenho fortes opiniões sobre a qualidade de todos os novos diálogos, da textura da fotografia e da direção e das atuações nas novas cenas, porém, como eu já disse, o propósito deste memorando não é discutir cada mudança que acho que deveria ser feita na versão final, mas unicamente trazer à tona essas poucas questões que julgo serem intrínsecas à composição do filme tal como ele existe agora, e para as quais espero que esteja pronto para dar alguns momentos de sua receptiva atenção.)

Fiz uma anotação (quase criptografia, já que foi escrito na sala escura de projeção): "o novo corte da fala de Menzies é confuso".

Infelizmente, não consigo lembrar que corte era. A fala, evidentemente, é proferida por Menzies a Susan no carro. (A cena foi retomada, por alguma razão que desconheço, em frente a uma tela de processamento). Essa edição incisiva do diálogo passa uma impressão fútil e não prazerosa, e pareceria melhor cortar inteiramente essa cena no carro em movimento do que intervir nela desse modo abrupto. Talvez houvesse a sensação de que Susan deveria ser mostrada pondo a si mesma para dormir. Mas seu estado de sonolência tinha-se feito perfeitamente óbvio antes disso, e não haveria nada de confuso em achá-la, após uma fusão, já adormecida. Estou perplexo ao ver que outro ponto pode-se esperar de sua cena com Menzies – pelo menos nessa forma truncada de agora. Pessoalmente, gostei da fala de Menzies sobre seu chefe como se Quilan fosse um tipo de super-homem, e eu estava ainda entusiasmado com o trabalho das edições do jornal; mas se você não gostou, certamente não assimilará um argumento meu. Esse é um daqueles casos nítidos em que o gosto de alguém e o julgamento pessoal devem ser responsáveis pela decisão, e, é claro, o julgamento final é seu.

Não há necessidade de repetir meus argumentos – (entregues com alguma demora no meu primeiro memorando no verão passado) – contra o re-arranjo de cenas na seqüência seguinte à partida de Susan com Menzies. Mais que tudo, estou convencido de que a melhor ordem é a ordem original. A mudança em relação à continuidade é particularmente equivocada do ponto de vista da simples clareza do enredo.

O nome "Farnum" é usado de maneira tão esparsa, e a cena com a equipe de construção é tão breve, que a não ser que seja seguida imediatamente pela cena no apartamento de Sanchez, há toda probabilidade de que a completa referência a Farnum e seu dinamite vá apenas confundir a platéia. Essa referência, que é tão vital para a linha do enredo, é entulhada bem no meio de uma cena extremamente elaborada e "ocupada", na qual a habilidade da platéia de seguir tudo que está sendo dito é forçada à margem extrema de segurança. Apenas a justaposição direta dessas duas cenas nos dá alguma esperança de não "perdê-las" logo aqui.

A chegada de Susan ao motel é menos confusa, e efetivamente funciona muito mais se vier logo depois dela se separar de Vargas. Noto que alguém tentou localizar pelo menos um dos planos cobrindo o encontro de Menzies com Grandi. Isso certamente esclarece a situação de Grandi perseguindo o carro de Menzies. O uso de trechos casuais do diálogo da cena subseqüente funciona muito bem. Tenho a impressão, contudo, de que o truque foi de alguma forma superexplorado. Não é preciso tanto desse diálogo, penso eu, e é certamente importante não repetir as mesmas falas da mesma tomada, imediatamente depois e no mesmo "volume".

O lento e longo trajeto do carro de Vargas (dirigido por Menzies) de onde ele primeiro estava estacionado até o motel realmente deveria ser eliminado. Parece interminável e não há interesse convincente em assistir a isso. Tenho a impressão de que uma fusão ou corte para o plano bastante fechado de Susan dormindo com a cena da voz over de Menzies "acorde, Sra. Vargas, acorde..." deveria nos levar diretamente à primeira cena no motel (entre Susan, Menzies e Grandi). É verdade que os carros estão estacionados ao lodo da rua, mas até então essa geografia é desconhecida pela platéia, e não há nada sequer para indicar (no plano muito tumultuado que você agora usa para a prisão de Grandi) que o prédio do motel está simplesmente fora de cena. Usando o plano fechado de Susan acordando, talvez possamos eliminar a partida do carro e aquele longo, monótono percurso na estrada. Essa é uma sugestão e nada mais, uma vez que obviamente não há um jeito de ter certeza quanto à sua eficiência sem experimentá-la na prática. Você vai concordar que essa parte, na sua forma presente, não é meramente enfadonha e arrastada, mas tão chata que todo o interesse da estória é gravemente comprometido. No receio de que o negócio da prisão de Grandi pudesse não ser compreensível, penso que navegamos muito longe para mostrá-lo, e com repetidas explicações. De fato, todo esse negócio está tão abertamente explícito que acaba tendo o infeliz efeito de arruinar em comédia a cena seguinte: não mais estamos impressionados com esses dois, mas apenas fartos do que gritam um ao outro.

O caso de Grandi seguindo Menzies me impele a inquirir por que você cortou todos os planos do acossamento de Grandi; ele se escondendo quando Vargas e Susan param na estrada; ele se abaixando do carro da polícia; e sua contínua perseguição ao carro de Vargas. Se minha versão pareceu errada, há material certamente o suficiente para outra montagem em que a clareza desse ponto-de-virada pudesse ser ainda mais sublinhada em termos visuais. Isso tornaria possível a eliminação de parte daquela trilha sonora irritante e repetitiva na estrada perto do motel.

Na cena de Susan com Weaver, há um corte muito curioso que elimina o movimento dele indo da janela rumo à porta. Isso é acompanhado por um extremo prolongamento do close-up de Susan, enquanto Weaver é ouvido em uma contínua, desnorteante e verborrágica cena em off. O close-up não é de forma alguma um dos melhores da Srta. Leigh, mas mesmo se a câmera a adulasse mais do que o faz nesse plano, sua reação, que é uma reação letárgica, não poderia, por sua própria natureza, ser interessante o bastante para sustentar um close-up tão extenso. Mais importante que isso é o fato de que o que foi extirpado da performance de Weaver é um material espantosamente bom em si mesmo. Além do mais, ele prepara e alicerça a extrema excentricidade de seu comportamento junto à porta. A menos que nós o vejamos gaguejando (como ele faz tão magnificamente) sobre sua posição como o homem da noite, a menos que acompanhemos seu trajeto assustado, neurótico, sinuoso, que vai do canto em que ele primeiro se posiciona até a porta pela qual quer fugir, seu repentino comportamento selvagem deve nos atingir com um certo choque, como tendo sido totalmente arbitrário. Essa cena é balanceada num ponto perigosamente delicado: a platéia simplesmente tem de ter tempo suficiente para –por assim dizer – digerir a personagem de Weaver. Se a platéia ainda estiver ligeiramente investida no processo, ele parecerá ser puramente pretensioso. Em vez de se desenvolver como um estranhamente agradável e divertido tipo de palhaço, ele irá emergir como um suíno exasperador. O simples fato é que "interditar" ou "estreitar" qualquer cena do Weaver não auxilia no ritmo, apenas resulta num efeito ruidoso, desconjuntado, o que definitivamente não é ritmo, mas pura confusão. Aqui a questão do ritmo é absolutamente central. Cada cena com Weaver foi tão plenamente ensaiada, tão penosamente construída em termos do que só posso descrever como "padrão-sonoro" que um simples retalho da tesoura deverá trazer ao chão toda a estrutura, desfeita em escombros barulhentos.

Na cena na loja da mulher cega, é com tristeza que noto que o plano de Vargas ao telefone foi ampliado de tal maneira que elimina a mulher no primeiro plano. Ela não estava ali por acaso. A presença dela encabula Vargas e inibe sua conversa com Susan ao telefone. Isso propicia uma curiosa marca de leve tensão que será desperdiçada. Susan no estranho motel falando num misto de sensualidade e sonolência com seu marido que está na ainda mais estranha loja; seu desconforto pela figura quieta e peculiarmente atenta da mulher cega – esses eram elementos de um pequeno plano cuja composição foi assaz cuidadosa. É uma pena, ao que me parece, desfigurá-lo simplesmente porque alguém se tocou de que a mulher que estava lá em primeiro plano era bastante peculiar. Era mesmo para ser peculiar. Se o diálogo entre Susan e Mike fosse mais significante, se pontos-de-virada cruciais estivessem sendo estabelecidos ali, então, evidentemente, a mulher cega decerto seria uma forma equivocada de distração. À maneira que aparece, ela empresta uma dimensão especial à cena que, frente a isso, não faz a estória propriamente avançar e deve ser perfeitamente rotineira.

O novo close-up de Vargas no apartamento de Sanchez é provavelmente algo que não posso persuadi-lo a eliminar, mas, de qualquer modo, quebro minha promessa de evitar causas perdidas nesse memorando tão-somente para fazer uma pergunta: se Vargas está de tamanha "marcação" com Grandi – se ele vai tão longe a ponto de declarar ameaçadoramente que estava ansioso para encontrá-lo e para iniciar (numa fala quebrada) um assunto sobre o tratamento de Grandi à sua esposa – por que ele não continua?

Ao escrever essa cena, tive muito cuidado em evitar uma confrontação dramática entre Vargas e Grandi, e em organizar as coisas de modo que Vargas nunca se focasse nele de fato. Pareceu importante para mim que essa concentração deveria permanecer em Sanchez porque, uma vez que ele realmente parasse de pensar sobre Grandi, e o amarrasse com Susan, não poderia haver uma desculpa moral para ele evitar continuar o assunto e levar Grandi à tarefa impetuosamente.

Para a cena entre Vargas e Schwartz no carro de corrida, tive certo pesar em fazer inserts do rádio do carro. Normalmente, é claro, inserts não são responsabilidade do diretor, mas encarei esses como sendo tão importantes que os fiz eu mesmo. Eles deveriam aparecer no início e no final da cena. O efeito que eu tinha em mente nunca foi visto ou ouvido e, por conseguinte, não pôde ser julgado. A cena era para começar no rádio do carro com o locutor resumindo o enredo na forma de um fragmento de um agitado boletim de notícias. A mão de Vargas muda dessa voz para música – a música sendo uma marchinha mexicana bastante alegre e extremamente rápida. Cortamos então para o plano de Schwartz e Vargas, que fazem a cena com o acompanhamento dessa vívida "música de perseguição". Isso é particularmente importante porque mesmo a segunda dublagem da cena falhou em eliminar uma pungente qualidade mecânica da trilha sonora. O pano de fundo da "música de perseguição" ajudaria muito a consertar esse aspecto e ainda ofereceria um comentário estonteantemente irônico e divertido em si mesmo. O plano de encerramento da cena começa com um ângulo baixo dos dois no carro em que a mão de Vargas novamente procura o rádio. A idéia aqui era que a música fosse subitamente aumentada de volume. Então, quando a câmera sobe na grua, e o carro arranca violentamente para frente, haveria um interessante padrão reverso no som, com a "música de perseguição" diminuindo abruptamente enquanto o carro ganha velozmente a distância.

O plano do espelho com a Srta. McCambridge e a garota Grandi loira (terminando com a fala "... a diversão está apenas começando") é tão situado na continuidade que acaba não fazendo sentido. O efeito é como se essas duas figuras tivessem de repente encontrado seu caminho no quarto de Susan. A menos que seja concertada, essa breve cena pode certamente ser cortada.

Tenho prazer em anunciar minha aprovação entusiástica da nova cena entre Schwartz e Vargas. É um belo conluio fotográfico, o próprio corte flui suavemente e as novas falas fazem uma contribuição definitiva para a clareza da estória.

Um ponto menor: por que o movimento de câmera que vai do Sr. Collins em direção ao carro de Vargas se movendo rapidamente foi retirado? Por ser confuso? Era um belo plano e eu tinha achado que a parte da saída de Vargas e Schwartz era auxiliada por ele. De qualquer maneira, sem a movimentação da câmera em direção ao carro o ângulo de Adair não casa bem com os dois planos de Quinlan e Gould. Se o carro não pode ser recuperado, que tal deixar de fora esse close-up?

O arranjo atual das cenas no motel – as cenas formando um crescendo para o ataque a Susan – totaliza uma seqüência que tem sua própria e simples progressão melodramática, mas que, no fundo, é quase um substituto capenga da intenção original.

Ao misturar toda a passagem em que vários membros da gangue entram no quarto de Susan, o efeito cumulativo não é tão realmente assustador; ele até corre algum risco de cair no ridículo. O pequeno número de marginais atravessando um atrás do outro por aquela porta e rodeando a cama é justo o tipo de coisa que pode facilmente arrancar uma risada maldosa.

Abolir o entrecorte para o escritório do motel é particularmente lamentável. Esse é um caso onde toda a seqüência de efeitos dependeu do uso da música. O filme para isso fora estritamente rodado dentro do mais preciso padrão envolvendo arranjos bastante especiais de som e silêncio. O crescendo de suspense tinha de depender mais da trilha sonora que das imagens. A decisão de dispor aquelas imagens em uma nova e muito mais óbvia ordem nunca deveria ter sido tomada, a não ser que o esquema básico fosse ignorado.

Nos simples termos dos mecanismos familiares de suspense, entrecortar para Weaver (que, afinal de contas, era a única esperança de Susan) foi um artifício de mérito óbvio. Sua súbita interrupção da música e a reação a isso no quarto de Susan foram importantes numa seqüência que incluía muitos começos e pausas inusitados; sobressaltos súbitos; silêncios; – tudo isso alternando com o rugido do rock ‘n’ roll. Isso foi (ou teria sido) duas vezes mais excitante que a versão atual – para colocar bem conservadoramente.

A cena fora concebida musicalmente e dependia mais do que tudo da etapa de sincopar. Tal etapa foi inteiramente removida e ficamos à mercê de um rápido salto adiante.

Por justiça ao filme, clamo para que à cena verdadeira seja dada uma chance justa de testar a si mesma na forma em que foi fotografada e planejada. O interminável desfile de delinqüentes ao redor da cama é um verdadeiro convite ao escárnio da platéia, e na melhor das hipóteses o atual encaixe apresenta apenas o esqueleto de um evento.

No Hall of Records um plano fechado de Menzies olhando para cima, da mesa onde se encontra, foi devolvido à cena. Eu tinha cortado por causa de um mau uso da lente grande-angular que distorce o rosto de Menzies tão grotescamente que traz a cena para um ponto morto. Não há realmente motivo para aborrecer a platéia dessa forma. A cena funcionou legal sem esse estranho close-up.

A segunda cena no Hall of Records não deveria ser seguida por Menzies chamando Marlene. Essa distorção violenta da continuidade é um desastre. O fim dessa cena foi cuidadosamente fotografado para fazer o mais efetivo uso da fusão no escritório do motel onde Weaver canta sozinho de forma caprichosa, e ouvimos a chegada do carro de Vargas se dando fora da tela. Um plano de conjunto do motel seria necessário a menos que a ação seguisse a linha clara e simples de Vargas deixando o Hall of Records e indo diretamente encontrar sua esposa. Com efeito, devemos ficar com Vargas porque sua saída do Hall of Records acompanha a questão da culpa de Quinlan. Se deixarmos Vargas para outra cena é lógico aceitar que quando o apanharmos novamente ele estará perseguindo o negócio suspeito de Quinlan. Sua investida no escritório escuro não sugerirá de pronto Susan, e à hora em que percebermos o que ele está falando para a figura sombria de Weaver o estrago pela confusão momentânea já terá sido feito. Isso tudo será mais verdadeiro se o corte que sai de Vargas nos mostrar Menzies telefonando para Marlene. Não estou aqui falando de uma desconexão realmente drástica, apenas de uma série branda de curtos circuitos na lógica da progressão visual. Em si mesmos, esses curtos circuitos são virtualmente imperceptíveis, seu efeito geral é vagamente entorpecente, não há deslocação real, mas antes uma insensível perda de tensão.

Menzies deixado no Hall of Records, deixado estático... uma figura trágica, quase imóvel. Fazer uma fusão dessa espécie de pintura para Marlene, e descobrir que Menzies está ocupado telefonando para ela, é perturbador. Não fatalmente errado, mas definitivamente fora de engrenagem. A fusão não abandona Menzies com olhar de quem está prestes a fazer alguma coisa. O movimento é de Vargas, e Vargas é o homem que sentimos vontade de seguir.

Não posso considerar isso tão facilmente: ou deixe a breve cena com Marlene onde se pretendia que ela ficasse, ou a jogue fora. Outra alternativa é achar outro lugar para a mesma. Em todo caso ela não deve suceder o Hall of Records.

Os cortes do diálogo na cena no escritório do motel podem encurtar o tempo do filme, mas nada é efetuado em termos de ritmo. Há, na verdade, uma grave perda de suspense. A performance de Weaver evoluindo para o lance com o registro do hotel é uma das coisas mais perfeitamente brilhantes de sua categoria que já tive o privilégio de ter em um filme. Teria de haver alguma vantagem muito grande para o andamento de toda a seqüência para justificar o descarte da maior parte de uma cena como aquela. Tamanha vantagem não existe. O crescendo em torno da festa agora faz pouco ou nenhum sentido e a progressiva apreensão de Vargas (e nossa) é subaproveitada. Aqui estava uma atmosfera de suspense adoravelmente desenvolvida; e o suspense realmente funcionava, também. Deus sabe que esse momento pedia isso. Cortar a serviço da plena agilidade é retirar a tensão da situação, ferir a história justamente onde ela fere mais: no momento da evolução.

Eis o que era o plano original:

Menzies se encontra praticamente paralisado de susto enquanto Vargas sai do Hall of Records e ocorre a fusão (a partir do rosto abalado de Menzies) para a figura desprotegida do "homem da noite" no motel. O carro de Vargas pára e ele aparece. Onde está sua esposa?... Onde, de fato?... Nossos medos voam diante dele enquanto ele tenta se comunicar com Weaver. A mudança é sofrível: numa espécie de sentido fantasmagórica, até um pouco louca. Vagarosamente o próprio Vargas começa a perceber que esse homem com quem fala está louco, ou algo muito próximo a isso... Sem hesitação – sem estranheza, lapsos de ansiedade – o indício de alguma enormidade inominável cresce como fumaça no cômodo escuro... Como diria a garotada, essa é uma cena que realmente "já era"... O "homem da noite" está "longe, longe dali"... Consciente como nunca da necessidade de cuidadosa amabilidade nesse país estrangeiro, Vargas insiste com suas questões... Subitamente, como que saindo das trevas, a referência a algum tipo de "festa" cai como uma rocha pesada.

A cena foi filmada dessa forma. Como está agora, Vargas aparece, pergunta por sua esposa, recebe uma resposta titubeante e então, abruptamente, sem nenhum sentimento ou clima, nos deparamos com aquela palavra "Festa". O corte para fora dali vem muito rápido – não temos tempo de abandonar nossas dúvidas sobre o que aconteceu para Susan virar ou assumir formas estranhas, distorcidas. Agora, antes de sabermos disso, Weaver e Vargas estão se apressando para o quarto.

Devo reconhecer que as falas ausentes de Weaver no quarto de Susan são devidas à condição de improviso da trilha sonora. Seria o maior dos erros cortar as referências ao cheiro de raízes. Não há material para censura aqui, uma vez que não foi realmente usada marijuana. Weaver está se insinuando pelo quarto como uma espécie de pássaro noturno, lançando-se a janelas abertas, e simplesmente não há razão para esse comportamento a não ser que ele esteja tentando pegar ar fresco. Seu diálogo deve ser retido. Isso acidentalmente opera em contraponto à procura de Vargas por seu revólver, do que algo também parece estar faltando. Esse costumava ser um momento mais eficiente e agora é quase vazio. Não há necessidade disso permanecer assim.

Parece haver uma diferente escolha de ângulos agora usados na última cena entre Vargas e Weaver. Pergunto-me se isso é para fornecer o melhor de Sr. Heston? (Sugiro que você consulte o Sr. Heston sobre esse ponto!) Talvez haja um corte no diálogo que causou isso. De qualquer forma, essa breve cena perdeu uma grande porção de vitalidade.

Eu gostaria de parabenizar seja quem for que montou a cena de estrada em que Vargas dirige pelo tráfego confuso, não consegue ouvir Susan e prossegue através da fronteira internacional. A montagem aqui não é apenas superior ao que era no estágio em que a deixei, mas realmente melhor que o efeito esperado por mim.

Na cena da luta, o trecho da multidão passando atrás de Vargas e pela porta está agora muito estendido. Não estou certo de que o entrecorte para o ângulo reverso na sala vizinha é indicado. Há várias maneiras de chegar a isso, mas é muito importante que Schwartz entre na cena um pouco mais rápido do que ele faz. De outro modo, haverá um péssimo momento em que Vargas será deixado muito obviamente sem nada além de ovos no seu rosto.

O plano extremamente estreito de Vargas com a fala "... assassinato..." foi agora podado ao ponto de ser meramente trivial e abrupto. Eu particularmente lamento cortar dessa cena para outra antes do efeito de sair de foco. Peço que essa poda seja reconsiderada, tendo em mente que o artifício do fora-de-foco corrobora a violenta transição para o interior da cadeia, e ao mesmo tempo, expressa o frenesi dos sentimentos de Vargas nesse momento, e sua virtual desintegração. Os enquadramentos foram cuidadosamente escolhidos para isso, porque as lentes em si tinham de ser removidas ao fim do efeito fora-de-foco, e naquele momento, é claro, a tela fica branca. Minha idéia era fazer uma fusão bem rápida durante a ação fora-de-foco para a escuridão da porta da cadeia, terminando a fusão com a porta se abrindo.

Gosto da idéia que levou ao uso extenso de close-ups de Menzies durante a cena entre Vargas e Susan na cela, mas há definitivamente close-ups demais. Não somente deveria ser cortado um deles, mas a transição entre o rosto de Menzies e a cama de Susan pode ser muito mais suavemente trabalhada.

O Sr. Heston relata que a edição da segunda parte de sua cena com Menzies (no pórtico em frente a Tanya’s) resultou apenas do fato de que o silêncio súbito onde o artifício da gravação é colocado como "playback" não foi compreendido. Espero que assim seja. A frase exata que era para ser posta na gravação escapa à minha memória, mas a observação de poucos momentos da ação precedente tornará isso perfeitamente claro. O truque da máquina ecoando suas palavras nessa parte é bom em si mesmo, mas o que é genuinamente valioso nessa cena é justamente a parte que agora está podada. A seqüência inteira é realmente uma preparação para a fala de Menzies "... tudo que sei aprendi dele..." (ou algo muito próximo disso) e então seu olhar para fora da cena, para a casa onde Quinlan está. O sentimento de Menzies pelo seu chefe e o amor por seu amigo nunca é mostrado tão bem em nenhuma outra parte do filme. Esse é o momento decisivo de Calleia na performance da personagem... e transmite muito mais do que tudo que Menzies põe em palavras.

Dois pequenos comentários sobre minhas cenas com Marlene: O insert das cartas sendo sujadas ao longo da mesa não corta para o outro material tão eficazmente, ou pelo menos tão suavemente quanto poderia ser. Eu sugiro que o insert venha somente quando eu posteriormente me inclinar (com uma parte, ou com toda a minha fala em over). Obviamente há outras alternativas, e talvez melhores soluções. Em segundo lugar, há um close-up de Marlene olhando rapidamente para cima que é necessário quando eu saio dali tropeçando.

Na "perseguição", o efeito estático no "besouro" que Vargas está carregando é muito mais estridente. Levo em conta que é apenas uma trilha temporária, contudo.

Novamente, o eco é um efeito muito extremo tal como foi usado agora. Na versão final ele deveria ser um sussurro muito simples – apenas o suficiente para atrair (só por um momento) a atenção de Quinlan.

Eu insisto para que os planos de Marlene se aproximando da ponte sejam mantidos. Há um flash dela passando pelo carro de Vargas que poderia ser facilmente usado, e sem sacrificar a tomada refeita da partida do carro. A chegada dela como uma figura delgada sobre a ponte com Quinlan imóvel no extremo primeiro plano é uma das melhores tomadas do filme, e certamente ajuda a manter clara alguma orientação e geografia que de outro modo podem ficar um tanto confusas.

Todo processo "interruptivo" nessa área está longe de ser improviso. Devemos admitir que essa parte da história é genuinamente interessante. Se não é, então deveria ser muito mais drasticamente cortada, e ao final do filme resolvida em termos bastante diferentes. Mas se estamos corretos em acreditar que esse aspecto da narrativa é capaz de sustentar interesse, então, obviamente, ele merece ser tratado com credibilidade, – ser desenvolvido plenamente e provido do pleno alcance de sua potencial eficácia.

Chego agora ao finalzinho do filme e, ao trazer o assunto seguinte, espero que seja notado que, até esse ponto, não ofereci nenhuma sugestão em todo o memorando que você possa supor como tendo sido calculada para melhorar, realçar, ou de alguma forma construir minha própria versão de Quinlan. Mesmo aqui, chamarei a atenção para uma problemática vantagem minha como ator. Todavia, isso de fato repercute muito diretamente na eficácia da cena final.

Como eu planejei, depois que Quinlan fosse filmado e Schwartz tivesse acionado o artifício da gravação, era para ter duas ou três falas muito significantes vindo através do pequeno relator: o eco acusador do Menzies já morto e, finalmente, o repetido choro desafinado de Quinlan "... culpado, culpado, culpado...".

Acredito, isso foi no processo de acumular uma versão prévia dessa cena final (agora abandonada) em que o filme terminava com a ida de Susan e Vargas, que esses cortes importantes entre o artifício da gravação e o rosto de Quinlan foram eliminados. Embora isso possa ter acontecido, os breves flashes foram descartados, e eu gostaria de insistir para que eles sejam repostos agora nos seus respectivos lugares no clímax de nossa história. Seria um triste erro estender tanto uma construção narrativa com uma "pegadinha" sem explorar o momento exato em direção ao qual estávamos nos movendo com aquela "pegadinha" todo aquele tempo. Aquela voz engraçada da condenação foi moldada para ser um comentário geral sobre a história em si. Não percamos isso, por favor.

Acidentalmente, nessa forma presente, o primeiro flash rápido do rosto de Quinlan nesse momento o traz olhando numa direção e depois quase que imediatamente na outra. A segunda direção é a correta e prepara para seu levantar da cadeira. Que eu me lembre, isso era um "flop-over". De qualquer maneira, isso certamente deveria ser concertado. Havia ainda um contra-plano de Quinlan durante o encontro entre Vargas e Schwartz na ponte. Não exatamente porque eu quero outro close-up, mas porque eu penso que o contra-plano realmente auxilia no ritmo e no movimento. Eu incito você a reaproveitá-lo.

Bem no final, eu fiz um arranjo particular de planos curtos evoluindo para o colapso de Quinlan na água do canal. Isso envolveu o encerramento do artifício da gravação, a retenção de Quinlan, seu cadáver caindo na água e outros planos movimentados agrupados num crescendo bastante rápido. Como deixei o material, essa breve montagem, ainda que não exatamente o que eu queria, estava bem próxima do correto. Eu honestamente acredito que foi – ou teria sido – uma das coisas mais admiráveis em que já estive envolvido.

Eu encerro este memorando com uma súplica bastante séria para que você consinta a esse breve padrão visual ao qual dispensei tantos e longos dias de trabalho.

Orson Welles

(Tradução de Fernando Veríssimo e Luiz Carlos Oliveira Jr.)