Uma
noite no castelo do vampiro

Querer ter feito um
filme implica em, antes de tudo, gostar muito do tal filme. E esse gostar
acontece de diversas maneiras que deixam transparecer a personalidade
do apreciador. A relação de gosto aponta uma identificação
por alguns dos aspectos da obra, e daí é fácil sua
exposição se transformar em vaidade. Algo como se mostrar
inteligente e sensível por ter entendido e apreciado determinada
evolução na montagem de um filme de vanguarda, ou então
ser visto como boa pessoa quando se elogia o posicionamento político
avançado de um outro, usando-o como vitrine de seus próprios
ideais.
Mas
relação com um filme pode ser ingênua. Geralmente
é o que acontece quando o cinema ainda é apenas uma diversão
e os filmes fascinam pelo que eles são na hora exata de sua exibição.
Se essa admiração se prolonga, sobrevivendo às mudanças
do espectador e, no caso do crítico, ao acúmulo de informações
de sua formação de cinéfilo, fica evidente que se
ama. E só a falta de lógica e coerência do ato de
amar podem explicar o que A Dança dos Vampiros significa
para mim.
Vi
o filme quando não sabia o que era Polanski. Muito menos me incomodava
a tela da televisão. Não tinha idéia do que era um
quadro de cinema. Mas gostava de vampiros e já era esperto o suficiente
para entender todas as piadas e tiradas que se espalham pela história.
Era uma criança de doze ou treze anos que apenas ficou embasbacada
com o clima de terror fajuto, sem relacioná-lo como homenagem ou
referência aos antigos filmes B ou produzidos pela Hammer. Fiquei
encantado com as caracterizações irretocáveis do
século XIX, o isolamento dos personagens no meio de toda neve em
pleno século do progresso científico. E nesse ponto o contraste
do professor caçador de vampiros, louco e rejeitado pela comunidade
acadêmica que via nele o contrário, o oposto da época.
Junto, seu ajudante de nariz grande e fino, assustadiço com sua
cara aparvalhada. Só mais tarde, quando fiquei sabendo o que é
Polanski, é que fui perceber que se tratava do próprio,
perfeito para o papel.
A
Dança dos Vampiros
é um filme completo onde quer que seja exibido. Mais tarde, já
começando a me interessar com mais seriedade pelo cinema, depois
de revê-lo com uma bagagem teórica mais abrangente, fui marcado
por impressões que nunca chegaram a invalidar as primeiras. Na
filmografia de Polanski A Dança... está longe de
ser sua obra-prima. Se a maldade, o sinistro e a organização
macabra prevalecem, isso não acontece sem antes nos presentear
com situações divertidas, emulando clichês do gênero
e trabalhando um pouco com o insólito. Essa diferença principal
para outros de seus filmes é o que criam o tom leve, deixando livre
a atenção do espectador para aproveitar a atmosfera de falso
medo e comédia. Resumindo, trata-se de um filme engraçado
acima de tudo.
Dá
para imaginar então Polanski, novinho, fazendo sua primeira grande
produção, sentindo que confiam nele para o trabalho, com
um roteiro bem amarrado em suas mão além de um elenco à
altura e Sharon Tate pra lá de linda. Minha cabeça de cinéfilo
e fã só consegue enxergar um diretor cheio de vontade, gozando
de prestígio e uma certa liberdade, criando algo inteligente com
uma marca pessoal com a mais nobre das finalidades do cinema que é
entreter.
O
filme, talvez de tão pessoal, foi modificado pelo produtor e lançado
em várias versões. A
Europa teve a sua, os Estados Unidos uma outra (The Fearless Vampire
Killers, Or Pardon Me But Your Teeth Are in my Neck). Não
sei qual nos coube, brasileiros do terceiro mundo. Só consegui
ver até agora uma versão da televisão e uma outra
em vídeo, suponho que completa, com o nome norte-americano. Nada
de cinema e tela grande. Mas é exatamente aí que está
a grandiosidade de A Dança... Polanski, de uma maneira ou
de outra, fez com que seu filme funcionasse. Retalhado, remontado, redublado
ou não, ele sempre deixa bem claro quais são as características
e os objetivos dessa obra. Intervenção ou censura não
conseguem deturpar o fascínio inicial que o filme desperta. Quem
assiste não pergunta pelo original. O original é o que se
tem na frente pois é ele que vai divertir com o hotel cheio de
alho, o vampiro judeu e as piadas ingênuas mas inteligentes. Polanski
pode ter errado feio com O Último Portal ou O Pianista,
mas na época de A Dança dos Vampiros parecia estar
em um caminho muito certo. Na verdade, antes de querer ter feito esse
filme eu queria mesmo é ser o cara que o dirigiu. Eu queria ser
Polanski em 1967.
João
Mors Cabral
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