Adeus, Dragon Inn,
de Tsai Ming-liang

Bu
san, Taiwan, 2003
Uma História
de Fantasmas ou Elegia do Olhar
Adeus, Dragon Inn
começa com alguém observando os créditos iniciais
de Dragon Inn, de King Hu, por trás de uma cortina. Ali
já temos indicado o caminho que este novo filme de Tsai-Ming-liang
irá seguir. Adeus, Dragon Inn é um filme sobre o
olhar, o olhar do espectador diante do filme, os olhares que os seres
humanos trocam entre si. A partir daí Tsai desenvolverá
um trabalho que reconfigura e recontextualiza diversas das suas preocupações
habituais.
Estamos na última
sessão de um velho cinema de centro (assombrado, segundo boatos)
por onde vagam alguns poucos espectadores que buscam um contato com um
outro. Ao mesmo tempo, dois atores do filme estão lá para
prestigiar a sessão e a bilheteira tenta em vão um romance
com o projecionista. Tudo isso enquanto Dragon Inn (que, assim
como o cinema, é um personagem central na trama) passa na tela.
Tsai de certa forma radicaliza sua proposta minimalista fazendo um filme
desprovido de diálogos onde a câmera se perde pelo cinema.
Ao mesmo tempo é um dos seus filmes mais cheio de "quase eventos".
As imagens que vemos
de Dragon Inn são sedutoras, mas é quase como se
ninguém as notasse. Tsai trata o filme com a maior reverência
e respeito possíveis (escutamos o som do filme com nitidez sempre
que estamos dentro da sala), mesmo assim as únicas pessoas para
quem estas imagens importam são os dois atores e o neto pequeno
de um deles. Para todos os demais, o cinema existe como espaço
para outras atividades, como se o Dragon Inn pouco importasse.
Não que seja
um filme que se posicione contra o espectador de cinema. Nada poderia
ser mais falso. Adeus Dragon Inn parece feito para espectadores
de cinema. Um filme com uma ressonância toda especial para quem
ama cinema. Tanto o estar naquela sala escura quanto ver aquelas imagens
em movimento. É um filme apaixonado pela busca do olhar, um filme
que tem sim um certo desencanto (e uma certa nostalgia), mas que não
deixa de investir nesta busca.
Tsai se dedica na
maior parte do tempo a filmar estes olhares. Olhares é bom que
se diga, por vezes incompletos. Os homossexuais em busca de parceiros
olhando timidamente uns para os outros, o espectador olhando a tela, a
bilheteira caçando o homem por quem ela esta apaixonada (e que
ela só consegue ver à distância no final). Se Adeus
Dragon Inn quase não tem falas (há apenas dois diálogos
no filme inteiro), é justamente porque este as dispensa, toda sua
comunicação (ou ausência dela) se resolve com estes
olhares.
Há uma tristeza
e amargura muito fortes presentes em Adeus, Dragon Inn, que vão
muito além da mera nostalgia pelo fechamento de um velho cinema.
Tsai parece se perguntar sobre quais olhares ainda nos são possíveis
e o que vemos a partir deles. São quase todos tímidos e
medrosos, mas também podem se revelar catárticos (o ator
chorando no clímax do filme). Neste cenário de olhares que
quase nunca se completam, não surpreende que acabemos por ter de
certa forma confirmado os boatos sobre o velho cinema ser assombrado.
Parecemos estar mesmo num local lotado de espectros, os visíveis
que se arrastam pelo cinema e os invisíveis que parecem ocupar
os espaços entre os primeiros. No final, resta o cinema vazio num
longo plano de grande impacto.
Filipe Furtado
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