Dez Minutos Mais Velho: o Trompete,
de Victor Erice, Spike Lee, Aki Kaurismaki, Wim Wenders, Werner Herzog, Jim Jarmusch e Chen Kaige


Ten minutes older: the trumpet, Inglaterra/Holanda/Espanha/EUA/China/Finlândia/Alemanha, 2002


Coletâneas de curtas são sempre um problema porque, por melhores que algumas das contribuições sejam, jamais escapam à irregularidade. A sensação final que costumam passar é de que não há muita razão destes curtas todos estarem reunidos num filme. Dez Minutos mais Velho: O Trumpete, uma coletânea construída a partir de um tema muito abstrato (o tempo), não escapa disso.

O que primeiro chama a atenção aqui é a forma como ele se apresenta a nós, com longos planos se deslizando sobre a assinatura dos diretores antes de cada episódio. O projeto Dez Minutos Mais Velho parece existir primordialmente a partir dos nomes que assinam seus curtas, como se o tempo fosse mera desculpa dos produtores para juntar um monte de diretores consagrados. O que amplifica a sensação de falta de relação entre os episódios, especialmente levando em conta que a maior parte destes nomes não justificam tanta pompa.

Chen Kaige, por exemplo, contribui com uma alegoria sentimental sobre a modernização da China, frágil e acadêmica (como, aliás, seus outros filmes), mas ao menos um tanto superior aos últimos que chegaram até nós. Já Jim Jamursch decepciona, seu filme tem o olhar atento para os pequenos detalhes, algumas das suas preocupações habituais, mas carece de inspiração (especialmente quando pensamos nos ótimos curtas da série Coffee & Cigarrettes).

Aki Kaurismaki, por sua vez, mais ou menos ignora a encomenda e aproveita para fazer uma versão em miniatura de um dos seus filmes. Todas as características típicas da sua obra estão lá: o estranhamento, a musica, o gosto pelo cinema mudo, os atores-fetiche. Seu curta se beneficia bastante do talento do diretor para trabalhar o ritmo. Os fãs do cineasta certamente ficarão satisfeitos, mas ao final fica a sensação de um trabalho talvez um tanto reiterativo demais.

No lado mais negativo, Win Wenders e Werner Herzog parecem decididos a nos provar que o cinema novo alemão morreu junto com Fassbinder. O curta de Wenders é tão nulo e tolo que nem merece muitos comentários. Já Herzog nos dá pelo segundo ano consecutivo uma das grandes bombas da Mostra. Um documentário sobre uma das últimas tribos indígenas da Amazônia a entrar em contato com o homem branco e os efeitos danosos do encontro vinte anos depois. Ao levar a premissa do projeto com tamanha literalidade, Herzog nos entrega um filme cuja mão pesada e obviedade, só perdem para o simplismo das conclusões (aparentemente Herzog acredita que o grande absurdo do contato é que ele retirou o lado guerreiro dos índios); e, pior ainda, as opções estéticas do cineasta ao apresentar o problema a nós. Ele se propõe a enobrecer os dois índios entrevistados, mas recusa como pode a lhes dar espaço, o que nós temos mais do que o que a imagem dos índios e o que eles dizem (que nunca nos é legendado), é uma onipresente voz off nos dizendo tudo aquilo que o cineasta quer que nós vejamos/sentimos/pensamos, como se a garantir que ninguém chegará a qualquer conclusão que não seja aquela que Herzog acredita. Cinema de tese no que ele tem de pior.

No lado positivo, Spike Lee e Victor Erice nos entregam dois belos momentos de cinema. Curiosamente são os filmes que mais (Erice) e menos (Lee) se aproximam da proposta do projeto. Lee faz um documentário sobre as eleições presidenciais americanas na Flórida. È um trabalho feito com raiva (o filme se chama We Whuz Robbed) onde se constrói um caleidoscópio de vozes irritadas e indignadas a gritar sobre os acontecimentos que garantiram a eleição de George W. Bush. Mais importante, ele consegue manter todo o controle sobre o trabalho dando a ele um ritmo verdadeiramente musical que segue num crescendo até o final onde um dos entrevistados diz "fomos fudidos", no tom cru e direto que marca todo o filme.

Já Erice nos leva a uma imersão sensorial sobre a vida cotidiana numa fazenda cubana. Filme de dissolução com a câmera do diretor se perdendo entre os meandros da vida da fazenda enquanto dois eventos mortais um maior (a guerra), outro menor apenas na aparência (a vida de um bebê) se desenvolvem. O filme se constrói através de um trabalho preciso com a duração dos planos e, mais importante, com grande força do olhar sobre esta vida que passa. Dez Minutos mais Velho: O Trumpete vale pela possibilidade de tornar mais acessíveis estes dois belos momentos de cinema.

Filipe Furtado