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Dez Minutos Mais Velho: O Cello, de Bernardo Bertolucci, Mike Figgis,
Jiri Menzel, Istvan Szábo, Claire Denis, Volker Schlondorff, Michael
Radford, Jean-Luc Godard

Ten
minutes older: the cello, Inglaterra/Alemanha/Espanha/França/Hungria/Rep.
Tcheca, 2002
Definitivamente os
planos que parecem resumir todo o esforço de Dez Minutos Mais
Velho são os fetichistas movimentos de table-top por sobre
as assinaturas brancas, com fundo preto, dos diretores que realizam cada
um destes filminhos de dez minutos. Falsas vinhetas que dão abertura
aos filmes dos realizadores em questão, verdadeiros testemunhos
da natureza do projeto: trabalhar o nome mais do que a matéria
do cinema, o produto que é "o autor" valendo mais do
que a soma das cenas, das seqüências e dos filmes realizados.
Assim, não é nada estranho que a seleção dos
diretores a participar deste Cello seja um bocado esquisita. De diretores
a quem dificilmente pode ser atribuída alguma autoralidade, ou
mesmo algum interesse artístico maior (Mike Figgis, Michael Radford)
até cineastas caducos há tanto tempo que nos perguntamos
hoje se mesmo no passado eles já fizeram algo de bom (Volker Schlöndorff,
Istvan Szabó), passando, é claro, por monumentos do cinema-de-autor
mais clichê possível (Bertolucci) até a defesa do
cinema "puro" (Godard, que também pode ser interpretado
a partir do clichê, nada impede).
O Cello vai
muito pouco além dessa observação. Não há
nada na maioria dos filmes que justifique algum interesse maior. Pelo
contrário, dá pra desqualificar a maioria das incursões
desses veteranos realizadores como excentricidades de senhores ou, em
chave mais impiedosa, como velhinhos passando vergonha. O que dizer do
inominável episódio de Istvan Szabó em que, seguidos
por uma steadycam contínua (mas não em plano seqüência
único), vemos dez minutos que separam uma mulher apaixonada pelo
marido de uma assassina por impulso? Ou do pretenso filme-piada realizado
pelo alemão Schlöndorff a partir do ponto de vista de um mosquito?
Da diatribe de Mike Figgis que aqui repete as quatro telas de Time
Code só para nos mostrar que a múltipla captação
dos pontos de vista não contribui um quinhão sequer ao que
está sendo contado? Da reflexão sobre ganhar ou perder tempo
de Bertolucci, cheia de sabedoria de botequim à reflexão
sobre a passagem o tempo na vida de astronautas do futuro cara a Michael
Radford?
Sobram, assim, apenas
três filmes dignos de comentário. O primeiro é o de
Claire Denis. Apropriando-se de uma imagem específica do cinema
militante francês dos anos 60, a conversa de Anne Wiazemsky com
Francis Jeanson em (1967) A Chinesa de Godard, Claire Denis coloca
o filósofo francês Jean-Luc Nancy para conversar com uma
atriz num trem acerca do significado de "estrangeiro" e de como
a aceitação total do estrangeiro arrisca jogar um olhar
homogeneizador que perigaria apagar qualquer traço de outra proveniência.
Excetuado o verniz e a logorréia de Nancy, que nem sempre funciona
(pedir ao estrangeiro que o surpreenda para depois dizer que já
aí surpreender seria impossível é joguinho lógico
bobo e chato demais), o filme serve como um testemunho político
importante no atual momento da luta anti-racismo francesa. Do outro episódio
francês do filme, Dans le Noir du Temps, de Jean-Luc Godard,
podemos dizer que o manejo do artesanato da palheta de cores do digital
ainda é capaz de produzir belezas que ainda não vimos, mas
tematicamente o filme tem muito pouco a dizer para quem está familiarizado
com um punhado de suas produções para o vídeo desde
Puissance de la Parole ou das primeiras Histoire(s).
Resta a pérola
de Jiri Menzel, sobre o envelhecimento do corpo do ator Rudolf Hrusinsky,
com trechos de diversos filmes tchecos em que Hrusinsky apareceu, desde
a adolescência à idade adulta (o motivo condutor do filme
é o princípio newtoniano da maçã caindo na
cabeça), passando no final por uma pungente imagem do ator, já
passados seus setenta anos, filmado por Menzel mesmo, olhando para a tela.
Doce no andamento e grave na maneira como filma a impiedosa passagem do
tempo, Menzel consegue fazer o único filme inesperado do conjunto
aqui presente, o único que entrega algo além do que se estaria
habituado a pedir. Não parece tanto, mas em se tratando dos filmes
que compõem essa unidade do dístico que é Tem Minutes
Older, a pequena peça de Jiri Menzel aparece como uma pequena obra-prima
que ilumina por si só a sessão toda.
Ruy Gardnier
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