Devdas, de Sanjay Leela Bhansali

Devdas, Índia, 2002

Ver Devdas no cinema tem significados diferentes dependendo do quanto se está familiarizado ou não com a lógica do cinema de Bollywood. Como eu o assisti sem jamais ter visto uma produção de lá na grade tela, o efeito inicial, que poderá se repetir em vários espectadores brasileiros, é o de um maravilhamento quase juvenil, de quem não possui sequer as ferramentas para se relacionar e compreender de todo este modelo de cinema. Um cinema que não só não tem a menor vergonha de levar os mais populares meios narrativos e dramatúrgicos ao seu ápice (em especial o melodrama), como, acima de tudo, possui um tratamento visual e estilístico incrivelmente diferenciado de todas as experiências do “bom cinema” mundial. Trata-se do mais autêntico exemplar do que se possa chamar de “espetáculo cinematográfico”, onde som e imagens adquirem uma dimensão quase surreal, independente mesmo de quaisquer considerações de ordem lógica ou narrativa. O que Devdas só faz levar a enésima potência, por ser uma das mais caras e maiores produções jamais feitas mesmo dentro do sistema “bollywoodiano”. A idéia de suntuosidade se mistura com a de criatividade e liberdade narrativa como em poucas coisas que se viu no cinema ocidental em qualquer momento.

A história de Devdas, em si, é uma boa e velha história de amor impossível por enfrentamentos de classes sociais (ou castas, no caso), uma das mais clássicas histórias da ficção indiana no geral, já tendo sido levada ao cinema mais três vezes, sendo a primeira delas em 1928. O que impressiona é quão longe o cineasta leva, tanto visualmente quanto no trabalho de atores, os percalços pelos quais os amantes separados devem passar: não se economizam lágrimas, imolações (físicas ou espirituais), maldades e planos. Sempre cercados por números musicais absolutamente delirantes, onde fotografia e direção de arte se unem à música de forma uniforme para criar uma sensação de maravilhamento constante nos sentidos do espectador. Trata-se, sem dúvida, de apostar na catarse e no jogo dos clímaxes (narrativos e estéticos) constantes, onde, aliás, alguns dos espectadores podem enfrentar certa exasutão: Devdas nunca economiza em nada, e assisti-lo pode, de fato, ser uma maratona. No entanto, para qualquer pessoa com um mínimo de curiosidade, a chance de ver um espetáculo como este nos cinemas, é, pelo menos hoje e no Brasil, única. Não se deve deixar passá-la, até para poder ter um pouco mais de referências em busca deste cinema que é dos poucos no mundo a fazer frente ao hollywoodiano no seu mercado interno. Entender este fenômeno é, desde já, um passo importante num olhar para o cinema mundial.

Eduardo Valente