Superman - O Filme
e Superman II,
de Richard Donner 
Superman: The Movie,
EUA, 1978 e Superman II, EUA, 1981
Superman é
um filme contra a história. Salvo recair (e pesar) sobre ele o
mérito de adaptação de uma história em quadrinhos
(reconhecida como uma história histórica), brota dele um
poder do que há de mais forte no cinema existente antes da consolidação
da era dos blockbusters. O cinema de aventura dos anos 70 era movido por
mitos, como se tudo, de uma guerra intergalática a uma aventura
nos sete mares tivesse que ser movido a mitologias, a narrações
de origem, a Hércules, Ulisses e Aquiles. Tudo tinha que ser uma
história da história. Por isso mesmo e pela maneira particular
como trabalha como esse desejo de mitologia, Superman se revela
como um filme importante. E é no estatuto de uma oposição
entre indivíduo e história que se dá sua mitopoiese.
Já no começo, opõe-se
a história e o indivíduo. Jor-El, aristocrata por dotação,
mas tecnocrata por vocação, dotado do conhecimento para
saber que seu planeta, Krypton, está com os dias contados, tem
que se sacrificar e a sua família por fidelidade à postura
coletiva do Conselho. Depois, ele proclamaria ao filho, com vigores de
voz de pai edípico: "Você está proibido de interferir
na história deste planeta", referindo-se à Terra. Mas
é justamente o que ele faz. Salva o filho e o envia a outro planeta,
interferindo nas histórias dos dois.
A história do menino Kal-El e do jovem
Clark Kent será narrada como uma história messiânica,
a da descoberta de poderes e, depois, de deveres. E mais uma vez nesta
história, indivíduo e história se digladiam. O momento
mais radical desta fase é a da morte do pai adotivo do rapaz. Mesmo
com todos os seus poderes superhumanos, ele não foi capaz de salva-lo
da morte por enfarto. A presença terrível da história
e sua pressão sobre o desejo do rapaz será o maior conflito
da saga.
Não é de surpreender que Clark
seja jornalista, a versão urgente do historiador. Parece que foi
melhor ir minar seu oponente por dentro. É do lugar de um observador
privilegiado da história moderna que ele pode se colocar como defensor
de uma ética muito particular, a do direito ao individual para
todos.
Menos para ele. O grande drama de Clark será
sua individualidade. Cindido em dois (na verdade, em três, uma vez
que é Kal-El, Clark e Superman), nunca terá uma vida privada,
perderá sempre para a história. E nisso sempre se farão
várias oposições para construir essa imagem. Mas,
claro, a oposição mais poderosa é a entre o interdito
do pai Jor-El e a morte iminente de Lois Lane. O momento derradeiro do
filme, exercício maior do cinema espetacular e sensorial de Richard
Donner, é a resolução maior da problemática
do homem Superman: ele faz a história voltar atrás para
que sua amada sobreviva. Interfere, mesmo, na história do planeta.
Pois a esta oposição deve se
somar outra, a do outro filme com o dedo de Donner na serie, Superman
II, creditado a Richard Lester, mas que teve boa parte do material
sugado do primeiro filme, de Donner. Quando Donner deixou o projeto, em
1980, ele já tinha boa parte de sua cara. Por isso, a colocação
forçada neste texto de um filme que, no limite, não é
de Donner. Mas é que nele mora o jogo mais poderoso da mitologia
introduzida pelo diretor. É que, se no primeiro filme (e no começo
do segundo) vence o indivíduo, no segundo mesmo, quem vence é
a história. Todo o jogo de indeterminação anunciado
em Superman - O filme se desconstrói em Superman
II. O herói abandona seus poderes pela amada, mas tem que voltar
atrás e afirmar que nunca mais abandonaria os humanos novamente.
Mas diante dessas duas oposições,
o mais importante mesmo seja a dimensão heróica de Superman,
trabalhada poderosamente no filme de Donner. Isso porque embora vença
a história e perca o indivído, não é por um
ideal não-individualista que isso se dá. Construído
como messias, como um predestinado salvador da Terra, ele possui uma característica
que o faz diferir da maioria dos heróis, no sentido grego: é
um herói conservador. Em suas entranhas de aço não
está a transformação do mundo e sim sua manutenção.
Clark, educado por dois velhinhos do interior, tornou-se um adepto da
ordem e da segurança. Não é de justiça, no
final das contas, que se trata, e sim, apenas, da boa paz.
É nesse estatuto que se coloca a luta
com a história de Superman. Ele está proibido de nela interferir.
Obediente, só ousa alterá-la quando sua mudança é
feita para manter. Filme poderoso como narração de origem,
Superman é sobretudo um filme poderoso como mitologia cultural.
O espírito da cultura americana (curiosamente nascida de uma revolução)
voa ao lado do homem de aço. Quase podemos escrever A ética
kryptoniana e o espírito do capitalismo a partir desses dois
filmes, sobretudo do primeiro.
Nesse sentido, ele é a quintessência
quase ritual do moderno, na verdade, de metade dele. A modernidade queria
transformar o mundo para que ele pudesse cessar de se transformar. Superman
quer que o mundo só se transforme no mesmo, o mundo para sempre,
o mundo que não se destrói, que não é Krypton.
Muitos podem ver na essência de toda mitologia de origem de Superman
a problemática do pai. Afinal, Kal-El perde seu pai, e perde seu
outro pai, e vive uma relação de autoridade com o primeiro,
e de impotência de salvar ambos. Ao primeiro ele é ligado
pela memória física em que sua fortaleza de gelo se torna.
Ao segundo, ele é ligado pela própria história da
terra, o próprio princípio de conservação
da quantidade de movimento que é sua máxima.
Contra a história, ele se faz como
mito, como um Ulisses e um Hércules, como um Aquiles. Mas desconstrói
todos eles em sua própria origem, para erigir-se como o defensor
máximo de um modelo de tempo do para sempre. O único fiapo
de transformação em sua vida é Lois Lane. A pequena
morte que a moça lhe oferece é o presente que ele não
pode ter e a vida que ele não pode trilhar. Seria transformador
demais. O mundo não pode mudar, Superman, pelo menos naquele momento,
não podia morrer.
Alexandre Werneck
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