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Enviamos a alguns cineastas que só realizaram e lançaram comercialmente um primeiro longa metragem pós-95 (o qual tenha conseguido algum destaque, seja em público, festivais ou em discussões críticas) o pequeno questionário abaixo, tentando justamente discutir as dificuldades do longa de estréia e, acima de tudo, da continuidade de carreira. Infelizmente, três dos que escolhemos estavam com excesso de trabalho e não puderam responder, mas acreditamos que os três abaixo, pela variedade das experiências e depoimentos, servem de um primeiro estímulo a reflexão sobre este "cinema de estreantes". 1) Como você descreveria/analisaria a experiência do seu primeiro filme? (incluindo aí o processo que vai da idéia ao filme pronto, em termos artísticos, e também em termos práticos entre a criação e a viabilização financeira do projeto e posterior realização e lançamento) 2) Em pouco mais de 7 anos desde o início da retomada, mais de 100 diretores estrearam em longa metragem no Brasil, o que é um número bastante significativo. Por outro lado, muitos menos conseguiram realizar o segundo longa. Como você vê as possibilidades de manutenção de uma carreira em cinema? 3) Você está trabalhando em algum projeto atualmente? O que tem feito nos últimos anos?
Flávio Cândido, diretor de A Terceira Morte de Joaquim Bolívar 1) Sobre a minha experiência com A Terceira Morte de Joaquim Bolívar: Foi a mais totalizadora possível. Sendo uma obra pessoal e instransferível, participei de todo o processo, inclusive do lançamento (tipo filme na mala do carro). Valeu como um curso de pós-graduação. A idéia do filme surgiu primeiramente em 1985. Era inicialmente um média, que deixei pra lá por conta dos tristemente famosos processos e concursos da Embrafilme. Em 1994,depois de passar 5 anos metido em um programa de TV local e fazendo crítica de cinema diária, resolvi voltar à carga para produzir e realizar o meu filme de longa-metragem (afinal, fazia Engenharia Civil em Juiz de Fora e larguei tudo por causa deste sonho pequeno-burguês). Já havia tentado realizar três projetos de longa, sendo um sobre a 2ªGuerra, um outro era uma adaptação de "A Morte de DJ em Paris" (do Roberto Drummond) e uma terceira tentativa, um filme muito pessoal chamado "O Revisionista e o Fora-da-Lei". Minha tendência era O Revisionista, um filme de vôo mais tranqüilo, mas numa conversa na varanda da casa do Sérgio Santeiro, em Charitas, me convenci que deveria tentar ser o mais ousado possível. Afinal, seria o meu primeiro filme e no primeiro filme você pode tudo! De maio a dezembro de 1994 eu escrevi o roteiro do longa e em dezembro daquele ano dei entrada nas Leis de Incentivo. Era um momento muito propício e até um filme político tinha chances de conseguir patrocínio. A Lei do ISS foi a que eu cravei primeiro, ainda em 1995. Depois veio a Rouanet (1996), mas a do IC MS e a Audiovisual não aconteceram. Na finalização entraram a HBO (1998) e a Riofilme (1999). Aos poucos, fui ampliando o vôo do projeto. Primeiramente ele seria realizado em 16mm e em P&B. Mas o projeto foi crescendo e passei para 35mm e somente a primeira parte seria em P&B. Sanin Cherques (o diretor de produção) e meu irmão Márcio (que faz o Geraldo) acabaram me convencendo de que o filme deveria ser inteir amente a cores. Besteira. Me arrependo tremendamente. Vou fazer a "versão do diretor" assim que for possível. Todo filme é obra aberta. Até que o diretor morra. Não é assim com o teatro (cada montagem, uma versão) e com a música (cada regravação ou em show a música não muda)? Pois assim deve ser no cinema também, principalmente com A Terceira Morte de Joaquim Bolívar, que insiste em não ficar velho. O dinheiro para fazer o filme foi pingando ao longo dos 4 anos da produção. Quando ficou pronto, o filme foi para o Festival de Brasilia, que funcionou como uma "snack projection". No festival, o filme tinha 1h58min, que reduzi e remontei para 1h 44min, pensando ingenuamente em formatá-lo para um mercado exibidor que não quer exatamente saber da duração do seu filme (isso é mera conjectura de realizador com vontade de acertar-se com o mundo). Ele poderia ser maior ou menor. Hoje, acho que o filme pode diminuir ainda mais (e vai). Quanto ao lançamento, resolvi fazer na marra, começando por Minas Gerais, minha terra natal, já que o prêmio que o filme ganhou no MinC para um lançamento decente, não apareceu por completo. Foi muito desgastante, com muita estrada, solidão e que deixou à mostra uma fragilidade muito grande da Riofilme como empresa de mercado. Mas não reclamei. Cineasta estreante e pobre tem mais é que ficar quieto no seu canto e agradecer a Deus por existir. O filme foi um retumbante fracasso de bilheteria, ajudado pela incompreensão, caretice, falta de dinheiro e algum mau caratismo de esquerda e de direita. Queria deixar um agradecimento especial também para alguns exibidores tão legais, mas tão legais, que se um dia, encontrar eles na curva, passo por cima. Quanto aos críticos, bem... os críticos... pensando bem, não tenho nada para falar sobre eles... 2) Sobre a manutenção da carreira no Brasil... Só não fiz ainda o segundo filme porque não moro em São Paulo (a maioria dos estreantes que fizeram o segundo longa estão em São Paulo, ou estarei equivocado?) e os ventos não me foram favoráveis, apesar de ter tentado dois projetos desde 2000. Os meus vôos estéticos audiovisuais poliédricos (eu gosto de todo tipo de cinema, pôrra!, de National Kid a Gláuber, de Noviça Rebelde e Mazzaropi a Vá e Veja! e Dziga Vertov),como eu dizia, esses vôos de pássaro livre, são pouco aceitos pela maioria das pessoas. Eu estou pouco me lixando pra isso, mas estou cada vez mais dócil à mediocridade. Isso é quase o fim. E só poderá ser recompensado se vier um sucesso de público, com filas nas bilheterias e milhões de reais na minha conta bancária. A manutenção de uma carreira em cinema no Brasil é um desafio muito maior do que fazer o primeiro longa. Neste país ingrato, em que comissões de burocratas de cultura ou de cinema, idiotas da objetividade e da caretice, mandaram por muitos anos em estatais e transformaram quase tudo em uma bem fornida ação entre amigos e interesses, fica muito difícil tentar valer um projeto, por mais sério e bem desenvolvido que seja. Principalmente se você não conhece ninguém, não viaja a Paris, não freqüenta os bares, e as festas da moda... Espero que o novo governo mude isso de vez. Enfim, meu recato familiar e meu bom mocismo, me fuderam como cineasta. Eu acho... 3) Sobre o que tenho feito... Tenho trabalhado muito. Desde 2001 estou à frente de um projeto chamado Caravana Holiday, que nasceu das minhas andanças com o Terceira Morte na mala do carro e que leva cinema brasileiro, oficinas de ver, pensar e fazer cinema, debates, exposições e auto-estima a milhares de fluminenses desde o Rio e Baixada até Itaperuna ou Paraty. Estamos entrando agora no Ano 3 do projeto, com patrocínio da Telemar e apoio da Unesco. Estamos de vento em pôpa! Estamos atingindo 40 municípios do Estado do Rio de Janeiro (por capilaridade, mais de 250 comunidades!) e já começamos a expandir para Minas Gerais. Em algumas destas oficinas, já realizamos quatro curtas em Mini DV e vamos realizar outros dois neste segundo semestre, com a promessa de outros quatro. É a grande emoção cinematográfica da minha vida. Paralelamente, ainda com (parcos) recursos próprios e de amigos, estou realizando dois documentários de longa-metragem: um sobre um velho boêmio da Lapa dos anos 40 (já bem adiantado), intitulado "Amo Todas as Mulheres do Mundo" e um outro, intitulado "O Destino do Changri-la", ainda no início, sobre dez pescadores de Arraial do Cabo e do Rio que foram mortos em um ataque do submarino alemão U199, em julho d e 1943, no litoral de Cabo Frio, do qual só 58 anos depois se descobriu toda a verdade. Quanto a este último tem gente me atravancando o caminho. Mas tenho certeza que mais fortes são os poderes do povo
Flavio Frederico, diretor de Urbania 1) Agora passados dois anos da realização do Urbania diria que em termos do processo o filme foi muito interessante; um filme que era um curta, cresceu, virou um longa mas com o pé no chão. Filmamos com aproximadamente R$100.000 só em duas semanas e com uma equipe documental, talvez tenha sido o longa brasileiro mais barato (dos que filmam, claro). Tinha uma proposta estética/narrativa/dramática que se encaixava perfeitamente nestas condições. Na verdade o filme foi criado em cima destas dificuldades e não o contrário (talvez ele fosse pior com mais dinheiro) e isso talvez tenha sido o segredo. Recentemente o filme foi exibido no Festival Latino de Chicago e teve uma repercussão excelente (assim como em Montreal, Mar del Plata e Rotterdam), seguindo meu estigma de fazer mais sucesso fora do que dentro do Brasil. Artisticamente e cinematograficamente fiquei bem satisfeito com o filme, que acredito ter bastante personalidade. Quanto ao lançamento foi meio traumático pois o Mario Sergio Conti (aquele crítico da Folha) destruiu o filme no lançamento comprometendo sua já difícil carreira com o publico. Nem as boas críticas do Estadão (de críticos muito mais competentes) salvaram, e o filme ficou só três semanas em uma sala em SP e no Rio. Uma pena, pois tínhamos uma estratégia de lançamento como o filme: pequena mas competente. 2) Aí está o calcanhar de Aquiles: se for pensar muitos cineastas hiperpremiados em suas carreiras de curtametragistas não conseguiram fazer seus primeiros longas, apesar de terem projetos inclusive premiados. Muitos que fizeram o primeiro não chegaram no segundo, está difícil de manter a carreira. Quem consegue filmar são sempre os mesmos independente de terem filmes bons ou ruins (muitos, inclusive, apesar de continuarem gozando de fama internacional têm feito filmes completamente ultrapassados). No meu caso se for pra fazer outro longa nas condições do Urbania, fico na mostra de diretores de um longa só. 3) Estou finalizando o primeiro documentário de uma série de três que se chama "Serra". São três filmes completamente diferentes em termos de linguagem, assunto, fotografia, abordagem. Mas os três são sobre a Serra da Mantiqueira, estou neste projeto a uma ano e meio. Paralelamente estou tocando dois projetos de longa: "Vida Dupla" (Superfilmes) e o "Fuga#"(Olhos de Cão), este em conjunto com o Gustavo Spolidoro, Eduardo Nunes, Zé Eduardo Belmonte e Camilo Cavalcante. Ah, e estou com um curta novo, mas este é surpresa.
Rosane Svartman, diretora de Como Ser Solteiro 1) Quando começamos o filme (eu em parceria com a produtora Clélia Bessa), em nenhum momento achávamos que iria ser um longa, e que teria alguma repercussão. Era uma idéia despretensiosa (em todos os sentidos). Começou como curta e aos poucos foi crescendo, resolvemos arriscar. Só realmente conseguimos toda a grana que precisávamos (e foi um filme de baixo orçamento) depois do primeiro corte em moviola (4 semanas de filmagem, muita ajuda de amigos, de pessoas generosas e muitas, muitas dívidas – afinal no começo só tínhamos a verba para um curta captada através de uma lei de incentivo municipal). Os principais parceiros como a Skol, RioFilme, só entraram depois de assistir ao material. Uma aventura que acho que deu certo (por ser um filme barato, não ficamos devendo nada e inclusive pagamos a conta na distribuidora), tinha muita chance de não ter acontecido (talvez mais) e realmente foi um risco muito grande. 2) Pessoalmente não vejo possibilidade de uma carreira em cinema somente. Nem sei se tem alguém no Brasil que consegue fazer só isso. Vivo do audiovisual em geral e o filme, Como Ser Solteiro, com certeza ajudou a alavancar minha carreira. Claro que tentei fazer um segundo longa, ainda pretendo. Mas ao sair para captar (é o sistema, fazer o quê?) me dei conta de que cineastas com mais experiência que eu também vivem dificuldades extremas e que um primeiro filme bem sucedido não é garantia de muita coisa. Mas sou otimista e teimosa, portanto... Inclusive acho que para se fazer um filme (qualquer um) é preciso mais força de vontade do que talento. 3) Desde Como Ser Solteiro eu fiz redação final e direção geral de uma série de 3 episódios em cima do longa para Multishow, dirigi e escrevi dois curtas O Cabeça de Copacabana(prêmio MINC) e Suspiros Republicanos ao Crepúsculo de um Império Tropical (prêmio Petrobrás), ganhei mais três prêmios de roteiro para curtas dirigidos por outros diretores (dois da Riofilme e um do MINC), escrevi 3 séries ficção (5 episódios cada) com direção de Marco Altberg para o Multishow e Canal Brasil, Mangueira, amor a primeira Vista, Amor Quase Perfeito e Amor que fica, escrevi e fiz direção geral de uma série ("Não É o que parece"/canal Futura), dirigi a série "Afinando a Línguia" (Canal Futura), escrevi para o começo da temporada de Muvuca na TV Globo, dirigi durante quase dois anos para TV Globo Garotas do Programa e Casseta e Planeta Urgente. Fora isso, alguns clipes e comerciais pequenos, lancei um livro infantil pela Zahar, escrevi e ajudei a produzir a peça Mais uma vez Amor (fez temporada no Rio e em Sampa com Luana Piovani e Marcos Palmeira) e... Tive uma filha linda que tem hoje 6 meses, Rosa, que faz com que eu bata este email com pressa.
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