Maverick, de Richard Donner
Maverick, EUA, 1994
A longa experiência de Richard
Donner como diretor de episódios de seriados televisivos foi certamente
o maior responsável pelo feliz resultado deste Maverick,
um dos primeiros títulos de Hollywood a embarcar na linha de transformar
séries antigas em longas-metragens, hoje mais que consolidada pelo
sucesso das franquias Missão Impossível ou As
Panteras, mas que também rendeu coisas grotescas como As
Aventuras de James West. Mesmo que hoje, assim como quando de seu
lançamento (ao menos no Brasil), poucos tenham conhecido o programa
original, do início dos anos 60, o filme de Donner funciona perfeitamente
como mais um exemplar da linha de entretenimento direto e eficiente que
ele vem desenvolvendo, quase sempre com êxito, ao longo da carreira.
A apresentação do
personagem em uma situação-limite (numa armadilha mortal,
bastante parecida com os finais de episódio do Batman da TV dos
anos 60, ou das fitas em série da Republic) e o sucessivo flash-back
que explica como o protagonista ali chegou, já criam rapidamente
para o espectador uma intimidade com ele. Certo que a figura popular de
Mel Gibson colabora para esta identificação, e vale ressaltar
que Donner, sendo quem mais vezes o dirigiu (6 títulos, até
agora), sabe explorar como ninguém os limitados recursos cômicos
do astro, conseguindo distanciá-lo da desagradável figura
heróico-messiânica que o caracteriza em filmes como Coração
Valente ou O Patriota.
Voltando à sequência
de abertura, Donner rapidamente substitui um tom de dramaticidade presente
nos primeiros fotogramas, acentuado por uma troca de olhares e close-ups
a la Sergio Leone, ressuscitando uma linhagem de western cômicos
que tem como exemplar mais expressivo Butch Cassidy de George Roy
Hill (1969). Não coincidentemente, Maverick e Butch Cassidy
foram escritos pelo mesmo William Goldman. Esta virada de tom é
certamente o primeiro dos blefes que irão caracterizar toda a narrativa
de Maverick. Sendo o protagonista um jogador profissional e o clímax
uma grande partida de pôquer, o filme é inteiramente construído
como uma sucessão de trapaças e pegadinhas, nas quais, como
no jogo, personagens ou cineastas sempre parecem estar escondendo suas
cartas, guardando algum segredo que poderá levá-los à
vitória final. Esse clima lúdico consegue ser transmitido
ao espectador que, ao fim das contas, passa a ser mais um jogador na partida
proposta pelo filme. E é isso que o diferencia de fitas que se
utilizam do recurso dramático de sucessivas viradas para puramente
iludir o espectador, como Clube da Luta, por exemplo. Nestes, ao
contrário de Maverick, o espectador não é
tratado como um cúmplice ou parceiro, mas sim como um trouxa a
ser enganado. Nisso, o filme de Donner se aproxima bastante de outro trabalho
de George Roy Hill: Golpe de Mestre (1973).
Vemos também em Maverick
um inegável clima de tributo ou nostalgia, o que não
significa que o filme se torne com isso uma peça de saudosismo
estéril. Temos o tributo ao clima episódico das séries
de TV, sendo que cada passagem do roteiro de Maverick funciona
como um episódio distinto (o melhor é aquele envolvendo
o índio picareta interpretado por Graham Greene). Este tributo
também se estende aos veteranos intérpretes destes seriados,
partindo da atuação de James Garner (o Maverick original
e ator de senso de humor, ironia e sutileza infinitamente superiores aos
de Mel Gibson, que a seu lado parece sempre um amador) e desaguando nas
pequenas participações de muitos desses atores como jogadores
na disputa final. E inegavelmente o tributo a todo um cinema clássico
de gêneros, óbvia e principalmente ao western em suas paisagens
(o Grand Canyon), cenários (a diligência) e diretores (além
da citação inicial a Leone temos, próximo ao final
um breve tiroteio em câmera lenta, aos moldes de Sam Peckinpah).
Mas, curiosamente, Maverick substitui o heroísmo ou a violência,
valores essenciais no gênero, pela esperteza, que se torna acima
de tudo a maior virtude de seus personagens. E em plena década
de noventa, após o fim da Guerra Fria, mesmo relativizando o conceito
de heroísmo, traz a lembrança de um tempo no qual as coisas
eram mais simples, com heróis e vilões colocados em seu
devido lugar. Não é à-toa que o otário-mor
do filme é um russo.
Gilberto Silva Jr.
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