Os Goonies, de Richard Donner 
The Goonies, EUA, 1985
"Os Goonies são rejeitados".
Essa frase, proferida no meio do filme por um dos integrantes da trupe
mirim, diz muita coisa sobre o ponto de vista do diretor em relação
aos heróis da aventura. Nessa espécie de autocrítica,
eles reconhecem suas limitações, muito embora não
se sintam afetados por elas durante a trama. Até o nome do grupo,
que tem sua origem omitida no filme, quer dizer algo como "nerdzinhos".
Um deles troca as palavras, sofre de asma e usa aparelhos nos dentes.
O outro fala demais. O outro é obeso. Tem até um chinezinho,
uma espécie de Professor Pardal frustrado, que anda com qualquer
tipo de bugiganga para enfrentar possíveis inimigos, mas todos
os apetrechos falham na hora H. Esse anti-James Bond talvez seja uma maneira
velada de se mostrar ressentidamente que os avanços tecnológicos
do extremo leste do planeta não foram capazes de superar o domínio
dos Estados Unidos no setor, e que o máximo que os sino-americanos
conseguem produzir são artefatos genéricos de segunda linha.
Mas o filme inverte esses valores
no melhor estilo do unidos venceremos. Apesar de que uma andorinha só
não faz verão, fica muito claro que, em equipe, a galerinha
consegue superar os obstáculos. Neste grupo, aqueles que convencionalmente
teriam o perfil de heróis (o irmão mais velho que faz ginástica
em casa e a loirinha que está a fim dele) não passam de
figurantes. Quem reina absoluto é o lado mais fraco e mais bizarro
da sociedade. Mesmo a trilha sonora, cuja música-tema é
composta e interpretada pela cantora pop Cindy Lauper, reforça
esse conceito. Na época, ela era o patinho feio de um reino dominado
pelas Madonnas da vida. Esse é o ponto de reflexão para
a maioria norte-americana que, acostumada a ver nas telas super-homens
salvando a humanidade, aqui entra em contato com a parcela da população
que ela ao mesmo tempo aceita e rejeita. Claro que uma certa dose de carisma
e humor ajudam a resolver esse dilema. Mesmo com todos os complexos de
excesso de peso que os norte-americanos carregam, não dá
pra deixar de gostar do gordinho. Principalmente em relação
à sua sinceridade na cena do liquidificador e à sua demonstração
de afeto na cena em que fica trancafiado com o "monstro" da
história, um irmão que os vilões escondem, uma mistura
de Frankenstein com Homem-Elefante. É o momento em que rejeitado
encontra rejeitado. Nessa hora o hábito compulsivo de comer cede
lugar ao ato solidário de dividir. Ou seja, não importa
o que você faz da sua vida, desde que tenha uma alma repleta de
boas intenções. E este "monstro" é o resumo
extremo dessa moral da história de Goonies: apesar da cara
de mau, existe por dentro um bom coração.
Outro elemento que reforça
essa dicotomia entre essência e aparência é a caracterização
dos vilões da trama. Eles são feios, têm sangue de
barata e lembram assassinos profissionais. São os piratas modernos.
Estão em busca do dinheiro. Não se sabe exatamente para
qual finalidade. Por isso são vilões. O filme deixa claro
que se apoderar de bens alheios por necessidade é justificável,
por cobiça não.
Goonies não indica
qual rumo vai tomar. Começa num ambiente familiar, com os garotos
procurando uma maneira de não deixar a casa de um deles ser hipotecada.
Eles descobrem por acaso uma série de velharias no sótão
e, lá no meio, um mapa do tesouro. A partir daí, entra o
elemento-surpresa. Acham uma casa abandonada, escondem-se nela e, a partir
daí, um novo filme Indiana Jones se inicia. Tem-se a impressão
de que os protagonistas são mais vítimas do acaso do que
agentes modificadores dele. Não há, no começo, uma
intenção de se achar o tesouro. Nem de entrar na casa. Tudo
é uma descoberta, o grupo é mais ou menos "empurrado"
pelas circunstâncias a tomar esta ou aquela atitude. Não
é à toa que aparece uma correnteza de água, metáfora
para a sorte e o destino. Assim como num jogo, só que sem regras
definidas. A única regra é que, acima de agradar ao espelho,
você deve agradar aos outros. Que vença o melhor.
Érico Fuks
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