"A
Retomada". Como diz um colega aqui da revista, o
termo traz consigo um som de choque elétrico. Já
tornado um clichê por sua excessiva utilização,
não perdeu de todo o significado na medida em que marque
uma época fechada do cinema nacional que começa
lá pelos idos de 94/95 (o marco oficial é o
primeiro Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, o marco
simbólico é o sucesso de público no lançamento
de Carlota Joaquina). No entanto, é preciso
trazê-lo à tona sempre que possível para
se buscar algum significado além do cronológico.
Afinal, se estamos quase completando dez anos do termo, até
quando ele vai servir para caracterizar toda a cinematografia
nacional? E, aí é importante dizer: nem exato
ele chega a ser. Porque, se é verdade que com a extinção
da Embrafilme no governo Collor uma certa produção
brasileira foi levada ao zero quase absoluto (sobraram exemplos
isolados de filmes sendo terminados, que haviam sido começados
ainda na Embrafilme), também é verdade que a
Boca do Lixo mantém os números totais do cinema
nacional quase inalterados no período. E mais: numa
produção tão irregular desde seu início,
como é a brasileira, tão dependente de fatores
externos a seu próprio campo de ação,
um soluço de dois ou três anos é tão
comum quanto qualquer outra coisa, se olhamos a macro-História.
Então, talvez fosse melhor se falar em "Cinema
das Leis de Incentivo", talvez, esta sim uma marca específica
do período.
Mas, nos
parece que o principal movimento que devemos fazer regularmente
é menos o de se deslumbrar com este cinema "retomado"
(ou, por outra, descartá-lo) e sim debruçar-se
em rigorosos levantamentos possíveis do que nos indique
o coletivo do que se está produzindo no país
hoje. Fizemos isso em 2001, numa retrospectiva geral do cinema
nacional ao longo da década de 90, pensando-o a partir
de seus temas recorrentes. (Outra contribuição
no formato que não podemos deixar de citar é
o livro organizado por Lúcia Nagib O Cinema da Retomada,
feito de entrevistas com 90 cineastas não apenas
estreantes que realizaram longa-metragem no período.)
Pois agora resolvemos parar e olhar mais especificamente,
através de um outro enfoque: quem são os cineastas
estreantes do cinema nacional neste período, e o que
a sua produção nos diz? Afinal, se o discurso
da "diversidade" (outro clichê mais do que
discutível) serviu para confundir um pouco as possíveis
análises temáticas mais a fundo, faz-se necessário
ao menos ver que novos olhares surgiram, e o que eles nos
indicam. Nossa opção de atacar o tema pelo nome
dos diretores é menos um reforço de uma "política
dos autores" (já que Godard nos avisa há
tempos que a palavra essencial na expressão é
"política"), e mais uma escolha de recorte
que nos dá a possibilidade de estar tratando do individual
e, pelo acúmulo extensivo dos nomes, de uma certa idéia
de geração também.
Falou-se
muito na quantidade de "primeiros filmes" desde
a volta à esta produção e, de fato, levantamos
114 cineastas filmando seus primeiros longas em menos de 10
anos. No entanto, a primeira pergunta que aparece, de saída,
é: há mercado para tantos primeiros cineastas
completarem de fato uma carreira no cinema nacional? A resposta
parece complicada uma vez que, dos 114, apenas 6 chegam a
fazer 3 longas em 8 anos (outros 5 estão entre filmagem
e finalização do terceiro). De fato, 70% realizaram
apenas um longa. Será que o Brasil se torna, então,
um país de eternos estreantes? Afinal, é ponto
pacífico entre todos que há uma energia e uma
disposição para um primeiro longa que dificilmente
se repete depois dele. Então, a primeira pergunta talvez
seja esta: há um cinema nacional tão vibrante
quanto um número de 114 cineastas estreando em 8 anos
indique? Ou será que alguns deles arriscam-se no formato
apenas por um momento conjuntural de maiores facilidades de
captação? E mais: embora tantos tenham estreado,
tantos outros (dos quais talvez se esperasse muito mais a
estréia) não filmaram ou finalizaram seu primeiro
longa. Então, uma outra pergunta fica implícita
na pauta: por que estes estrearam, e não outros?
As perguntas
possíveis são muitas, mas não esperamos
responder a todas com esta edição. Nosso desejo
é, primeiro de tudo: catalogar num formato compreensivo,
pela primeira vez de forma tão abrangente, esta lista
de nomes. Em segundo lugar, uma vez que Contracampo está
prestes a completar 5 anos de reflexão dentro deste
mesmo cinema brasileiro (sendo, portanto, também uma
estreante do período), deixar bem claro quais nomes
desta geração, dentro da produção
que vimos até hoje, nos parecem os principais a se
prestar atenção enquanto tentam traçar
seus próximos passos na carreira do nosso cinema. Trata-se,
mais uma vez, de pauta que se desatualiza no mesmo momento
que a colocamos no ar (uma vez que em menos de um ou dois
meses teremos mais 5 ou 6 estréias, e mais segundos
ou terceiros filmes). No entanto, o desejo é de se
fazer isto mesmo: um retrato parado no tempo no qual arriscamos
sempre quebrar a cara ou marcar posições importantes.
Voltaremos à lista no futuro, assim como adicionaremos
outras com os novos nomes.
Além
desta pauta principal (que inclui, além da lista dos
verbetes, entrevistas com alguns nomes que nos pareciam especialmente
interessantes), Contracampo dá uma rápida, mas
importante olhada para a programação em longa-metragem
do festival de filmes de animação Anima Mundi
– uma vez que, cada vez maior, está difícil
acompanhar a mostra de curtas e conseguir extrair reflexões
menos pontuais. E, em DVD/VHS, resgatamos um nome pouco discutido
do "cinemão" hollywoodiano, para analisarmos
seus trabalhos: Richard Donner (a seção, como
de praxe agora, entra no ar 15 dias depois da edição).
Boa leitura.
Eduardo
Valente
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