Dicionário
estreantes S-Z

SACRAMENTO, Paulo
SALLES, João
Moreira
SANTOS, Lucélia
SANTUCCI, Roberto
SCHULTZ,
Medeiros
SILVA,
Sérgio
SOLBERG, Helena
SOUZA,
Beto (ver RUAS)
STOCKLER, Alexandre
STURM, André
SVARTMAN, Rosane
TAMBELLINI, Flávio R.
TARANTO, Marcelo
TEIXEIRA, Chico
THOMAS, Daniela
VENTURI, Toni
VIEIRA, Clóvis
VILLAÇA, Luiz
WADDINGTON, Andrucha
WERNECK, Sandra
ZARAGOZA, José
SACRAMENTO,
Paulo
(2003 O Prisioneiro da Grade de Ferro (auto-retratos))
Desde o início da década de 90, quando realiza dois dos
curtas mais radicais e impressionantes do período (Ave!,
de 1992, e Juvenília, de 1994), esperávamos pela
estréia de Sacramento em longas, o que se deu neste ano com o igualmente
impactante O Prisioneiro da Grade de Ferro. Antes desta estréia,
porém, Sacramento já tinha demonstrado em suas outras "encarnações
cinematográficas" que não abre mão de seu projeto
de um cinema que tente, acima de tudo, colocar o dedo nas feridas nacionais
(é montador de Cronicamente Inviável e produtor e
montador de Amarelo Manga, por exemplo). Coerente com um caminho
que começa nos bancos do curso de cinema da ECA-USP, onde forma
um grupo chamado de Paraísos Artificiais, produtora-relâmpago
que em poucos anos fez mais de dez curtas, todos preocupados em ousar
na linguagem cinematográfica ao mesmo tempo em que lidando com
uma herança de um cinema marginal no sentido mais amplo do termo
(e na qual trabalhou com figuras igualmente talentosas, como Deborah Waldman,
Paolo Gregori, Christian Saghaard, Marcelo Toledo, Murilo Mathias). Sacramento
passou mais de 5 anos envolvido com o projeto deste seu filme, que começou
como uma tentativa de falar do universo carcerário brasileiro,
e foi se tornando mais e mais uma reflexão sobre o que é
"estar preso", centrado no complexo do Carandiru. Os maiores
elogios que se pode fazer ao filme, como documentário, são
seu reconhecimento da impossibilidade de totalizar esta experiência
(o filme se assume na sua forma como fragmentos de uma realidade) e, acima
de tudo, sua capacidade de ser algo completamente diferente do que havia
sido planejado. Como documentarista, especificamente, Sacramento demonstra
a generosidade de não ter o filme pronto ao sair para filmar. E,
nele, o formato de "entregar a câmera aos detentos" –que
poderia facilmente descambar numa auto-indulgência ou complacência
total- faz com que o filme atinja um grau acima de relevância e
sensibilidade com a delicadeza de um assunto que, muito tratado e filmado
recentemente, corria o risco de se banalizar. De Sacramento se espera
muito no futuro, seja qual dos chapéus decidir vestir a seguir
(cineasta de ficção, documentarista, produtor, montador,
etc). (E.V.)
SALLES, João Moreira
(2003 –
Nelson Freire)
Apenas listando sua produção já se percebe que, à sua maneira discreta,
João Moreira Salles impôs sua presença e sua influência na produção documental
brasileira recente. Começou a produzir filmes documentários já no final
dos anos 80, nas séries América, Blues e China, exibidas
pela Rede Manchete. Fez curtas (Poesia é Uma ou Duas Linhas e Atrás
Uma Imensa Paisagem, sobre a escritora Ana Cristina César), produziu
e dirigiu a série de três filmes Futebol (em parceria com Artur
Fontes) - em que é especialmente admirável o terceiro episódio, Futebol
3: Depois da Partida, tendo como personagem um jogador já aposentado,
Paulo César "Caju" Lima -, co-assinou com Kátia Lund a realização de Notícias
de Uma Guerra Particular, documentário sobre o tráfico de drogas no
Rio de Janeiro, e produziu dois filmes em parceria com o jornalista Marcos
Sá Corrêa dentro da série Seis Histórias Brasileiras. Mantém, com
o irmão Walter Salles, a produtora VideoFilmes, cada vez mais influente
e decisiva no cenário de produção nacional - e, em 2003, estreou seu primeiro
longa-metragem feito para o cinema, Nelson Freire. Trata-se de
um cineasta com um projeto estético e ético bastante claro, goste-se ou
não de suas opções. Combinando a essa firmeza de propósitos uma bem-sucedida
aproximação dos personagens retratados (no fim das contas, a questão mais
complexa e menos teorizável do filme documental), seus filmes não raro
nos surpreendem com uma força admirável - ainda que evidenciem não só
as qualidades como também os pontos críticos de seu projeto estético,
sobretudo o risco de resvalar num certo moralismo conservador. Isso é
especialmente claro na relação com um tema problemático como o de Notícias
de Uma Guerra Particular, que parece mais preocupado em se chocar
com a realidade (de uma situação de confronto à lei constante, generalizado,
organizado e armado) que em investigar a indigência dos pressupostos dos
discursos que documenta (certezas e culpados ao filme não faltam: se não
fosse a miséria e a falta de política social, se não fossem os drogados
da Zona Sul, se não fosse a corrupção policial...) - de toda maneira,
é um risco que corre ocasionalmente quem se dispõe a fazer opções claras
em questões éticas e sociais. É também professor (tanto em universidades
particulares como em comunidades carentes) e colunista ocasional do site
Nominimo - no site que originou este, o NoPonto, publicou uma série de
artigos onde fazia um histórico pessoal da simplicidade artística, passando
por comediantes mudos, pintores renascentistas e até São Francisco de
Assis. Mais do que uma curiosidade, é uma defesa consistente do caminho
que indica pretender seguir. Seu próximo projeto, em finalização, focaliza
a campanha de Lula na eleição presidencial de 2002. (D.C.)
SANTOS, Lucélia
(2001-Timor Lorosae – O Massacre que o Mundo Não Viu)
A novela Escrava Isaura, lançada pela TV Globo em 1976,
tornou conhecida esta atriz que, desde então, construiu uma sólida
carreira em televisão e cinema. Neste se destacou principalmente
durante a década de 80, em adaptações de textos de
Nelson Rodrigues (Engraçadinha, Bonitinha mas Ordinária)
e no papel-título de Luz del Fuego, de David Neves. O sucesso
internacional de Escrava Isaura fez de Lucélia uma celebridade
em diversos países ao redor do mundo, como a China, levando a atriz
a constantes viagens. Numa destas, tomou contato com o drama do Timor
Leste e sua população dizimada após anos de ocupação
pela Indonésia. Dirigindo e escrevendo o roteiro em parceria com
seu filho Pedro Neshling, Lucélia realizou Timor Lorosae – O
Massacre Que O Mundo Não Viu, documentário que apresenta
de forma bastante eficiente e didática a história trágica
do povo timorense, mas que muitas vezes falha em transcender a tênue
linha entre a reportagem e o cinema-documentário. Com formato aparentemente
mais indicado para exibição em TVs a cabo, certamente o
prestígio da atriz ajudou a conseguir seu lançamento, embora
restrito, nas salas de cinema. Em recente entrevista, Lucélia demonstra
interesse em retomar o ofício de diretora, mas não apresenta
um projeto concreto (documentário? ficção?), permanecendo
uma incógnita o futuro de sua carreira como cineasta. (G.S.)
SANTUCCI,
Roberto
(1999 – Olé
– Um Movie Cabra da Peste, 2001 Bellini e a Esfinge)
Depois de formar-se em Comunicação
pela PUC-Rio, Santucci foi para a Califórnia, onde estudou cinema
na UCLA e no Columbia College. Depois de dois curtas em 16mm (Helpless
e Bienvenido a Brazil) e experiência como assistente de montagem
em dois filmes hollywoodianos (Lendas da Paixão e Código
de Honra), decidiu problematizar a fascinação que os
EUA exercem sobre o Brasil em Olé, um Movie Cabra da Peste.
Nele, Raimundo de Jesus viaja ao país de Tio Sam para procurar
sua irmã "Sivirina" e trazê-la de volta ao país antes
que sua mãe morra sem rever a filha. Feito de forma precária
e com baixíssimo orçamento (US$24 mil), Olé
não compensa o pouco dinheiro com grandes idéias. A exploração
cômica do universo nordestino chega por vezes ao ignóbil
e o tom farsesco presta-se muito pouco à história contada.
Mesmo assim, ainda se vê um certo esmero no artesanato narrativo.
A linha é perseguida em Bellini e a Esfinge, espécie
de policial noir passado no bas-fonds de prostutição
e jogos de São Paulo. Mais feliz do que Bufo e Spallanzani,
lançado um ano antes, a maior graça do filme é o
bom acabamento e a impressão de um produto ágil e sólido,
porém levemente despido de interesse maior. A acompanhar a continuação
de sua trajetória, com interesse relativo. (R.G.)
SCHULTZ,
Medeiros
(2001 – Imperatriz do Carnaval)
Morando nos EUA desde os 15 anos de idade, o paulista Schultz se formou
em cinema na University of Central Florida, onde realiza curtas, e depois
trabalha com audiovisuais sempre baseado na Flórida. Tem a idéia
de um longa de ficção sobre a preparação de
um desfile de carnaval, mas no meio da pesquisa acaba decidindo por fazer
um documentário, que é este seu longa de estréia.
Realizado em digital, e só kinescopado depois de suas primeiras
exibições neste formato, Imperatriz do Carnaval tem
tido exibições exclusivamente em festivais. Tanto a história
do cineasta (que se confessou fascinado pelo tema a partir do filme Orfeu
do Carnaval, e que desconhecia quase completamente o universo real
das escolas de samba antes da filmagem) quanto os caminhos do filme em
sua realização (consegue sua viabiliazação
financeira com um empresário brasileiro no exterior, tem um site
cujo nome é em inglês, representa o Brasil em festivais internacionais,
etc) indicam um filme tipicamente "brasilianista", ou seja,
fascinado como um estrangeiro pela imagem do Brasil no que ele teria de
mais típico (ou talvez tipificante): seu carnaval. No entanto,
o filme é bem melhor resolvido (dentro de seu formato tipicamente
jornalístico) do que se poderia esperar, assumindo sua condição
externa e, ao fazê-lo, conseguindo traçar um painel bastante
informativo do processo de organização do desfile de uma
escola de samba (desde a escolha do samba até o desfile das campeãs
– no que Schultz mostrou-se bastante feliz ao escolher a Imperatriz Leopoldinense
como objeto). Certamente não é um filme que nos faça
esperar maiores vôos do seu realizador, mas possui méritos
dentro das limitações de proposta que o originam. (E.V.)
SILVA,
Sérgio
(1997 Anahy de las Missiones, em lançamento
Noite de São João)
Seu curta O Zeppelin Passou por Aqui (que se passa no início
do século 20) é muito agradável de se ver, uma das
melhores surpresas daquele início de retomada. Atores bem escalados,
decupagem correta, montagem eficiente: uma comédia de costumes
com ritmo exemplar. Com seu primeiro longa, no entanto, Sérgio
Silva patina um pouco no drama regional de pretensões épicas.
Com os personagens falando a linguagem do século passado (a trama
se passa na época da Guerra dos Farrapos, 1835-1845), em uma algo
desnecessária reverência à veracidade histórica,
e as imagens dos pampas gaúchos servindo de escada visual para
um roteiro não de todo bem desenvolvido, pouco se salva neste exercício
de "cinema de qualidade" que remete a marca Claude Berri do cinema francês.
Resta saber se em Noite de São João, outro drama
histórico (desta vez inspirado em Senhorita Júlia,
de Strindberg), Sérgio Silva conseguiu deixar o aspecto histórico
menos importante do que o destino de seus personagens. O filme passa no
Festival de Gramado de 2003, agora em agosto. (S.A.)
SOLBERG,
Helena
(1995 - Carmem Miranda – Banana Is My Business)
Trabalhou como atriz (Capitu, de Saraceni) e assistente de direção
(em, por exemplo, A Mulher de Todos, de Sganzerla). Realizou diversos
curtas e documentários, sobretudo em torno de questões políticas
(fez em 1981 um documentário sobre a revolução nicaraguense
e a reconstrução que se seguiu, por exemplo) e sociais (como
as questões dos direitos femininos), sendo várias vezes
premiada em festivais internacionais. Há anos alterna períodos
morando no Brasil e nos EUA. Seu primeiro longa-metragem, Banana Is
My Business, conta a história de Carmem Miranda. Partindo de
um tema já conhecido e tremendamente melodramático, arriscando-se
a cair em interpretações clichês sobre o país
e adotando o procedimento da narração em primeira pessoa
em off, o filme conseguiu acertar de forma admirável um tom adequado
entre um certo olhar subjetivo e uma história de sucesso artístico
e falência da vida privada. Soube contar com inteligência
e de forma envolvente o fascínio da figura de Carmem Miranda e
da história profissional e pessoal de Carmem. Está finalizando
seu segundo longa-metragem, O Brilho Das Coisas. (DC)
SOUZA,
Beto (ver RUAS)
STOCKLER,
Alexandre
(2002 – Cama de Gato)
Certamente um dos mais jovens cineastas brasileiros a estrear em longa
na década, Stockler tem seu Cama de Gato exibido em Brasília
aos 29 anos. Formado em teatro pela USP, ele começa como ator até
que em 1999 lança com amigos o manifesto T.R.A.U.M.A. (Tentativa
de Realizar Algo de Urgente e Minimamente Audacioso), que serve de base
para este longa. Esperta jogada de marketing que tenta nadar nas águas
do Dogma, parece ter funcionado a julgar pela repercussão do filme
em alguns festivais internacionais. Realizado de forma baratíssima
em digital (uma das propostas do manifesto é a de um cinema possível),
o filme causou algum frisson em Brasília também, mas permanece
inédito nos circuitos comerciais. Tratando de uma noite de um grupo
de meninos bem nascidos paulistanos, que incluirá estupro e assassinatos,
o filme tenta ser uma denúncia da falta de conceitos morais e éticos
de uma certa elite nacional. Eventualmente acertando na urgência
da encenação, o filme erra, porém, sempre que resolve
ser "professoral" e culpabilizador, como por exemplo com a utilização
de depoimentos documentais para abrir e fechar a história. Tem
ainda um inegável humor sádico e desumanizado na forma de
encenar a violência, o que certamente o torna bem menos diferente
dos seus protagonistas do que gostaria de ser. Difícil dizer se,
deixando de lado a pose e o desejo de chocar, Stockler tem algo de mais
profundo a mostrar. Por enquanto, nenhum trauma à vista. (E.V.)
STURM, André
(2002- Sonhos Tropicais)
À frente da Pandora Filmes, André Sturm vem se destacando
como distribuidor, permitindo que o público brasileiro tenha no
circuito comercial alguns belos filmes (O Filho, Longe do Paraíso,
para ficar em dois favoritos recentes da revista). Decidiu se arriscar
na direção (depois de algumas experiências em curtas)
com Sonhos Tropicais, um filme histórico sobre a revolta
da vacina. Infelizmente, se fica claro no filme o bom tato de Sturm como
distribuidor (boa visibilidade á época do lançamento)
e como produtor (produção caprichada, a exceção
de umas poucas cenas onde fica patente as dificuldades de fazer este tipo
de filme de época no Brasil), o mesmo não se pode dizer
do seu trabalho como diretor. Falta nessa estréia de Sturm imaginação
e, especialmente, um trabalho mais cuidadoso tanto na construção
de cenas como na direção de atores, que freqüentemente
emperram o filme, mesmo quando consegue se reconhecer boas idéias
no projeto. Ao final, apesar de passar longe de ser um mau filme, Sonhos
Tropicais não deixa de nos fazer esperar mais de Sturm no futuro
como produtor/distribuidor do que como diretor. (F.F.)
SVARTMAN,
Rosane
(1997 Como
Ser Solteiro)
Formada em cinema pela UFF,
Rosane Svartman, que possui uma numerosa obra em curta-metragem com filmes
como Anjos Urbanos, Brazilian Boys, Moleques e O Cabeça
de Copacabana, fez Como Ser Solteiro, seu, até o momento,
único longa-metragem (inicialmente chamado Como Ser Solteiro
no Rio de Janeiro). Seu nome aparece também como colaboradora
em outros curtas, tendo inclusive já trabalhado com Cacá
Diegues como roteirista em seu filme Veja Esta Canção.
Esse seu lado criador é bem desenvolvido em produções
para TV: Rosane escreveu séries para Multishow (onde também
dirigiu uma série com o mesmo nome Como ser solteiro, baseada
no seu longa), Canal Brasil e Canal Futura, além de ter escrito
para o Muvuca, na Rede Globo, onde também dirigiu a série
Garotas de Programa e Casseta e Planeta Urgente durante
algum tempo. Como Ser Solteiro é um filme que opta por estabelecer
uma identificação inicial fácil com o público
através da utilização de um conjunto de estrelas
já bastante conhecidas da televisão e do universo "pop"
em geral. O filme, um apanhado de situações amorosas que
se passa com personagens tipicamente "cariocas", queria se aproveitar
desse universo para criar um vínculo com um público espectador
que se imaginou ideal: a classe média jovem da Zona Sul do Rio
de Janeiro (embora a retirada da parte final do título no lançamento
indique uma tentativa de abertura aos outros mercados do Brasil). O resultado
é uma obra que trata de alguns problemas dessa classe social de
maneira superficial, pouco diferente do já visto em tantos programas
de TV, com um trabalho formalmente pouco interessante. Rosane Svartman
(dona de uma grande lista de editais de roteiro ganhos, atualmente a única
maneira realmente segura de concretizar projetos) teve em 2001 seu Algo
de Novo escolhido pelo Procine (Programa Estadual de Apoio ao Cinema
– RJ) e pelo BNDES para receber apoios para a produção,
mas de lá para cá não se ouviu mais sobre o filme.
Seja como for, somente as adversidades da etapa de captação
parecem atrapalhar Rosane Svartman na feitura de mais um longa. Sua determinação
e a maneira como se entrega a inúmeros trabalhos pode indicar que
mais cedo ou mais tarde alguma coisa nova acabará aparecendo. (JMC)
TAMBELLINI,
Flávio R
(2000 Bufo e Spallanzani)
Embora sua estréia
na direção de longa-metragem seja recente, Flávio
R. Tambellini já trabalha com cinema há uns bons vinte anos,
sendo daqueles nomes que volta e meia aparecem nos créditos de
um filme. Desde assistência de direção (O Beijo
da Mulher Aranha, de Hector Babenco, e Gabriela, de Bruno Barreto)
e ator coadjuvante em Luar Sobre Parador (aquela fraca comédia
que parodia a ditadura de um país caribenho "fictício",
com Raul Julia, Richard Dreyfuss e Sonia Braga no elenco) até (co)roteirista
(Um Copo de Cólera, Garota Dourada), diretor (o curta
Tim Maia, documentários e um longa de ficção)
e produtor – este último cargo concentrando a maior parte de suas
energias (Carandiru, Janela da Alma, O Homem do Ano,
A Ostra e o Vento e Gêmeas são só alguns
exemplos) –, Tambellini já jogou em quase todas. Sua estréia
na direção de um longa se deu com Bufo & Spallanzani,
adaptação pouco convincente de Rubem Fonseca, cuja escrita
aparentemente "já moldada para o cinema" pega de surpresa
quem a transporta à tela sem algum cuidado – como foi o caso de
Bufo & Spallanzani. O filme peca tanto na construção
das personagens quanto na atmosfera, que capta um Rio de Janeiro de submundos
e subtramas com lentes cinemascope demasiado limpas (ainda que o enquadramento
tenda à confinação) e com cenas que beiram a esterilidade,
tamanha a frieza e a caretice com que são trabalhados roteiro e
direção. Flávio R. Tambellini deve muito de sua incursão
precoce no cinema ao Flávio Tambellini pai, diretor e produtor
de, entre outros, A Extorsão e O Beijo. É
também de um roteiro do pai, Ravina, que saiu o nome da produtora
hoje trabalhando a todo vapor na realização de vários
projetos, dentre eles os próximos filmes de Walter Lima Jr. (Os
Desafinados) e do próprio Flavio R. Tambellini (O Passageiro).
(L.C.O.Jr.)
TARANTO,
Marcelo
(2000 A Hora
Marcada)
Em seu filme de estréia,
desempenhou múltiplas funções: foi produtor, co-roteirista
(com Moisés Liporage) e fez a trilha musical. O resultado, porém,
não é dos mais animadores, já que, como thriller,
o filme não funciona, e, como intriga política, mostra-se
um tanto ingênuo e superficial. A Hora Marcada se inclui
numa perspectiva muito comum ao cinema da chamada "retomada":
o apelo ao gênero do filme de suspense policial, bem sucedido em
alguns casos (O Invasor e Os Matadores, ambos de Beto Brant).
A Hora Marcada é ambientado na classe alta, num universo
de empresários e acionistas da Bolsa de Valores, o que é
curioso em se tratando de um cinema totalmente atrelado aos incentivos
fiscais. No entanto, o empresário Mário Velasquez (Gracindo
Júnior), seqüestrado por um quarteto de bandidos trapalhões
liderados por Peçanha (Osmar Prado), antigo desafeto, não
sofre por parte de Taranto um tratamento crítico além de
alguns clichês desgastados (o empresário não liga
para a família, é ambicioso e traiçoeiro, e vive
um diálogo imaginário com a morte). Por outro lado, o seqüestro
tem implicações puramente pessoais. O interessante em A
Hora Marcada é que, mesmo sendo um filme típico da "retomada",
há nele, ainda, muitos resquícios cinemanovistas, embora
pouco elaborados. A atração pelo herói pertencente
à classe alta, contraditório e culpado, é um dos
principais indícios dessa filiação ao cinema novo.
Com duas partes muito marcadas, A Hora Marcada não consegue
manter a agilidade necessária ao filme de gênero e, por outro
lado, não se aprofunda no drama psicológico de seus personagens.
É uma espécie de Quentin Tarantino com ritmo de Gustavo
Dahl. Mistura inquietante, mas que não chega a ser explosiva. (LARM)
TEIXEIRA,
Chico
(2001 Carrego
Comigo)
Uma das revelações
positivas da onda de intensificação do documentário
brasileiro nos últimos anos. Esboçando em seus curtas e
em seu único longa um olhar afetivo para universos propensos a
serem tratados como exóticos, Chico Teixeira naturaliza seres humanos
que, pelo senso comum, carregam o estigma de bizarro. Economista de formação,
trabalhou em televisão antes de, no fim dos anos 80, dedicar-se
ao cinema. Favelas (1989) e Velhice (1991) tiveram boa repercussão
em festivais internacionais, mas foi Criaturas Que Nasciam em Segredo
(1995), com suas duas dezenas de prêmios, que inseminou expectativa
sobre seu futuro na atividade. Registrando depoimentos de alguns anões,
o filme excede-se ocasionalmente no tom emocional e nos gracejos enciclopédicos
de José Roberto Torero, um dos roteiristas, mas tem o mérito
de ver os entrevistados sem compaixão, tampouco como atração
de circo, embora com as peculiaridades geradas por sua condição
natural. Em Carrego Comigo, a estréia em longa, repete o
acerto. Usa entrevistas de um grupo de gêmeos univitelinos, uns
famosos, outros desconhecidos do mundo midiático, para discutir,
sobretudo, a afirmação de identidades, algo já complexo
em uma contemporaneidade empenhada em aparar diferenças individuais,
mas ainda mais problemático entre pessoas de aparência igual.
Que venham outros filmes, outros temas, mas o mesmo respeito. (C.E.)
THOMAS,
Daniela
(1995 Terra
Estrangeira, 1999 O Primeiro Dia)
Trazendo até no sobrenome
a marca da parceria com os homens, Daniela Thomas traça um curioso
percurso no cinema brasileiro recente. Depois de um média-metragem
rodado com Gerald Thomas no começo dos anos 80, seguiu uma prolífica
e elogiada carreira em teatro no Brasil e fora, trabalhando como cenógrafa
e diretora de arte principalmente, mas também como diretora (A
Gaivota, de Tchékov). Os anos 90 viram Daniela Thomas realizando
trabalhos junto com Walter Salles, inicialmente especiais para a tv, e
depois cinema. Co-realizadora de Terra Estrangeira e O Primeiro
Dia, fez com Walter Salles seus filmes mais orientados pela forma,
os mais aventureiros e dinâmicos (e também os de narrativa
menos populista). "Woman's touch", depreensão de um estilo mesmo
como co-diretora ou simples coincidência? Em todo caso, nos filmes
DT/WS os personagens têm mais direito a existir, a câmera
é mais nervosa (oh!, a placidez de Abril Despedaçado!)
e o mundo é mais complexo do que aquilo que poderíamos supor.
O subtexto de salvação do país marca do cinema
de WS ainda está lá, sem dúvida, porém
mais matizado. Seria estigmatizar demais dizer que a Salles cabe a parte
"topo do prédio" (a utopia) enquanto a Thomas cabe a morte na praia
(a dura realidade) em O Primeiro Dia? Não vamos tão
longe. Fiquemos com a maior força de encenação desses
filmes e esperemos pelo momento em que Daniela Thomas possa seguir sua
carreira solo. (R.G.)
VENTURI,
Toni
(1997- O Velho,
2000 Latitude Zero, finalização de Cabra
Cega)
Entre a estréia em
longa-metragem, com o documentário histórico O Velho
– A História de Luiz Carlos Prestes, e o controvertido primeiro
longa de ficção, Latitude Zero, Toni Venturi ainda
não evidencia um projeto, estético ou dramático,
ao menos no sentido de uma obra que, guardadas as especificidades de cada
filme, componham um universo reconhecível. Pode-se vislumbrar apenas
um desejo de filmar as fraturas políticas e sociais brasileiras
a partir da trajetória de indivíduos submetidos a situações
radicais. Isso talvez comece a ser melhor esboçado com Cabra
Cega, em finalização, no qual conta uma história
sobre guerrilheiros urbanos durante o regime militar. Como preparação,
fez No Olho do Furacão, reunião de depoimentos de
ex-guerrilheiros que, embora tenha bons momentos de memórias individuais,
é sabotado por uma narrativa anêmica, que não entra
em sintonia com o material colhido. Nos dois filmes lançados comercialmente,
o diretor olha tanto para um personagem macro, que traz consigo a História
do Brasil no século XX, como personagens micros, cujas histórias
estãoà margem da História. O Velho é
uma visão tão desmistificadora quanto respeitosa de um ícone
da esquerda revolucionária. Latitude Zero expõe uma
situação limite e de impasse em um ambiente abandonado,
na qual a exasperação e o desespero dos personagens é
extravasado pelos atores, mas encontra contraponto em uma encenação
sóbria para um contexto tão claudicante. Venturi é
um dos militantes, na teoria e na prática, de um cinema de baixo
orçamento. Seus primeiros passos no curta-metragem, com os documentários
Under the Table e Guerras (sobre Antonio José, o
Judeu), e com a ficção futurista 1999, não chegaram
a entrar na sala vip do segmento. Formado em cinema na Ruerson University,
em Toronto (Canadá), onde estudou entre 1980 e 1984, Venturi retornou
ao Brasil em 1985. Trabalhou com publicidade e em televisão nos
anos 90 (Gente Que Faz, Conexão Roberto D Avila, Teletubbies).
Também produziu para o teatro (a peça Espírito
da Terra, performance musical de sua esposa, Débora Duboc).
Parte da renovação do cinema paulista nos anos 90, com sintonia
mais fina com cineastas que expõem os impasses do país por
meio de situações específicas, Toni Venturi tem à
frente o desafio de fazer filmes à altura de uma proposta contundente
ainda em construção. (C.E.)
VIEIRA,
Clóvis
(1996 Cassiopéia)
Ao lançar seu longa em 1996, Clóvis Vieira destacava que
era o primeiro longa do mundo todo feito com animação em
computadores, reforçando isso especialmente pelo lançamento
bem próximo de Toy Story. A obsessão com esta informação
indica claramente algumas das principais falhas de Cassiopéia,
que acaba tendo uma cara de "software demonstration", deixando
de lado aquilo que se tornaria o principal mérito dos filmes da
Pixar: a capacidade de juntar maestria técnica com a formulação
de narrativas de enorme inteligência, humor e dramaturgia sofisticada.
O filme de Vieira resulta um tanto frio, especialmente por contar uma
história que se assemelha mais a um episódio de Jornada
das Estrelas (inclusive com todo o fetiche da linguagem técnica-futurista
desta) do que a um filme pensado para o público infantil. Ainda
assim tem méritos inegáveis na sua realização
técnica, em especial um cuidadoso trabalho de som. Trabalhando
com animação desde 1970, Vieira tem se dedicado a um novo
projeto, cujo lançamento ele prevê para 2005, O Segredo
de Galileo. No meio tempo, dá cursos sobre animação
digital em 3-D, com a qual trabalha. (E.V.)
VILLAÇA,
Luiz
(1999 Por
Trás do Pano, 2003 Cristina quer Casar)
Certamente o trabalho mais
conhecido de Villaça (pelo menos em termos de total de espectadores)
é a série televisiva Retrato Falado, de muito sucesso nas
noites de domingo. Estreou em longa com o apenas razoável Por
Trás do Pano. Denise Fraga, sua esposa na vida real, aparece
em um papel dramático que não abdica do humor. A estrela
em ascensão, dentro do filme, tem seu casamento abalado por um
outro amor, o teatro. Casais em crise. Diretor da peça e atriz
deslumbrada vivem momentos de dúvida com seus respectivos parceiros.
A ciranda amorosa ganha contornos limitados, graças a um certo
medo de extrapolar, de ir fundo nas agruras dos personagens. Ainda assim,
permitia que se esperasse mais do diretor. Pena que seu segundo filme
escorregue no uso de fórmulas. Cristina quer Casar revela-se
preguiçoso, encastelado nas armadilhas de um gênero, a comédia
romântica. Entre o exagero de Denise Fraga e a contenção
de Marco Ricca existe um abismo de tom de interpretação
que o diretor é incapaz de solucionar. A preocupação
social, que poderia ganhar contornos mais interessantes, serve apenas
como instrumento de chantagem para fisgar o espectador. Luiz Villaça
parece ter se tornado prisioneiro de seus sucessos globais. Se assim for,
pouco podemos esperar de seu cinema. (S.A.)
WADDINGTON,
Andrucha
(1999 Gêmeas, 2000 Eu, Tu, Eles,
2002 Viva São João!)
Megapremiado como diretor
de videoclips e publicidades pela Conspiração Filmes, da
qual é sócio, Andrucha Waddington teve uma carreira precoce
no cinema como assistente de direção (Dias Melhores Virão
de Carlos Diegues, A Grande Arte de Walter Salles, Brincando
nos Campos do Senhor de Hector Babenco). Depois da experiência
com clips, documentários em vídeo e publicidade, foi retomar
o cinema com Gêmeas. Inicialmente um curta para integrar
o projeto Traição, Gêmeas acabou tornando-se
um longa-metragem, mas se inscreve perfeitamente no universo temático
(Nélson Rodrigues) e estético (luz e cenografia "casinha
de bonecas") do primeiro filme. Juntas, essas duas obras previam o pior
para o "cinema da Conspiração": ausência de dramaturgia,
superficialidade de encenação, obsessão técnica
esterilizante eram uma constante. Eu, Tu, Eles, segundo filme de
Waddington, nos mostrou apressados neste julgamento: vontade infinita
de ficção, o filme enreda a mulher numa teia de três
homens, mas quem fica preso são eles; e por fim, se alguém
tenta sair da rede, é novamente aí reincluído. Viva
São João! persegue essa mesma preocupação:
se esquivar do raciocínio tacanho de ter que fazer com que problemas
insolúveis tenham sua solução simplesmente porque
é um axioma do cinema mais convencional. De quebra, com esses dois
filmes Andrucha Waddington adquire uma confiança na câmera
que não passa mais pelo delírio técnico de seus trabalhos
para publicidade. Podemos esperar dele um magnífico plano panorâmico
de quase 720º, uma cena carregada de ambigüidade com GIlberto Gil
ou um pôr do sol ao mesmo tempo artificial e real no sertão.
De sintoma a autor em dois filmes, isso não parece ser velocidade
demais para Waddington. (R.G.)
WERNECK,
Sandra
(1996 Pequeno
Dicionário Amoroso, 2001 Amores Possíveis)
A comédia de costumes
é um dos poucos gêneros no qual o cinema brasileiro tradicionalmente
manteve um bom contato com o público, e é nele que Sandra
Werneck investiu com seus dois longas, Pequeno Dicionário Amoroso
e Amores Possíveis (depois de alguns trabalhos em curtas,
em sua maioria documentais), trabalhos que lhe garantiram algum renome
graças a um razoável retorno do público. Ambos os
filmes tentam buscar um diferencial via roteiros (ambos escritos por Paulo
Halm, o primeiro co-escrito por José Roberto Torero) bastante trabalhados
que tentam vender uma idéia de não-linearidade, e na fotografia
de Walter Carvalho. Isto não consegue esconder as limitações
estéticas e a obviedade da encenação que marcam ambos
os trabalhos de Werneck. A popularidade de seus filmes deve-se muito a
forma como eles dialogam com a televisão, muito mais, até
mesmo, do que filmes derivados diretamente da TV como Caramuru.
O cinema de Sandra Werneck parece fazer muito mais sentido visto na tela
pequena, e não pensamos aqui no que a televisão tem de potencialmente
mais interessante, mas no seu aspecto mais pobre onde a imagem se torna
mera ilustração do texto. No momento, Werneck (em parceria
com Carvalho) tenta dar um passo maior filmando uma biografia do cantor
Cazuza. Resta saber se, retirado o referencial da comédia de costume,
o cinema de Sandra Werneck continuará capaz de manter algum contato
com o público, o que vem sendo até aqui o seu único
ponto de interesse, ou se alçará vôos artísticos
mais inesperados. (F.F.)
ZARAGOZA, José
(1999 – Até que a Vida nos Separe)
José Zaragoza construiu uma das carreiras
mais bem sucedidas no meio publicitário brasileiro. No momento em que
a produção de cinema brasileiro começou a se restabelecer resolveu tentar
a sorte como cineasta. Muitos torceram o nariz para as origens do diretor,
mas a respeito da estréia de Zaragoza pode-se dizer que não é um filme
especialmente mais devedor da publicidade do que diversos outros aos quais
este preconceito não é impingido. Isso dito, muito pouco fica desta incursão
de Zaragoza pelo cinema, um compêndio de fobias da elite paulistana desprovido
de valor estético. Há no filme sinais de que o diretor gostaria
de se filiar a uma certa tradição do cinema paulistano (em particular,
o de Walter Hugo Khouri), mas dentro das grandes limitações estéticas
do filme quase nada disso vai além de um esboço caricatural. Nada que
faça com que se possa destacar Zaragoza dos diversos outros cineastas
de um filme só do cinema brasileiro recente. (F.F.)
Verbetes redigidos
por Alexandre Werneck, Carim Azeddine, Cléber Eduardo, Daniel Caetano,
Eduardo Valente, Estevão Garcia, Felipe Bragança, Fernando
Veríssimo, Filipe Furtado, Gilberto Silva Jr., João Mors
Cabral, Luiz Alberto Rocha Melo, Luiz Carlos Oliveira Jr., Ruy Gardnier
e Sérgio Alpendre.
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