Dicionário estreantes S-Z

SACRAMENTO, Paulo
SALLES, João Moreira
SANTOS, Lucélia
SANTUCCI, Roberto
SCHULTZ, Medeiros
SILVA, Sérgio
SOLBERG, Helena
S
OUZA, Beto (ver RUAS)
STOCKLER, Alexandre
STURM, André

SVARTMAN, Rosane
TAMBELLINI, Flávio R.
TARANTO, Marcelo
TEIXEIRA, Chico
THOMAS, Daniela
VENTURI, Toni

VIEIRA, Clóvis

VILLAÇA, Luiz
WADDINGTON, Andrucha
WERNECK, Sandra
ZARAGOZA, José

SACRAMENTO, Paulo
(2003 – O Prisioneiro da Grade de Ferro (auto-retratos))
Desde o início da década de 90, quando realiza dois dos curtas mais radicais e impressionantes do período (Ave!, de 1992, e Juvenília, de 1994), esperávamos pela estréia de Sacramento em longas, o que se deu neste ano com o igualmente impactante O Prisioneiro da Grade de Ferro. Antes desta estréia, porém, Sacramento já tinha demonstrado em suas outras "encarnações cinematográficas" que não abre mão de seu projeto de um cinema que tente, acima de tudo, colocar o dedo nas feridas nacionais (é montador de Cronicamente Inviável e produtor e montador de Amarelo Manga, por exemplo). Coerente com um caminho que começa nos bancos do curso de cinema da ECA-USP, onde forma um grupo chamado de Paraísos Artificiais, produtora-relâmpago que em poucos anos fez mais de dez curtas, todos preocupados em ousar na linguagem cinematográfica ao mesmo tempo em que lidando com uma herança de um cinema marginal no sentido mais amplo do termo (e na qual trabalhou com figuras igualmente talentosas, como Deborah Waldman, Paolo Gregori, Christian Saghaard, Marcelo Toledo, Murilo Mathias). Sacramento passou mais de 5 anos envolvido com o projeto deste seu filme, que começou como uma tentativa de falar do universo carcerário brasileiro, e foi se tornando mais e mais uma reflexão sobre o que é "estar preso", centrado no complexo do Carandiru. Os maiores elogios que se pode fazer ao filme, como documentário, são seu reconhecimento da impossibilidade de totalizar esta experiência (o filme se assume na sua forma como fragmentos de uma realidade) e, acima de tudo, sua capacidade de ser algo completamente diferente do que havia sido planejado. Como documentarista, especificamente, Sacramento demonstra a generosidade de não ter o filme pronto ao sair para filmar. E, nele, o formato de "entregar a câmera aos detentos" –que poderia facilmente descambar numa auto-indulgência ou complacência total- faz com que o filme atinja um grau acima de relevância e sensibilidade com a delicadeza de um assunto que, muito tratado e filmado recentemente, corria o risco de se banalizar. De Sacramento se espera muito no futuro, seja qual dos chapéus decidir vestir a seguir (cineasta de ficção, documentarista, produtor, montador, etc). (E.V.)

SALLES, João Moreira
(2003 – Nelson Freire)
Apenas listando sua produção já se percebe que, à sua maneira discreta, João Moreira Salles impôs sua presença e sua influência na produção documental brasileira recente. Começou a produzir filmes documentários já no final dos anos 80, nas séries América, Blues e China, exibidas pela Rede Manchete. Fez curtas (Poesia é Uma ou Duas Linhas e Atrás Uma Imensa Paisagem, sobre a escritora Ana Cristina César), produziu e dirigiu a série de três filmes Futebol (em parceria com Artur Fontes) - em que é especialmente admirável o terceiro episódio, Futebol 3: Depois da Partida, tendo como personagem um jogador já aposentado, Paulo César "Caju" Lima -, co-assinou com Kátia Lund a realização de Notícias de Uma Guerra Particular, documentário sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, e produziu dois filmes em parceria com o jornalista Marcos Sá Corrêa dentro da série Seis Histórias Brasileiras. Mantém, com o irmão Walter Salles, a produtora VideoFilmes, cada vez mais influente e decisiva no cenário de produção nacional - e, em 2003, estreou seu primeiro longa-metragem feito para o cinema, Nelson Freire. Trata-se de um cineasta com um projeto estético e ético bastante claro, goste-se ou não de suas opções. Combinando a essa firmeza de propósitos uma bem-sucedida aproximação dos personagens retratados (no fim das contas, a questão mais complexa e menos teorizável do filme documental), seus filmes não raro nos surpreendem com uma força admirável - ainda que evidenciem não só as qualidades como também os pontos críticos de seu projeto estético, sobretudo o risco de resvalar num certo moralismo conservador. Isso é especialmente claro na relação com um tema problemático como o de Notícias de Uma Guerra Particular, que parece mais preocupado em se chocar com a realidade (de uma situação de confronto à lei constante, generalizado, organizado e armado) que em investigar a indigência dos pressupostos dos discursos que documenta (certezas e culpados ao filme não faltam: se não fosse a miséria e a falta de política social, se não fossem os drogados da Zona Sul, se não fosse a corrupção policial...) - de toda maneira, é um risco que corre ocasionalmente quem se dispõe a fazer opções claras em questões éticas e sociais. É também professor (tanto em universidades particulares como em comunidades carentes) e colunista ocasional do site Nominimo - no site que originou este, o NoPonto, publicou uma série de artigos onde fazia um histórico pessoal da simplicidade artística, passando por comediantes mudos, pintores renascentistas e até São Francisco de Assis. Mais do que uma curiosidade, é uma defesa consistente do caminho que indica pretender seguir. Seu próximo projeto, em finalização, focaliza a campanha de Lula na eleição presidencial de 2002. (D.C.)


SANTOS, Lucélia

(2001-Timor Lorosae – O Massacre que o Mundo Não Viu)
A novela Escrava Isaura, lançada pela TV Globo em 1976, tornou conhecida esta atriz que, desde então, construiu uma sólida carreira em televisão e cinema. Neste se destacou principalmente durante a década de 80, em adaptações de textos de Nelson Rodrigues (Engraçadinha, Bonitinha mas Ordinária) e no papel-título de Luz del Fuego, de David Neves. O sucesso internacional de Escrava Isaura fez de Lucélia uma celebridade em diversos países ao redor do mundo, como a China, levando a atriz a constantes viagens. Numa destas, tomou contato com o drama do Timor Leste e sua população dizimada após anos de ocupação pela Indonésia. Dirigindo e escrevendo o roteiro em parceria com seu filho Pedro Neshling, Lucélia realizou Timor Lorosae – O Massacre Que O Mundo Não Viu, documentário que apresenta de forma bastante eficiente e didática a história trágica do povo timorense, mas que muitas vezes falha em transcender a tênue linha entre a reportagem e o cinema-documentário. Com formato aparentemente mais indicado para exibição em TVs a cabo, certamente o prestígio da atriz ajudou a conseguir seu lançamento, embora restrito, nas salas de cinema. Em recente entrevista, Lucélia demonstra interesse em retomar o ofício de diretora, mas não apresenta um projeto concreto (documentário? ficção?), permanecendo uma incógnita o futuro de sua carreira como cineasta. (G.S.)

SANTUCCI, Roberto
(1999 – Olé – Um Movie Cabra da Peste, 2001 – Bellini e a Esfinge)
Depois de formar-se em Comunicação pela PUC-Rio, Santucci foi para a Califórnia, onde estudou cinema na UCLA e no Columbia College. Depois de dois curtas em 16mm (Helpless e Bienvenido a Brazil) e experiência como assistente de montagem em dois filmes hollywoodianos (Lendas da Paixão e Código de Honra), decidiu problematizar a fascinação que os EUA exercem sobre o Brasil em Olé, um Movie Cabra da Peste. Nele, Raimundo de Jesus viaja ao país de Tio Sam para procurar sua irmã "Sivirina" e trazê-la de volta ao país antes que sua mãe morra sem rever a filha. Feito de forma precária e com baixíssimo orçamento (US$24 mil), Olé não compensa o pouco dinheiro com grandes idéias. A exploração cômica do universo nordestino chega por vezes ao ignóbil e o tom farsesco presta-se muito pouco à história contada. Mesmo assim, ainda se vê um certo esmero no artesanato narrativo. A linha é perseguida em Bellini e a Esfinge, espécie de policial noir passado no bas-fonds de prostutição e jogos de São Paulo. Mais feliz do que Bufo e Spallanzani, lançado um ano antes, a maior graça do filme é o bom acabamento e a impressão de um produto ágil e sólido, porém levemente despido de interesse maior. A acompanhar a continuação de sua trajetória, com interesse relativo. (R.G.)

SCHULTZ, Medeiros
(2001 – Imperatriz do Carnaval)
Morando nos EUA desde os 15 anos de idade, o paulista Schultz se formou em cinema na University of Central Florida, onde realiza curtas, e depois trabalha com audiovisuais sempre baseado na Flórida. Tem a idéia de um longa de ficção sobre a preparação de um desfile de carnaval, mas no meio da pesquisa acaba decidindo por fazer um documentário, que é este seu longa de estréia. Realizado em digital, e só kinescopado depois de suas primeiras exibições neste formato, Imperatriz do Carnaval tem tido exibições exclusivamente em festivais. Tanto a história do cineasta (que se confessou fascinado pelo tema a partir do filme Orfeu do Carnaval, e que desconhecia quase completamente o universo real das escolas de samba antes da filmagem) quanto os caminhos do filme em sua realização (consegue sua viabiliazação financeira com um empresário brasileiro no exterior, tem um site cujo nome é em inglês, representa o Brasil em festivais internacionais, etc) indicam um filme tipicamente "brasilianista", ou seja, fascinado como um estrangeiro pela imagem do Brasil no que ele teria de mais típico (ou talvez tipificante): seu carnaval. No entanto, o filme é bem melhor resolvido (dentro de seu formato tipicamente jornalístico) do que se poderia esperar, assumindo sua condição externa e, ao fazê-lo, conseguindo traçar um painel bastante informativo do processo de organização do desfile de uma escola de samba (desde a escolha do samba até o desfile das campeãs – no que Schultz mostrou-se bastante feliz ao escolher a Imperatriz Leopoldinense como objeto). Certamente não é um filme que nos faça esperar maiores vôos do seu realizador, mas possui méritos dentro das limitações de proposta que o originam. (E.V.)

SILVA, Sérgio
(1997 – Anahy de las Missiones, em lançamento – Noite de São João)
Seu curta O Zeppelin Passou por Aqui (que se passa no início do século 20) é muito agradável de se ver, uma das melhores surpresas daquele início de retomada. Atores bem escalados, decupagem correta, montagem eficiente: uma comédia de costumes com ritmo exemplar. Com seu primeiro longa, no entanto, Sérgio Silva patina um pouco no drama regional de pretensões épicas. Com os personagens falando a linguagem do século passado (a trama se passa na época da Guerra dos Farrapos, 1835-1845), em uma algo desnecessária reverência à veracidade histórica, e as imagens dos pampas gaúchos servindo de escada visual para um roteiro não de todo bem desenvolvido, pouco se salva neste exercício de "cinema de qualidade" que remete a marca Claude Berri do cinema francês. Resta saber se em Noite de São João, outro drama histórico (desta vez inspirado em Senhorita Júlia, de Strindberg), Sérgio Silva conseguiu deixar o aspecto histórico menos importante do que o destino de seus personagens. O filme passa no Festival de Gramado de 2003, agora em agosto. (S.A.)

SOLBERG, Helena
(1995 - Carmem Miranda – Banana Is My Business)
Trabalhou como atriz (Capitu, de Saraceni) e assistente de direção (em, por exemplo, A Mulher de Todos, de Sganzerla). Realizou diversos curtas e documentários, sobretudo em torno de questões políticas (fez em 1981 um documentário sobre a revolução nicaraguense e a reconstrução que se seguiu, por exemplo) e sociais (como as questões dos direitos femininos), sendo várias vezes premiada em festivais internacionais. Há anos alterna períodos morando no Brasil e nos EUA. Seu primeiro longa-metragem, Banana Is My Business, conta a história de Carmem Miranda. Partindo de um tema já conhecido e tremendamente melodramático, arriscando-se a cair em interpretações clichês sobre o país e adotando o procedimento da narração em primeira pessoa em off, o filme conseguiu acertar de forma admirável um tom adequado entre um certo olhar subjetivo e uma história de sucesso artístico e falência da vida privada. Soube contar com inteligência e de forma envolvente o fascínio da figura de Carmem Miranda e da história profissional e pessoal de Carmem. Está finalizando seu segundo longa-metragem, O Brilho Das Coisas. (DC)

SOUZA, Beto (ver RUAS)

STOCKLER, Alexandre
(2002 – Cama de Gato)
Certamente um dos mais jovens cineastas brasileiros a estrear em longa na década, Stockler tem seu Cama de Gato exibido em Brasília aos 29 anos. Formado em teatro pela USP, ele começa como ator até que em 1999 lança com amigos o manifesto T.R.A.U.M.A. (Tentativa de Realizar Algo de Urgente e Minimamente Audacioso), que serve de base para este longa. Esperta jogada de marketing que tenta nadar nas águas do Dogma, parece ter funcionado a julgar pela repercussão do filme em alguns festivais internacionais. Realizado de forma baratíssima em digital (uma das propostas do manifesto é a de um cinema possível), o filme causou algum frisson em Brasília também, mas permanece inédito nos circuitos comerciais. Tratando de uma noite de um grupo de meninos bem nascidos paulistanos, que incluirá estupro e assassinatos, o filme tenta ser uma denúncia da falta de conceitos morais e éticos de uma certa elite nacional. Eventualmente acertando na urgência da encenação, o filme erra, porém, sempre que resolve ser "professoral" e culpabilizador, como por exemplo com a utilização de depoimentos documentais para abrir e fechar a história. Tem ainda um inegável humor sádico e desumanizado na forma de encenar a violência, o que certamente o torna bem menos diferente dos seus protagonistas do que gostaria de ser. Difícil dizer se, deixando de lado a pose e o desejo de chocar, Stockler tem algo de mais profundo a mostrar. Por enquanto, nenhum trauma à vista. (E.V.)

STURM, André
(2002- Sonhos Tropicais)
À frente da Pandora Filmes, André Sturm vem se destacando como distribuidor, permitindo que o público brasileiro tenha no circuito comercial alguns belos filmes (O Filho, Longe do Paraíso, para ficar em dois favoritos recentes da revista). Decidiu se arriscar na direção (depois de algumas experiências em curtas) com Sonhos Tropicais, um filme histórico sobre a revolta da vacina. Infelizmente, se fica claro no filme o bom tato de Sturm como distribuidor (boa visibilidade á época do lançamento) e como produtor (produção caprichada, a exceção de umas poucas cenas onde fica patente as dificuldades de fazer este tipo de filme de época no Brasil), o mesmo não se pode dizer do seu trabalho como diretor. Falta nessa estréia de Sturm imaginação e, especialmente, um trabalho mais cuidadoso tanto na construção de cenas como na direção de atores, que freqüentemente emperram o filme, mesmo quando consegue se reconhecer boas idéias no projeto. Ao final, apesar de passar longe de ser um mau filme, Sonhos Tropicais não deixa de nos fazer esperar mais de Sturm no futuro como produtor/distribuidor do que como diretor. (F.F.)

SVARTMAN, Rosane
(1997 – Como Ser Solteiro)
Formada em cinema pela UFF, Rosane Svartman, que possui uma numerosa obra em curta-metragem com filmes como Anjos Urbanos, Brazilian Boys, Moleques e O Cabeça de Copacabana, fez Como Ser Solteiro, seu, até o momento, único longa-metragem (inicialmente chamado Como Ser Solteiro no Rio de Janeiro). Seu nome aparece também como colaboradora em outros curtas, tendo inclusive já trabalhado com Cacá Diegues como roteirista em seu filme Veja Esta Canção. Esse seu lado criador é bem desenvolvido em produções para TV: Rosane escreveu séries para Multishow (onde também dirigiu uma série com o mesmo nome Como ser solteiro, baseada no seu longa), Canal Brasil e Canal Futura, além de ter escrito para o Muvuca, na Rede Globo, onde também dirigiu a série Garotas de Programa e Casseta e Planeta Urgente durante algum tempo. Como Ser Solteiro é um filme que opta por estabelecer uma identificação inicial fácil com o público através da utilização de um conjunto de estrelas já bastante conhecidas da televisão e do universo "pop" em geral. O filme, um apanhado de situações amorosas que se passa com personagens tipicamente "cariocas", queria se aproveitar desse universo para criar um vínculo com um público espectador que se imaginou ideal: a classe média jovem da Zona Sul do Rio de Janeiro (embora a retirada da parte final do título no lançamento indique uma tentativa de abertura aos outros mercados do Brasil). O resultado é uma obra que trata de alguns problemas dessa classe social de maneira superficial, pouco diferente do já visto em tantos programas de TV, com um trabalho formalmente pouco interessante. Rosane Svartman (dona de uma grande lista de editais de roteiro ganhos, atualmente a única maneira realmente segura de concretizar projetos) teve em 2001 seu Algo de Novo escolhido pelo Procine (Programa Estadual de Apoio ao Cinema – RJ) e pelo BNDES para receber apoios para a produção, mas de lá para cá não se ouviu mais sobre o filme. Seja como for, somente as adversidades da etapa de captação parecem atrapalhar Rosane Svartman na feitura de mais um longa. Sua determinação e a maneira como se entrega a inúmeros trabalhos pode indicar que mais cedo ou mais tarde alguma coisa nova acabará aparecendo. (JMC)

TAMBELLINI, Flávio R
(2000 – Bufo e Spallanzani)
Embora sua estréia na direção de longa-metragem seja recente, Flávio R. Tambellini já trabalha com cinema há uns bons vinte anos, sendo daqueles nomes que volta e meia aparecem nos créditos de um filme. Desde assistência de direção (O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco, e Gabriela, de Bruno Barreto) e ator coadjuvante em Luar Sobre Parador (aquela fraca comédia que parodia a ditadura de um país caribenho "fictício", com Raul Julia, Richard Dreyfuss e Sonia Braga no elenco) até (co)roteirista (Um Copo de Cólera, Garota Dourada), diretor (o curta Tim Maia, documentários e um longa de ficção) e produtor – este último cargo concentrando a maior parte de suas energias (Carandiru, Janela da Alma, O Homem do Ano, A Ostra e o Vento e Gêmeas são só alguns exemplos) –, Tambellini já jogou em quase todas. Sua estréia na direção de um longa se deu com Bufo & Spallanzani, adaptação pouco convincente de Rubem Fonseca, cuja escrita aparentemente "já moldada para o cinema" pega de surpresa quem a transporta à tela sem algum cuidado – como foi o caso de Bufo & Spallanzani. O filme peca tanto na construção das personagens quanto na atmosfera, que capta um Rio de Janeiro de submundos e subtramas com lentes cinemascope demasiado limpas (ainda que o enquadramento tenda à confinação) e com cenas que beiram a esterilidade, tamanha a frieza e a caretice com que são trabalhados roteiro e direção. Flávio R. Tambellini deve muito de sua incursão precoce no cinema ao Flávio Tambellini pai, diretor e produtor de, entre outros, A Extorsão e O Beijo. É também de um roteiro do pai, Ravina, que saiu o nome da produtora hoje trabalhando a todo vapor na realização de vários projetos, dentre eles os próximos filmes de Walter Lima Jr. (Os Desafinados) e do próprio Flavio R. Tambellini (O Passageiro). (L.C.O.Jr.)

TARANTO, Marcelo
(2000 – A Hora Marcada)
Em seu filme de estréia, desempenhou múltiplas funções: foi produtor, co-roteirista (com Moisés Liporage) e fez a trilha musical. O resultado, porém, não é dos mais animadores, já que, como thriller, o filme não funciona, e, como intriga política, mostra-se um tanto ingênuo e superficial. A Hora Marcada se inclui numa perspectiva muito comum ao cinema da chamada "retomada": o apelo ao gênero do filme de suspense policial, bem sucedido em alguns casos (O Invasor e Os Matadores, ambos de Beto Brant). A Hora Marcada é ambientado na classe alta, num universo de empresários e acionistas da Bolsa de Valores, o que é curioso em se tratando de um cinema totalmente atrelado aos incentivos fiscais. No entanto, o empresário Mário Velasquez (Gracindo Júnior), seqüestrado por um quarteto de bandidos trapalhões liderados por Peçanha (Osmar Prado), antigo desafeto, não sofre por parte de Taranto um tratamento crítico além de alguns clichês desgastados (o empresário não liga para a família, é ambicioso e traiçoeiro, e vive um diálogo imaginário com a morte). Por outro lado, o seqüestro tem implicações puramente pessoais. O interessante em A Hora Marcada é que, mesmo sendo um filme típico da "retomada", há nele, ainda, muitos resquícios cinemanovistas, embora pouco elaborados. A atração pelo herói pertencente à classe alta, contraditório e culpado, é um dos principais indícios dessa filiação ao cinema novo. Com duas partes muito marcadas, A Hora Marcada não consegue manter a agilidade necessária ao filme de gênero e, por outro lado, não se aprofunda no drama psicológico de seus personagens. É uma espécie de Quentin Tarantino com ritmo de Gustavo Dahl. Mistura inquietante, mas que não chega a ser explosiva. (LARM)

TEIXEIRA, Chico
(2001 – Carrego Comigo)
Uma das revelações positivas da onda de intensificação do documentário brasileiro nos últimos anos. Esboçando em seus curtas e em seu único longa um olhar afetivo para universos propensos a serem tratados como exóticos, Chico Teixeira naturaliza seres humanos que, pelo senso comum, carregam o estigma de bizarro. Economista de formação, trabalhou em televisão antes de, no fim dos anos 80, dedicar-se ao cinema. Favelas (1989) e Velhice (1991) tiveram boa repercussão em festivais internacionais, mas foi Criaturas Que Nasciam em Segredo (1995), com suas duas dezenas de prêmios, que inseminou expectativa sobre seu futuro na atividade. Registrando depoimentos de alguns anões, o filme excede-se ocasionalmente no tom emocional e nos gracejos enciclopédicos de José Roberto Torero, um dos roteiristas, mas tem o mérito de ver os entrevistados sem compaixão, tampouco como atração de circo, embora com as peculiaridades geradas por sua condição natural. Em Carrego Comigo, a estréia em longa, repete o acerto. Usa entrevistas de um grupo de gêmeos univitelinos, uns famosos, outros desconhecidos do mundo midiático, para discutir, sobretudo, a afirmação de identidades, algo já complexo em uma contemporaneidade empenhada em aparar diferenças individuais, mas ainda mais problemático entre pessoas de aparência igual. Que venham outros filmes, outros temas, mas o mesmo respeito. (C.E.)

THOMAS, Daniela
(1995 – Terra Estrangeira, 1999 – O Primeiro Dia)
Trazendo até no sobrenome a marca da parceria com os homens, Daniela Thomas traça um curioso percurso no cinema brasileiro recente. Depois de um média-metragem rodado com Gerald Thomas no começo dos anos 80, seguiu uma prolífica e elogiada carreira em teatro no Brasil e fora, trabalhando como cenógrafa e diretora de arte principalmente, mas também como diretora (A Gaivota, de Tchékov). Os anos 90 viram Daniela Thomas realizando trabalhos junto com Walter Salles, inicialmente especiais para a tv, e depois cinema. Co-realizadora de Terra Estrangeira e O Primeiro Dia, fez com Walter Salles seus filmes mais orientados pela forma, os mais aventureiros e dinâmicos (e também os de narrativa menos populista). "Woman's touch", depreensão de um estilo mesmo como co-diretora ou simples coincidência? Em todo caso, nos filmes DT/WS os personagens têm mais direito a existir, a câmera é mais nervosa (oh!, a placidez de Abril Despedaçado!) e o mundo é mais complexo do que aquilo que poderíamos supor. O subtexto de salvação do país – marca do cinema de WS – ainda está lá, sem dúvida, porém mais matizado. Seria estigmatizar demais dizer que a Salles cabe a parte "topo do prédio" (a utopia) enquanto a Thomas cabe a morte na praia (a dura realidade) em O Primeiro Dia? Não vamos tão longe. Fiquemos com a maior força de encenação desses filmes e esperemos pelo momento em que Daniela Thomas possa seguir sua carreira solo. (R.G.)

VENTURI, Toni
(1997- O Velho, 2000 – Latitude Zero, finalização de Cabra Cega)
Entre a estréia em longa-metragem, com o documentário histórico O Velho – A História de Luiz Carlos Prestes, e o controvertido primeiro longa de ficção, Latitude Zero, Toni Venturi ainda não evidencia um projeto, estético ou dramático, ao menos no sentido de uma obra que, guardadas as especificidades de cada filme, componham um universo reconhecível. Pode-se vislumbrar apenas um desejo de filmar as fraturas políticas e sociais brasileiras a partir da trajetória de indivíduos submetidos a situações radicais. Isso talvez comece a ser melhor esboçado com Cabra Cega, em finalização, no qual conta uma história sobre guerrilheiros urbanos durante o regime militar. Como preparação, fez No Olho do Furacão, reunião de depoimentos de ex-guerrilheiros que, embora tenha bons momentos de memórias individuais, é sabotado por uma narrativa anêmica, que não entra em sintonia com o material colhido. Nos dois filmes lançados comercialmente, o diretor olha tanto para um personagem macro, que traz consigo a História do Brasil no século XX, como personagens micros, cujas histórias estãoà margem da História. O Velho é uma visão tão desmistificadora quanto respeitosa de um ícone da esquerda revolucionária. Latitude Zero expõe uma situação limite e de impasse em um ambiente abandonado, na qual a exasperação e o desespero dos personagens é extravasado pelos atores, mas encontra contraponto em uma encenação sóbria para um contexto tão claudicante. Venturi é um dos militantes, na teoria e na prática, de um cinema de baixo orçamento. Seus primeiros passos no curta-metragem, com os documentários Under the Table e Guerras (sobre Antonio José, o Judeu), e com a ficção futurista 1999, não chegaram a entrar na sala vip do segmento. Formado em cinema na Ruerson University, em Toronto (Canadá), onde estudou entre 1980 e 1984, Venturi retornou ao Brasil em 1985. Trabalhou com publicidade e em televisão nos anos 90 (Gente Que Faz, Conexão Roberto D Avila, Teletubbies). Também produziu para o teatro (a peça Espírito da Terra, performance musical de sua esposa, Débora Duboc). Parte da renovação do cinema paulista nos anos 90, com sintonia mais fina com cineastas que expõem os impasses do país por meio de situações específicas, Toni Venturi tem à frente o desafio de fazer filmes à altura de uma proposta contundente ainda em construção. (C.E.)

VIEIRA, Clóvis
(1996 – Cassiopéia)
Ao lançar seu longa em 1996, Clóvis Vieira destacava que era o primeiro longa do mundo todo feito com animação em computadores, reforçando isso especialmente pelo lançamento bem próximo de Toy Story. A obsessão com esta informação indica claramente algumas das principais falhas de Cassiopéia, que acaba tendo uma cara de "software demonstration", deixando de lado aquilo que se tornaria o principal mérito dos filmes da Pixar: a capacidade de juntar maestria técnica com a formulação de narrativas de enorme inteligência, humor e dramaturgia sofisticada. O filme de Vieira resulta um tanto frio, especialmente por contar uma história que se assemelha mais a um episódio de Jornada das Estrelas (inclusive com todo o fetiche da linguagem técnica-futurista desta) do que a um filme pensado para o público infantil. Ainda assim tem méritos inegáveis na sua realização técnica, em especial um cuidadoso trabalho de som. Trabalhando com animação desde 1970, Vieira tem se dedicado a um novo projeto, cujo lançamento ele prevê para 2005, O Segredo de Galileo. No meio tempo, dá cursos sobre animação digital em 3-D, com a qual trabalha. (E.V.)

VILLAÇA, Luiz
(1999 – Por Trás do Pano, 2003 – Cristina quer Casar)
Certamente o trabalho mais conhecido de Villaça (pelo menos em termos de total de espectadores) é a série televisiva Retrato Falado, de muito sucesso nas noites de domingo. Estreou em longa com o apenas razoável Por Trás do Pano. Denise Fraga, sua esposa na vida real, aparece em um papel dramático que não abdica do humor. A estrela em ascensão, dentro do filme, tem seu casamento abalado por um outro amor, o teatro. Casais em crise. Diretor da peça e atriz deslumbrada vivem momentos de dúvida com seus respectivos parceiros. A ciranda amorosa ganha contornos limitados, graças a um certo medo de extrapolar, de ir fundo nas agruras dos personagens. Ainda assim, permitia que se esperasse mais do diretor. Pena que seu segundo filme escorregue no uso de fórmulas. Cristina quer Casar revela-se preguiçoso, encastelado nas armadilhas de um gênero, a comédia romântica. Entre o exagero de Denise Fraga e a contenção de Marco Ricca existe um abismo de tom de interpretação que o diretor é incapaz de solucionar. A preocupação social, que poderia ganhar contornos mais interessantes, serve apenas como instrumento de chantagem para fisgar o espectador. Luiz Villaça parece ter se tornado prisioneiro de seus sucessos globais. Se assim for, pouco podemos esperar de seu cinema. (S.A.)

WADDINGTON, Andrucha
(1999 – Gêmeas, 2000 – Eu, Tu, Eles, 2002 – Viva São João!)
Megapremiado como diretor de videoclips e publicidades pela Conspiração Filmes, da qual é sócio, Andrucha Waddington teve uma carreira precoce no cinema como assistente de direção (Dias Melhores Virão de Carlos Diegues, A Grande Arte de Walter Salles, Brincando nos Campos do Senhor de Hector Babenco). Depois da experiência com clips, documentários em vídeo e publicidade, foi retomar o cinema com Gêmeas. Inicialmente um curta para integrar o projeto Traição, Gêmeas acabou tornando-se um longa-metragem, mas se inscreve perfeitamente no universo temático (Nélson Rodrigues) e estético (luz e cenografia "casinha de bonecas") do primeiro filme. Juntas, essas duas obras previam o pior para o "cinema da Conspiração": ausência de dramaturgia, superficialidade de encenação, obsessão técnica esterilizante eram uma constante. Eu, Tu, Eles, segundo filme de Waddington, nos mostrou apressados neste julgamento: vontade infinita de ficção, o filme enreda a mulher numa teia de três homens, mas quem fica preso são eles; e por fim, se alguém tenta sair da rede, é novamente aí reincluído. Viva São João! persegue essa mesma preocupação: se esquivar do raciocínio tacanho de ter que fazer com que problemas insolúveis tenham sua solução simplesmente porque é um axioma do cinema mais convencional. De quebra, com esses dois filmes Andrucha Waddington adquire uma confiança na câmera que não passa mais pelo delírio técnico de seus trabalhos para publicidade. Podemos esperar dele um magnífico plano panorâmico de quase 720º, uma cena carregada de ambigüidade com GIlberto Gil ou um pôr do sol ao mesmo tempo artificial e real no sertão. De sintoma a autor em dois filmes, isso não parece ser velocidade demais para Waddington. (R.G.)

WERNECK, Sandra
(1996 – Pequeno Dicionário Amoroso, 2001 – Amores Possíveis)
A comédia de costumes é um dos poucos gêneros no qual o cinema brasileiro tradicionalmente manteve um bom contato com o público, e é nele que Sandra Werneck investiu com seus dois longas, Pequeno Dicionário Amoroso e Amores Possíveis (depois de alguns trabalhos em curtas, em sua maioria documentais), trabalhos que lhe garantiram algum renome graças a um razoável retorno do público. Ambos os filmes tentam buscar um diferencial via roteiros (ambos escritos por Paulo Halm, o primeiro co-escrito por José Roberto Torero) bastante trabalhados que tentam vender uma idéia de não-linearidade, e na fotografia de Walter Carvalho. Isto não consegue esconder as limitações estéticas e a obviedade da encenação que marcam ambos os trabalhos de Werneck. A popularidade de seus filmes deve-se muito a forma como eles dialogam com a televisão, muito mais, até mesmo, do que filmes derivados diretamente da TV como Caramuru. O cinema de Sandra Werneck parece fazer muito mais sentido visto na tela pequena, e não pensamos aqui no que a televisão tem de potencialmente mais interessante, mas no seu aspecto mais pobre onde a imagem se torna mera ilustração do texto. No momento, Werneck (em parceria com Carvalho) tenta dar um passo maior filmando uma biografia do cantor Cazuza. Resta saber se, retirado o referencial da comédia de costume, o cinema de Sandra Werneck continuará capaz de manter algum contato com o público, o que vem sendo até aqui o seu único ponto de interesse, ou se alçará vôos artísticos mais inesperados. (F.F.)

ZARAGOZA, José
(1999 – Até que a Vida nos Separe)
José Zaragoza construiu uma das carreiras mais bem sucedidas no meio publicitário brasileiro. No momento em que a produção de cinema brasileiro começou a se restabelecer resolveu tentar a sorte como cineasta. Muitos torceram o nariz para as origens do diretor, mas a respeito da estréia de Zaragoza pode-se dizer que não é um filme especialmente mais devedor da publicidade do que diversos outros aos quais este preconceito não é impingido. Isso dito, muito pouco fica desta incursão de Zaragoza pelo cinema, um compêndio de fobias da elite paulistana desprovido de valor estético. Há no filme sinais de que o diretor gostaria de se filiar a uma certa tradição do cinema paulistano (em particular, o de Walter Hugo Khouri), mas dentro das grandes limitações estéticas do filme quase nada disso vai além de um esboço caricatural. Nada que faça com que se possa destacar Zaragoza dos diversos outros cineastas de um filme só do cinema brasileiro recente. (F.F.)

Verbetes redigidos por Alexandre Werneck, Carim Azeddine, Cléber Eduardo, Daniel Caetano, Eduardo Valente, Estevão Garcia, Felipe Bragança, Fernando Veríssimo, Filipe Furtado, Gilberto Silva Jr., João Mors Cabral, Luiz Alberto Rocha Melo, Luiz Carlos Oliveira Jr., Ruy Gardnier e Sérgio Alpendre.