Dicionário estreantes C-F

CAFFÉ, Eliane
CALDAS, Paulo
CAMURATI, Carla
CÂNDIDO, Flávio
CANOSA, Fabiano
CARON, Eduardo
CARVALHO, Luiz Fernando
CARVALHO, Walter
CASTRO, Erik de
CECÍLIO NETO, A. S.
CERDEIRA, Nereu
CHAMIE, Lina
CONDE, Rafael
DIAS, Rica
rdo
DIDIER, Aloísio
EWALD, Elizeu
FALCÃO, Renato
FELISTOQUE, Edu (ver Nereu CERDEIRA)
FEROLLA, Ludmilla
FERRAZ, Buza
FERRÉ, Luiz
FERREIRA, Lírio
FONSECA, José Henrique
FONTES, Arthur
FREDERI
CO, Flavio
FURTADO, Jorge

CAFFÉ, Eliane
(1998 – Kenoma, 2003 – Os Narradores de Javé)
Os dois longas da paulista Eliane Caffé não deixam dúvida: há uma tensão forte entre mitologia e pós-modernidade em seu cinema. Há um desejo de fazer um anacronismo do possível, de fazer o passado (mítico, através de histórias de origens, de fábulas totêmicas) e o futuro (tecnológico, impressionado com a atualidade, com o a música eletrônica e os samplers, com a internet, com a cultura pop) coexistirem em um presente lúdico, tanto em Kenoma, quanto em Narradores de Javé. Mas o mais interessante de sua biofilmografia, talvez, é o fato de que esse mesmo diálogo tenha sido produzido primeiramente em um documentário em curta: Caligrama, de 1995. Um filme sobre moradores de rua, mas que os filma através de um ponto de vista lúdico, sonora e imageticamente. Nele, constroem-se realidades através de signos meramente cognitivos. É quase um documentário poético. Pois ele é o mito primordial de seu cinema. Seus outros filmes seriam novos caligramas, ainda que não se repita como diretora. É um cinema que nutre uma busca por uma ancestralidade idealizada, é verdade, mas que não propõe essa idealização como uma determinação. Seus filmes são mais estruturas, sistemas que só não são puros porque se remetem para formas realistas. A carreira de Eliane, uma psicóloga formada que acabou indo estudar cinema em Cuba, foi recheada de prêmios, desde seus primeiros curtas, O nariz (1987) e Arabesco (1990), até os longas. Outro detalhe digno de nota: a simbiose da diretora com o ator José Dummont: protagonista de seus dois longas, o ator emprestou a Eliane o espaço físico e de linguagem sobre os quais construir suas mitologias. Seu cinema, embora não possa ser reduzido à pífia palavra de ordem retomadista de "diálogo com o público", não é "difícil". Não é pretensioso intelectualmente, embora pudesse ser. Dele há muito a se dizer e muito a se extrair. (A.W.)

CALDAS, Paulo
(1996 – Baile Perfumado, 2000 – O Rap do Pequeno Príncipe...)
Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco, Paulo Caldas participou do movimento cineclubista do Recife (PE), nos anos 80. Dirigiu filmes em super-8 e os curtas Nem Tudo São Flores (1985, 16mm) O Bandido da Sétima Luz (1986, 16mm) e Chá (1987, 35mm). Paulo Caldas pertence à geração que despontou em meados dos anos 80 e que, na década seguinte, buscou a renovação dos quadros da cinematografia recifense, juntamente com Adelina Pontual, Cláudio Assis, Hilton Lacerda e Lírio Ferreira. Esta geração mantém um diálogo muito forte com o manguebit (Chico Science, Nação Zumbi, Fred Zero Quatro e Mundo Livre), que também procurou retrabalhar as tradições locais numa perspectiva pop contemporânea. Através de Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe, Paulo Caldas alcançou reconhecimento de crítica e de público. Seus dois longa-metragens são co-direções (o primeiro, com Lírio Ferreira; o segundo, com Marcelo Luna). Talvez por isso seja difícil identificar em seu trabalho um estilo ou uma marca pessoal. No entanto, Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe. encontram pontos de contato na estilização do trabalho de câmera, muito próximo à estética do clipe e aos elaborados movimentos que nos remetem aos filmes dos irmãos Coen. Há também uma escolha temática semelhante: "Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe estabelecem, cada um à sua maneira – e respeitando os horizontes da ficção e do documentário – , a relação entre a imagem e a marginalidade, entre o cinema que constrói o mito e a apropriação que o seu objeto documental faz desta construção mitológica. Lampião sendo documentado por Benjamim Abrahão não difere muito do que Paulo Caldas e Marcelo Luna fizeram com Helinho (o justiceiro na cadeia) e Garnizé (o baterista da banda Faces do Subúrbio). No entanto, essas confluências estéticas e temáticas não traduzem propriamente e com segurança o estilo pessoal de Paulo Caldas, que pode vir a ser revelado com maior intensidade em um próximo trabalho. De qualquer maneira, Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe asseguram a Paulo Caldas um lugar proeminente na cinematografia brasileira pós-Collor. (LARM)

CAMURATI, Carla
(1994 – Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, 1998 – La Serva Padrona, 2001 – Copacabana)
Se existe uma situação de "retomada", certamente seu marco inicial é o sucesso de Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, filme de estréia de Carla Camurati, então com 35 anos de idade - o filme fez quase dois milhões de espectadores, número que sempre foi muita coisa no território nacional, mas que naquele momento era especialmente significativo. Camurati já era, então, atriz experiente em cinema e televisão - tendo obtido reconhecimento pelo talento e também mantido a imagem de mulher sensual - e já dirigira também um curta-metragem de estréia, A Mulher Fatal Encontra o Homem Ideal, em que trazia de forma irônica uma contraposição entre vida real e sonhos modelares - um filme que já mostrava seu interesse pelo tom farsesco. Carlota Joaquina seguiu este caminho, agora essencialmente ligado à interpretação histriônica e calcado na agressividade das nossas paródias de governos e costumes. Desrespeitoso e mitificador ao mesmo tempo, o filme soube manter um diálogo cheio de bom humor com uma certa tradição de mal-estar social já histórica. Em seguida, Camurati encontrou um projeto pouco atraente sob aspectos comerciais mas que, de certa forma, mostrava seus interesses como realizadora: La Serva Padrona é a filmagem de uma opereta - musical de gênero histriônico, no caso costurado por uma trama de subversão social. Voltou-se em seguida a um projeto mais ambicioso e mais palatável ao público: Copacabana pretendia retratar através de um personagem central a história da região e, ao mesmo tempo, as diversas pessoas (sobretudo idosos) que estão ligadas cotidiana e afetivamente ao bairro. Se tem seus belos momentos (em especial graças ao rendimento do excelente elenco, claro), o filme no entanto parece se perder entre a pequena crônica (quando se realiza bem) e o relato amplo (que não seduz). Com a experiência de ter distribuído seus filmes, Camurati abriu junto com duas sócias uma empresa produtora e distribuidora, a Copacabana Filmes. Seu próximo projeto se mantém fiel ao interesse por farsas e à ligação fundamental com os atores: é Irma Vap, a adaptação cinematográfica da peça que Marco Nanini e Ney Latorraca encenaram por anos. Entre uma certa placidez na encenação (que abre espaço para o trabalho do elenco) e uma ousadia em desrespeitar o que se espera de um bom cinema, Camurati consegue constantemente trazer uma certa surpresa, uma força admirável que sempre nos surpreende um pouco em seus trabalhos.(D.C.)

CÂNDIDO, Flávio
(1999 – A Terceira Morte de Joaquim Bolívar)
Formado em cinema pela UFF, Cândido estréia em longas com um filme tão simpático quanto de pouca permanência. A Terceira Morte de Joaquim Bolívar é um trabalho sintomático de uma esquerda incapaz de pensar o mundo hoje, um filme "velho" vindo de um jovem cineasta. Às vezes esteticamente confuso, com dificuldade de se assumir como farsa (o tom com o qual tem seus melhores momentos), é difícil extrair desta estréia de Cândido sinais de um projeto de cinema do qual possamos garantir melhores frutos futuros, mas há algo em sua inadequação, no que tem de datado, assim como na sua tentativa de dialogar com a chanchada e Humberto Mauro (momentos dos mais felizes da história do cinema brasileira que geração mais nova de cineastas parece preferir esquecer) que acaba deixando escapar algum encanto para sua estréia. Esperemos que nos surpreenda. (F.F.)

CANOSA, Fabiano
(2001- Eldorado – Lituanos no Brasil)
Antes de se mudar para Nova York, onde há muito tempo mora, Fabiano Canosa foi membro ilustre da "Geração Paissandu", tendo contribuído para as primeiras exibições de diretores como Godard e Truffaut ao público carioca. O trabalho que desenvolvia como programador de filmes na cinemateca do MAM do Rio e no Cinearte UFF em Niterói foi continuado em Nova York, cuja associação de críticos por duas vezes (1973 e 1996) premiou suas programações junto à distribuidora com que lá trabalha. Foi em parceria com o cineasta lituano Julius Ziz que Canosa resolveu encarar a direção de um filme. O resultado? Nada que rime com sua reputação como programador de mostras e festivais: Eldorado – Lituanos no Brasil, que passou batido por uma única sal(inh)a de cinema do Rio no final de 2002, é um documentário estranhamente narrado em inglês que começa burocrático (narração sóbria, imagens de arquivo, compromisso histórico), ganha ares de investigação poética, aborda questões raciais da maneira mais rasa possível (o discurso inflamado de Antônio Pitanga é inacreditavelmente descontextualizado) e termina com uma mensagem de otimismo e união entre povos – com direito a crepúsculo matinal na praia – tão ingênua quanto piegas. Filme realmente difícil de se compreender e apreciar. Se Fabiano Canosa pretende dar continuidade a uma carreira de cineasta apenas inaugurada ou não, o tempo esclarecerá. A tirar por seu único filme, contudo, há tamanha indefinição em relação a uma proposta de cinema que a impressão transmitida é de que ele mais emprestou seu prestígio e influência no meio cinematográfico (principalmente no Brasil) a Julius Ziz (personagem e narrador em primeira pessoa de Eldorado, ou seja, quem realmente assume a "voz" do filme), sem depositar muita força criativa no projeto. (L.C.O.Jr.)

CARON, Eduardo (com Mirella MARTINELLI)
(1998 – Terra do Mar)
Com experiência na realização de curta-metragens, o casal paulista Martinelli (montadora de diversos curtas) e Caron (com experiência em fotografia) estréia no longa-metragem com um documentário que mescla o mérito do ineditismo do espaço narrado (o litoral paranaense) com as limitações de uma proposta pouco definida de dramatização. Narrado quase que ininterruptamente por personagens locais, Terra do Mar consegue efetuar um belo trabalho de descoberta física de um universo, mas se enfraquece nas tentativas de expressar verbalmente o espírito de um objeto tão vasto e nuançado quanto o cotidiano de seus personagens. Não por acaso, a mais bela cena do filme é justamente a da velha senhora que vive sozinha numa cabana de madeira: sem nenhuma fala, nem qualquer explicação de seus hábitos. Ali, por alguns minutos, o cinema do casal alcança o lugar de encenação da espontaneidade que parece ter lhe escapado ao longo das demais seqüências. A forma de produção simples e o foco no desbravamento geográfico/ecológico do país parecem tornar inesgotáveis os objetos possíveis dos futuros projetos do casal. (F.B.)

CARVALHO, Luiz Fernando
(2001 – Lavoura Arcaica)
Luiz Fernando Carvalho nutre uma obsessão quase doentia pela palavra filmada. Ele parece dedicar tudo o que faz em cinema – inclusive quando faz cinema na TV, em oportunidades fora das novelas que dirigiu – à construção de um signo misto entre a palavra falada como expressão e a imagem como revelação. Por isso, talvez, tenha sido o diretor que mais longe foi no sentido de "fazer cinema" no cinema brasileiro recente. Lavoura arcaica é um fruto muito bem acabado de um pensamento cinematográfico que busca, ainda que movido por um desejo – por vezes incomodamente explícito demais – de ser guiado pelo êxtase, de construir um discurso singular sobre o mundo. As raízes dessa construção se encontram já no começo da carreira do cineasta, cujo primeiro filme, o curta-metragem A espera, foi inspirado nada menos do que em Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes. O filme, de 1986, foi escolhido o melhor curta nos festivais de Gramado e San Sebastian. Carvalho iria depois para a TV: lá, foi assistente de direção de Walter Avancini em Grande sertão: veredas. Em 1992 dirige Renascer, novela considerada um marco de contaminação da linguagem televisiva mais melodramática por uma dinâmica cinematográfica. Mas o caminho trilhado até Lavoura é mesmo o caminho da contaminação do cinema pela palavra e vice-versa. Dois outros trabalhos dele em TV teriam a mesma tônica: Uma mulher vestida de sol (1994) e A farsa da boa preguiça (1995), ambos programas especiais adaptados de textos bastante verborrágicos (no bom sentido) de Ariano Suassuna. Raduan Nassar seria o passo subseqüente, em duas etapas. A primeira, já definido que Lavoura existiria, foi o documentário Que teus olhos sejam atendidos, feito em 1997/1998 para o canal GNT. Na verdade, uma viagem feita pelos dois ao Líbano para conhecer a cultura que sustentava o livro de Raduan. Lavoura é a culminância desse processo, em que o trabalho de direção de elenco, a fotografia de Walter Carvalho, e a dinâmica palavra/imagem deixaram claro um projeto de um cinema não apenas grandioso, mas, sobretudo, profundo. O filme impressiona até por não cair na imagem mais óbvia um "filme brasileiro atual", não ser "sociologizóide", embora possa até ser chamado de antropológico. De Carvalho, é preciso dizer, é difícil saber o que se pode esperar, pois ele já fez muito. Seu primeiro longa de ficção é um manifesto, uma trama contra o fascismo da linguagem. Para o futuro, o que a libertação que conquistou pode fazer, é difícil afirmar. (A.W.)

CARVALHO, Walter
(2001 – Janela da Alma)
No cinema da Lei do Audiovisual, o paraibano Walter Carvalho se tornou o diretor de fotografia mais prolífico e habitual, o mais celebrado e aquele que se transformou em uma grife. Desde 1995, fez a luz e a câmera de quase 20 longas (sua carreira toda soma mais de 60 filmes, entre longas, curtas e médias, sem contar seus trabalhos para a televisão, na qual foi o primeiro diretor de fotografia a trabalhar como fotógrafo em uma novela no país, em Renascer, em 1992), entre eles, a filmografia inteira de Walter Salles no período. Em todos reinará o conflito entre o fotógrafo performático, o produtor de imagens sedutoras, quase auto-suficientes (muitas vezes usado por diretores para que suas imagens adotem um sentido de produto) e o crítico do "tédio da comunicação" de Paul Valery, que põe em xeque o próprio estatuto da produção de imagens. Pois, ao mesmo tempo em que seu nome se tornou sinônimo de capacidade para ousar – o que fica demonstrado na corda bamba focal que é Madame Satã ou em Lavoura Arcaica – tornou-se também ícone de produto elegante e de qualidade, fazendo dele o preferido de um cinema que tenta se afirmar como indústria, com trabalhos de fácil diálogo com a audiência e que se apóia justamente em uma visualidade sedutora, como Pequeno dicionário amoroso e Amores possíveis, ambos de Sandra Werneck. Sandra, aliás, se tornará um capítulo à parte no trabalho de Carvalho: além de ter sido o fotógrafo de três curtas e desses dois primeiros longas da cineasta, o fotógrafo passa a condição de co-diretor de seu terceiro e mais recente longa, O tempo não pára, cinebiografia do músico Cazuza, agora em filmagem. Até agora, Carvalho, como cineasta, não demonstrava interesse pela ficção: seu primeiro longa, Janela da alma (dividido com João Jardim), e seus projetos em ação pareciam apontar para o documentarismo, que marca também seu trabalho como fotógrafo de imagem parada. E, embora essa observação pareça óbvia, é pertinente notar a centralidade dada por Carvalho em seus trabalhos como diretor à criação de um discurso sobre a visualidade. Seu outro longa em curso é um projeto também documental, Filme de cinema (apanhado de histórias de personagens que fazem ou exibem cinema, em que Carvalho ouve de diretores como Ken Loach ou Hector Babenco a projecionistas). Além dele, Carvalho acaba de entregar ao mercado o DVD do músico pernambucano Antônio Nóbrega, seu único trabalho como diretor em que não foi também diretor de fotografia. Como cineasta, entretanto, só de Janela da alma, seu único trabalho efetivo, pode-se falar. E, como se disse, nele estão o Deus e o diabo de Carvalho, ao mesmo tempo o questionador da visualidade e o fotógrafo performático. Janela traz uma câmera que procura o objeto e que padece da indefinição que o próprio filme tem em relação a ele: o discurso sobre o olhar e o próprio olhar. Nas mãos de Walter, o trabalho de não fazer um filme masturbatório sobre a visão. Por isso, produz momentos de perda de foco e se concentra em filmar os personagens com rigores de discrição. O resultado deste filme e a iminência da chegada de um filme em parceria com Sandra Werneck cobram ainda de Carvalho uma definição entre os dois papéis em que se divide. O que se pode desejar é que ele se confirme como um cineasta menos gentil que é como fotógrafo: seus melhores trabalhos como luz e câmera, alguns deles antológicos, nasceram de momentos em que deixou de lado a doçura visual e aderiu à agressividade fílmica. (A.W.)

CASTRO, Erik de
(1999 – Senta a Pua!)
Após um curta, Erik de Castro realiza o documentário Senta a Pua! O filme, de acordo com seu autor, pretende abrir o caminho para um futuro filme de ficção e uma série de TV baseados no mesmo tema e faz parte de uma trilogia contando a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, da qual A Cobra Fumou de Vinicius Reis também faz parte. Nesse primeiro trabalho, Castro mostrou-se um documentarista aplicado e pouco crítico, adotando um estilo televisual anglo-saxão sem muito relevo. A admiração – legítima e louvável – de Castro pelos aviadores veteranos torna-se um problema ao ser o principal eixo de articulação do seu filme. Ao dispensar distanciamento crítico, eliminando qualquer questionamento, qualquer confronto, o documentarista torna-se o mero organizador de uma homenagem ufanista. A presença americana no Nordeste, a participação brasileira numa guerra européia, a integração de esquadrões brasileiros em exércitos estrangeiros não surgem nunca como questões a serem pensadas mas apenas como pano de fundo para relatos de heroísmo. O projeto ilustrativo do filme chega a ser tão claro que Castro chega ao cúmulo de utilizar desenhos (de uma grande ingenuidade, aliás) explicitando cenas descritas pelos entrevistados. Na falta de documentos que atestem o que nos é contado, opta-se pela reconstituição kitsch da cena, mesmo que isso nada acrescente. Um belo trabalho de coleta de testemunhos, porém faltou a Erik de Castro o olhar crítico, instrumento essencial do cineasta. Prepara agora sua estréia na ficção, com o projeto Federal. (C.A.)

CECÍLIO NETO, A. S.
(episódio de Felicidade é, 1998 – Os Três Zuretas)
A carreira de Cecílio Neto em curtas é uma das mais bem sucedidas nos anos 80-90: dois de seus três primeiros curtas levam o prêmio de Melhor Filme em Gramado (Ma Che Bambina!, de 1986; e Wholes, de 1991 – ambos filmes que lidam com a idéia do documental com enorme liberdade), e o terceiro ganha o de Melhor Diretor (Três Moedas na Fonte, 1988). Realiza ainda o episódio mais interessante e desconcertante de Felicidade é, chamado A Cruz. Sua estréia no longa (previamente chamado de A Reunião dos Demônios, título mudado para distribuição comercial) é igualmente bem sucedida: um raro filme sobre crianças que não pode tão facilmente ser chamado de infantil. Talvez funcionando melhor no registro da memória de infância (mas ainda assim um filme plenamente assistível pelas platéias infantis), o filme consegue, como poucos. Passar a mistura entre inocência e perversidade tão comum ao universo infantil. Numa realização que deve muito ao cinema de Humberto Mauro (referência assumida), Cecílio demonstra a mesma originalidade e sensibilidade na direção que fazia antever nos curtas. No coletivo, sua obra talvez seja uma das mais instigantes, e ao mesmo tempo uma das menos faladas, nesta geração que surge para o cinema nestes anos. O processo de chegada do longa ao circuito exibidor foi bastante truncado (como a troca do título indica), tendo demorado muito e acontecido sem qualquer repercussão maior que a qualidade do filme merecia. Talvez por isso (fica a especulação), não ouvimos mais de Cecílio desde então, o que é uma pena para todos. (E.V.)

CERDEIRA, Nereu (com Edu FELISTOQUE)
(2000 – Soluços e Soluções)
Eduardo Felistoque e Nereu Cerdeira parecem ter um projeto de cinema em dupla. Nos dois curtas e nos dois longas co-dirigidos por ambos, percebe-se a disposição de filmar o homem simples, com a intenção de expô-lo como reserva de qualidades humanas, como um resistente diante das adversidades de seu meio. Para compor esses retratos do brasileiro bondoso em seu sofrimento, lançam mão de uma ingenuidade às vezes comovente em seu sentimentalismo do bem (como no curta documentário Zagati, sobre um catador de lixo que, após achar negativos, torna-se projecionista de filmes, e na colagem de imagens de Boi, esta menos adociçada), às vezes contrangedora pelas limitações da realização (caso de Soluços e Soluções). Nesse seu até agora único longa-metragem concluído e exibido, sobre a jornada idealista de um publicitário empenhado em resolver o problema da seca no Nordeste, a proposta popular é sabotada por caricaturas grotescas. Artificial em sua busca por uma brasilidade sertaneja autêntica, vai a um outro mundo sem se deixar contaminar por ele. Pelo contrário: limita-se a explorar o exótico e as belezas naturais, incapaz de apreender o meio com o qual trava contato, como se a visão dele já estivesse fechada antes da câmera ser ligada. Eduardo Felistoque tem grande experiência como câmera e documentarista, com algumas realizações também na produção de videoclipes. Trabalha com cinema desde a adolescência nos anos 70. Registrou imagens de greve e conflitos estudantis como cinegrafista para a extinta telecom do Brasil. Também foi câmera dos cinejornais de Jean Mazon e Primo Carbonari. Nereu Cerdeira começou estagiando na Raiz Produções, do diretor João Batista de Andrade e da produtora Assunção Hernandez, e formou-se em cinema pela FAAP-SP. A dupla está preparando um documentário sobre a Mooca, bairro tradicional de imigrantes italianos em São Paulo, mais uma vez voltado para o universo da gente simples. Será preciso esperar para constatarmos se perderam um pouco do excesso de visão lúdica nas imagens do povo ou se adotam esse povo para continuar seu pálido cinema das boas intenções. (C.E.)

CHAMIE, Lina
(2000 – Tônica Dominante)
Filha do poeta concreto Mário Chamie, poesia e música sempre foram elementos presentes em seu ambiente familiar. Inicia o estudo de música ainda na infância escolhendo como instrumento o violino, que logo trocará pelo clarinete. Estuda música e filosofia na New York University e complementa sua formação acadêmica realizando mestrado na Manhattan School of Music. Em 1994 retorna ao Brasil e faz o curta Eu Sei que Você Sabe. Em 2000, vencidas as dificuldades de captação e as interrupções das filmagens devido a um acidente sofrido por seu ator principal (Fernando Alves Pinto), seu longa Tônica Dominante finalmente é lançado. Mal recebido pela crítica e pouco visto (tendo ficado pouco tempo em cartaz), Tônica, inserido em seu contexto, é um filme atípico sob muitos aspectos. Não contando uma estória fechada e se concentrando mais na sugestão de climas suscitados pela trilha, o filme não só fala da música como um motor harmonizador e organizador da vida como também do sacrifício e da dedicação dos que se dedicam a estudá-la. A câmera passeia por instrumentos musicais (a ponte entre o músico e a sua arte) descrevendo suas linhas, curvas e contornos. Constantes planos de partitura aparecem (a música como escrita) realçando o que parece ser a intenção do filme: descrever o universo daqueles que vivem música, e a partir disso constatar que a chamada erroneamente ou não de "a mais pura das artes" está presente em todos. Resta ver se optará por dar continuidade a seu cinema bastante arriscado, e sua relação com a música. (E.G.)

CONDE, Rafael
(2002 – Samba-Canção)
Desde 1987 realizando curtas, incluindo alguns dos mais interessantes dos anos recentes (como o ótimo A Hora Vagabunda-1998, e o delicado e muitíssimo bem encenado Françoise-2001), Conde consegue estrear em longa com um filme que tematiza, exatamente, a luta de um cineasta jovem e longe dos grandes centros financeiros do país (seu filme se passa na sua Belo Horizonte de nascimento, moradia e filmagens). O fato é que o filme divide as mesmas qualidades (o tesão, a vitalidade, o humor, a cara de pau) e defeitos (a dificuldade de manter o ritmo, o excesso de referência ao próprio cinema travando o contato com um público maior) que o trabalho de seu cineasta fictício, Zé Rocha (homenagens subentendidas aos cineastas Zé Mojica Marins –que faz participação especial no filme- e Glauber Rocha). Grande destaque do filme é a incorporação na linguagem do longa das trocas de bitola do filme do personagem, indo do 35mm a cores ao super-8. O filme teve pequena visibilidade em festivais, e lançamentos comerciais pontuais (na própria Belo Horizonte, por exemplo), mas esperamos que a continuidade da carreira de Conde possa se dar com menos necessidade de um rancor bem humorado como o do filme, e com muito mais tranqüilidade. Não é fácil de se conseguir, mas não custa torcer para um realizador que ama o cinema acima de tudo, como mostra voltando à realização de curtas mesmo após o longa (seu novo trabalho estréia ainda este ano, Rua da Amargura) e dando aulas de cinema na UFMG. (E.V.)

DIAS, Ricardo
(1996 – No Rio das Amazonas, 1999 – )
Biólogo e cineasta, Dias faz em 1995 (com o zoólogo e músico Paulo Vanzolini servindo de mestre de cerimônias) um interessante filme-viagem pelas margens do rio Amazonas. Apesar da temática superexplorada, No Rio das Amazonas consegue retomar essa tradição do cinema brasileiro em servir de desbravador das fronteiras visuais do país, conseguindo fugir, com algum êxito, dos clichês desse gênero. Esse caráter descritivo, porém, (onde a imagem funda-se mais como dispositivo de registro e informação do que como espaço de encenação/conceituação) repete-se também em , de 1999. Filme painel um tanto monótono (com ares de antropologia fragmentada e leves tons de análise sociológica), não nos leva a crer que o cinema de Dias queira ir muito além da reprodução de um formato seco e informativo (quiçá "televisivo"), onde o cinema antes serve ao objeto de interesse do que o constitui enquanto imagem. (F.B.)

DIDIER, Aloísio
(1999 – Um Certo Dorival Caymmi)
Concilia a atividade de cineasta com a de compositor e maestro (é responsável por trilhas sonoras de programas diversos da Rede Globo, de telejornais a minisséries). Em todos seus filmes interessou-se em retratar grandes artistas e, no caso do primeiro, Brasília, Uma Sinfonia, grandes temas: o curta-metragem é sobre a construção da cidade e a feitura da sinfonia da dupla Jobim-Vinícius. Não há como negar que na escolha de seus temas sempre demonstrou bom gosto (fez em seguida Krajberg a Chico Mendes, sobre o escultor, e Nosso Amigo Radamés, média-metragem sobre o maestro Gnattali, iniciando uma série pensada por Didier de retratos de grandes músicos brasileiros). Seu primeiro longa segue este caminho: Um Certo Dorival Caymmi, como o título sugere, é um documentário centrado na figura eterna de Dorival, gênio da música brasileira. No entanto, Aloísio, ele próprio tendo formação musical, não soube dar a seu filme a beleza da arte retratada – temos antes um olhar tímido, sem encontrar originalidade nem demonstrar envolvimento, preferindo a observação do pitoresco aliada a leituras pouco sedutoras das canções. Parece acomodar-se em ser um retrato simpático, com uma proximidade excessiva da tradição de programas de televisão – e, por declarações de Didier, percebe-se que diferenciar seus filmes da produção televisiva não está entre suas preocupações. Seu filme seguinte (já finalizado) reúne dois interesses: Frans Krajberg e Egberto Gismonti – novamente fala do escultor e de um grande nome da música brasileira. Já disse também em entrevistas que pretendia fazer um filme sobre Jobim, para fechar sua série de retratos. Pela sua ligação profissional com a música, pode-se esperar que Didier siga adiante buscando conciliar em sua carreira a música e os registros fílmicos, que sempre podem ser defendidos pelo seu valor histórico intrínseco – o cinema que fez, entretanto, indica que precisa evitar acomodar-se num tom de tradicionalismo narrativo bem-comportado e pouco inspirado.(DC)

EWALD, Elizeu
(2001 – Nelson Gonçalves, 2002 – Zico)
Difícil dizer qual o projeto de cinema de Elizeu Ewald, se é que existe um. Saindo de Belo Horizonte, onde se formou na PUC-MG, e passando por estudos de cinema no exterior, primeiro ele trabalha em cinema com fotografia, e depois se envolve em direção e produção, pelas mãos do produtor Diller Trindade (dos filmes da Xuxa mais recentes). Diller pode ser tudo, menos um mau comerciante, e sabendo reconhecer um bom negócio, resolve investir na área dos DVDs biográficos, onde entra o primeiro longa de Ewald sobre o boêmio Nelson Gonçalves. Primeiramente nem pensado para um lançamento em cinema (o qual acaba sendo feito de forma apressada e sem distribuidora sequer), o filme se revela um pequeno sucesso de público, e Ewald mostra uma mão segura, graças à qual a mistura de docudrama e depoimentos funciona bastante, tornando o filme certamente bem menos desagradável e óbvio que o típico produto-Diller. Talvez animado com a recepção, produtor e diretor tentam projeto bem semelhante com Zico no ano seguinte, o qual é lançado nos cinemas de forma ainda mais displicente. O resultado, artisticamente, é bem inferior, talvez por conta da excessiva heroicização da figura do Galinho de Quintino, com encenações extremamente fracas e com um uso bastante preguiçoso do material de arquivo. Então, fica a dúvida: será que Ewald planeja vôos fora do esquema Diller de "faça seu filme em 6 meses", e será que terá chances de mostrar mais da sensibilidade vista no filme sobre Gonçalves? Ou terá que se sujeitar aos filmes cada vez mais porcos (talvez porque cada vez mais lucrativos) que Diller nos empurra a cada ano? (E.V.)

FALCÃO, Renato
(2002 – A Festa de Margarette)
Diretor de fotografia premiado, com vários trabalhos nos EUA. Aventura-se também na direção, realizando quatro curtas: Presságio, Save-me, Um Ato de Amor à Vida (documentário sobre a prevenção a AIDS) e Sur-a-sur (sobre um festival de música brasileira na França). Sua estréia em longa metragem vem com a co-produção Brasil-EUA, A Festa de Margarette, belo exercício de cinema sem diálogos onde a música e a sonoplastia ganham status de protagonistas. Com um preto e branco bem contrastado, Falcão (que no filme fez também a fotografia e a montagem) mostra que sabe contar uma história visualmente, e insere em uma trama que poderia ser banal elementos sociais que a tornam pertinente e melancólica. Com esse diálogo curioso entre o cinema mudo e as preocupações sociais deste início de milênio, Renato Falcão nos deixa com boa dose de curiosidade acerca de seu novo projeto: um filme-ensaio sobre o artista plástico Iberê Camargo. (S.A.)

FELISTOQUE, Edu (ver Nereu CERDEIRA)

FEROLLA, Ludmilla
(2000 – Anésia, um Vôo no Tempo)
Depois de uma formação universitária em artes plásticas, Ludmilla Ferolla viaja para a Itália, onde aprende cinema e se especializa em fotografia. Lá, torna-se assistente de nada mais nada menos que Giuseppe Rotunno, fotógrafo de Visconti e Fellini. No Brasil, dedica-se ao trabalho como documentarista. Depois de um filme para tv sobre a Amazônia, realizou um longa-metragem sobre a pioneira da aviação Anésia Pinheiro Machado. Anésia – Um Vôo no Tempo, lançado nos cinemas, é entretanto formatado tal qual os documentários que costumamos ver na tv a cabo: cenas ficcionais de reconstituição de época, depoimentos de especialistas, voz off onipresente e didática, fotografias, documentos e filmagens da época remendados por bons alunos algo eficientes mas sem brilho. Anésia originalmente era um projeto de média-metragem para a televisão. Ganhou vinte minutos a mais (que, não custa dizer, pesam mais do que isso) e transformou-se num dos longas-metragens mais inócuos da década passada. (R.G.)

FERRAZ, Buza
(1997 – For All – o Trampolim da Vitória)
Ator já bastante experiente, com muitas horas de vôo, em especial em telenovelas da Rede Globo, assume a co-direção de For All junto com seu idealizador, Luiz Carlos Lacerda. Como em todos os casos deste tipo, enquanto não se vê mais de Ferraz como diretor, é difícil julgar o que tenha dele especificamente na realização deste filme (embora se possa especular quanto ao trabalho de atores, certamente). O que, em todo caso, não chega a ser de todo mal para ele. (E.V.)

FERRÉ, Luiz
(1995 – Supercolosso – o Filme)
Responsável pela criação e direção do programa infantil que teve a enorme responsabilidade de suprir nas manhãs da Rede Globo a ausência da "rainha dos baixinhos", Luiz Ferré conseguiu tamanho sucesso com suas marionetes caninas falantes da TV Colosso que pareceu um passo natural explorar a franquia no cinema. Super Colosso – O Filme terminou extremamente prejudicado por uma má distribuição em salas, embora o filme não constitua nada muito digno de nota senão o mero registro, bem burocrático, das personagens em suporte fílmico. Restou a Super Colosso ser rebatizado quando do lançamento em vídeo (para Uma Aventura de Cinema da Turma Colosso), e agora resta ficar como curiosidade de uma época que parece estranhamente remota. Formado em artes gráficas e com experiência em teatro, o gaúcho Ferré trabalha atualmente com publicidade. (FV)

FERREIRA, Lírio
(1996 – Baile Perfumado)
Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco, trabalhou em filmes de super-8 e como assistente de direção em diversos curtas. Dirigiu, em 1992, O Crime da Imagem (35mm) e, em 1995, That’s a Lero a Lero (16mm, co-dirigido por Amin Stepple), curtas que obtiveram boa resposta da crítica e do público. Baile Perfumado, longa de estréia que Lírio co-dirigiu com Paulo Caldas em 1996, projetou seu nome fora do circuito restrito dos festivais e de Pernambuco. O filme aborda a aventura do cineasta Benjamim Abrahão, que tem como objetivo documentar o bando de Lampião. Perpetuando na película a figura de Lampião, o cineasta libanês acabou por indicar o caminho mais rápido para o seu desaparecimento. A partir das imagens feitas por ele, o Estado Novo pôde liquidar Lampião e seu bando com maior eficiência e rapidez. O longa foi visto como um filme renovador, por utilizar elementos da cultura pop acoplados à mitologia do cangaço (e, nesse sentido, foram várias as comparações, assumidas inclusive pelos diretores, com a cena musical recifense, com Chico Sciense e o manguebit). De fato, a contaminação entre o arcaico e o contemporâneo é um dos vetores mais interessantes de Baile Perfumado, muito embora não seja um aspecto realmente novo no cinema brasileiro e no filme de cangaço. Por outro lado, Lírio Ferreira e Paulo Caldas imprimiram à obra um tom de crítica à própria imagem cinematográfica, e esta talvez seja a maior novidade em relação às discussões estéticas relacionadas ao Baile Perfumado. Lírio Ferreira pretende levar às telas uma biografia de Cartola e desenvolve o projeto de longa-metragem Árido Movie, com roteiro escrito em parceria com Hilton Lacerda, Sérgio Oliveira e Eduardo Nunes. (LARM)

FONSECA, José Henrique
(episódio de Traição, 2003 – O Homem do Ano)
Para integrar o filme em episódios Traição, José Henrique Fonseca trouxe Nelson Rodrigues para os anos 90 no curta-metragem Cachorro, que, ao não se sustentar numa anêmica verborragia, é de longe o pior dos três episódios, aquele que mais acrescenta lipídios ao texto do escritor cujo estilo inclui justamente a incrível concisão timbrada em seus contos. J. H. Fonseca, um dos quatro sócios fundadores da Conspiração Filmes, já havia realizado fitas publicitárias, videoclipes e a minissérie Agosto, exibida na TV Globo e extraída da obra homônima de seu pai, Rubem Fonseca (que assina o roteiro de O Homem do Ano). Também foi assistente em Brincando nos Campos do Senhor, de Hector Babenco, e em A Grande Arte, de Walter Salles, com quem depois dividiria a direção do documentário Caetano Veloso: 50 Anos. O Homem do Ano, que marca sua estréia na direção de longa-metragem, é adaptado do romance O Matador, de Patrícia Melo (roteirista de Cachorro). Um típico produto-Conspiração: bom acabamento técnico, fotografia estilizada, trilha sonora modernosa, elenco famoso... Mas o que se vê não é propriamente louvável: personagens tipificadas até a alma, observações pueris acerca da sociedade e seus podres, incompreensível "geografia criativa" do Rio de Janeiro, mise-en-scène truncada (gags desperdiçadas por maus posicionamentos de câmera e atores, cenas de violência esvaziadas de qualquer efeito – seja de impacto, estranhamento ou até glamour –, obviedades do tipo "câmera tremendo porque o cara está nervoso" e por aí afora). Dentro do que seja a "grife Conspiração", se nossas fichas vão todas para Andrucha, e Arthur Fontes revela-se um "artesão" funcional, Fonseca, pelo que nos mostrou até agora, fica com todo o estigma negativo da expressão. (L.C.O.Jr.)

FONTES, Arthur
(episódio de Traição, 2002 – Surf Adventures – o Filme)
Sócio-fundador da Conspiração, é formado em administração de empresas, com mestrado em produção cinematográfica pela NYU. O perfil extremamente prático que esta formação indica, Fontes parece ter levado com enorme tranqüilidade para o cinema. Estreando com um curta extremamente funcional em 1988, Trancado (por Dentro) (que tendo pego alguns dos melhores momentos da vigência da Lei do Curta, foi possivelmente um dos mais vistos nos cinemas brasileiros então), Fontes trabalha tanto com publicidade, como com videoclipes (o de "Garota Nacional"do Skank, por exemplo) e especiais musicais para TV. Divide ainda a direção da série Futebol, feita para TV a cabo, com João Moreira Salles. Estréia no cinema com o primeiro (e melhor) episódio de Traição, O Primeiro Pecado, que, se não alça grandes vôos com a obra de Nelson Rodrigues, a julgar pelos resultados obtidos pelos dois outros episódios (e pelo longa Gêmeas) demonstra ter sido a melhor opção a se tomar, contando pelo menos com duas belas e confortáveis atuações de Fernanda Torres e Pedro Cardoso (interpretando aqueles mesmos personagens que tão bem dominam). Depois Fontes se volta para o universo do surf, realizando um competentíssimo documentário ä la Endless Summer, ao qual o maior elogio que podemos fazer é o de causar na platéia uma enorme inveja daqueles que estão retratados na tela (e realizando admirável trabalho de ritmo entre imagens e trilha sonora – no que o trabalho com clipes não deve ter atrapalhado). Dos cineastas saídos da Conspiração, se não conseguiu os arroubos de belo autor que Andrucha vem ter depois, pelo menos não cai na afetação mudernosa de outros conspiradores. Antes um eficiente carregador de piano do que um medíocre metido a craque! (E.V.)

FREDERICO, Flavio
(2001 – Urbania)
Flavio Frederico foi um dos diversos e raros curta-metragistas que conseguiram realizar um longa no período da retomada. Com trajetória premiada no terreno dos curtas, nos quais prevalece a experimentação formalista de curto alcance (caso da narrativa minimalista de Pormenores ou da descoberta algo tardia e deslumbrada da multiplicidade de pontos de vista narrativos no recente Ofusca), Frederico foi muito feliz na realização do belo ensaio chamado Urbania. Apesar de não cumprir a contento sua proposta inicial (a profunda desarmonia entre a parte ficcional e a parte documental jamais supera a condição de mero dispositivo), e de parecer faltar fôlego a partir de certo ponto, Urbania é repleto de autênticas imagens poéticas e conta com um trabalho excepcional de sua dupla de atores. O olhar carinhoso que Frederico dispensa à metrópole paulista nos leva a perguntar se o que falta em seus curtas é um objeto que suscite de fato seu interesse e que lhe permita projetar sua visão pessoal. Vale acompanhar atentamente a formação (em curso) de um cineasta promissor. (FV)

FURTADO, Jorge
(1995 – episódio de Felicidade é, 2002 – Houve Uma Vez Dois Verões, 2003 – O Homem que Copiava)
Durante anos Jorge Furtado foi tido como a grande promessa do cinema brasileiro – e esta situação, de certa maneira, exibe um pouco a fragilidade do nosso cotidiano de fazer e debater cinema no Brasil. A expectativa que se criou em torno do "primeiro filme do realizador de Ilha das Flores", ao mesmo tempo em que prova o valor percebido nos curtas do realizador, também a estes negava o carimbo definitivo: não eram "filmes de verdade" (antes de Ilha das Flores já fizera Barbosa e O Dia Em Que Dorival Encarou a Guarda). Furtado cansou de se bater contra isso, e seguiu fazendo filmes fabulosos como Ângelo Anda Sumido e O Sanduíche e participou da produção em TV – escrevendo roteiros para séries semanais e minisséries da Rede Globo. Quando estreou a bela comédia Houve Uma Vez Dois Verões, Jorge Furtado já tinha 43 anos de idade e em entrevistas notava que, a rigor, já fizera seus primeiros longa-metragens antes deste. Eram Os Anchietanos (uma alegoria política) e Luna Caliente (uma história policial de sedução), ambos produzidos e exibidos em rede nacional pela Rede Globo (devido a uma série de problemas, Luna Caliente não pôde ser exibido posteriormente nos cinemas, como chegou a ser planejado). Se Houve Uma Vez Dois Verões encontrou seu encanto numa crônica de juventude, seu filme seguinte, O Homem Que Copiava, nos trouxe uma estória mais complexa, onde a empatia criada com um personagem que termina bem-sucedido como ladrão e assassino traz ao espectador um certo desconforto com o abençoado final feliz. Irônico e incômodo, O Homem que Copiava, ao contrário de tantos filmes certinhos, pretende trazer problemas por trás das soluções – e o riso pode se tornar um tanto indigesto. Furtado mantém há anos com seus sócios e parceiros a produtora Casa de Cinema de Porto Alegre, empresa que já participou da produção ou distribuição de curtas e longas diversos – e foi parceira contratada das campanhas políticas do PT no Rio Grande do Sul na última década (já recusou ofertas de outros partidos alegando razões ideológicas). Furtado também segue colaborando com a produção televisiva – através da ligação com o núcleo de criação comandado por Guel Arraes dentro da Rede Globo, e segue com novos projetos para cinema. Não há surpresa em dizer que, já há mais de uma década, é figura fundamental sempre que se observa o que surge de novo no nosso panorama.(DC)

Verbetes redigidos por Alexandre Werneck, Carim Azeddine, Cléber Eduardo, Daniel Caetano, Eduardo Valente, Estevão Garcia, Felipe Bragança, Fernando Veríssimo, Filipe Furtado, Gilberto Silva Jr., João Mors Cabral, Luiz Alberto Rocha Melo, Luiz Carlos Oliveira Jr., Ruy Gardnier e Sérgio Alpendre.