A Profecia,
de Richard Donner (1976)


The Omen, EUA, 1976

Se até os anos 60 as figuras centrais do cinema de terror americano foram os monstros góticos (vampiros, lobisomens, múmias, etc.) e a partir da década do 80 os assassinos em série (Jason, Freddy Krueger, Michael Myers), o vácuo entre os dois, a década de 70, foi uma espécie de reinado do próprio príncipe do mal, o diabo. Não que este tenha sido um ciclo com uma grande quantidade de filmes, muito pelo contrário. Mas os dois essenciais foram sucessos tão arrebatadores à sua época e permenecem no imaginário do gênero até hoje. O primeiro deles, claro, O Exorcista (1973), de William Friedkin. O segundo, e uma espécie de seu filho dileto, A Profecia, cujo êxito certamente foi tributário à trilha demoníaca aberta pelo filme de Friedkin. Em comum entre ambos, além da ameaçadora figura (nunca mostrada, diga-se de passagem) do tinhoso, o fato de ambas as fitas apresentarem crianças, de aparência singela e inocente, como seus mensageiros na terra.

Apesar de anteriormente já haver assinado dois filmes para a tela grande, ambos com repercussão bastante limitada, alternados a sua extensa carreira como diretor de TV, podemos considerar A Profecia como uma espécie de "estréia oficial" de Richard Donner no cinema. Foi a partir deste que Donner firmou seu nome como artesão eficiente de filmes de gênero no mercado de Hollywood. A história de Damien, um garoto adotado em segredo pelo diplomata americano Richard Thorne (Gregory Peck) após seu filho natural ter nascido morto e que a partir de seu quinto aniversário começa a mostrar sua assustadora natureza de filho do próprio capeta, preserva bastante de seu impacto original, mas em uma análise mais atenta, certamente demonstra suas fragilidades.

A Profecia é dominado por um tom operístico (acentuado pela premiada trilha musical de Jerry Goldsmith), mas às vezes fica prejudicado por alguma sequências num tom de exagero um tanto acima do desejado. Se o clima de tensão fica bem estabelecido com o suicídio da babá na festa de aniversário e a cena do carro atacado por macacos em um zoológico é um acerto de edição de imagem e som, outras, como a morte do padre que tanta alertar Richard sobre a natureza de seu filho ou a investida de Damien contra a mãe adotiva (Lee Remick) soam gratuitas ou, no caso da segunda, até um pouco hilárias. Esta oscilação de tom fica caracterizada, em especial, na sequência onde a decapitação de um fotógrafo (David Warner) é retratada de forma explícita, com uma inspiração dos giallos italianos (Argento, Fulci), reproduzindo parcialmente o impacto de suas fontes, mas que parece um tanto deslocada do conjunto. Da mesma forma, se temos uma atuação impecável da atriz inglesa Billie Whitelaw, realmente apavorante como Mrs. Baylock, a babá guardiã de Damien, Gregory Peck destila canastrice por todos os poros.

Um dos maiores méritos de A Profecia está na utilização eficiente da simbologia bíblica, mais especificamente do livro do Apocalipse, pelo roteiro de David Seltzer. As citações ou o uso da tríade do número 6 acabam conferindo uma certa credibilidade à busca de Richard pela real identidade do filho. Só que a declarada intenção inicial de Donner em valorizar o processo no qual um homem descobre que uma criança seria a encarnação terrena do diabo, desaguando numa tentativa de assassinato, acaba prejudicada pelo fato de que o filme não deixa espaço para dúvidas que Damien seria real e literalmente o filho do cão. Desde suas primeiras aparições, a forma como Donner filma o garoto, em especial seus olhos, não sugere qualquer forma de ambiguidade, o que poderia tornar o filme, e em especial a sequência final, ainda mais assustadores.

Apesar de tudo, A Profecia permanece como um espetáculo interessante e curioso, ao contrário de suas nebulosas e esquecíveis continuações, que não contaram com Donner. Essa permanência do filme pode ser atestada na boa versão em DVD disponível no Brasil, em widescreen e com extras como uma faixa de comentários (por vezes bastante debochados) de Donner junto com o montador Stuart Baird. Temos também Jerry Goldsmith conversando sobre a trilha que lhe rendeu seu único Oscar e um documentário sobre as trágicas histórias ocorridas nos bastidores das filmagens, que levaram a equipe a suspeitar que o diabo em pessoa estivesse acompanhando-as de perto e que certamente foram aproveitadas para promover o lançamento. Assim como A Profecia, uma exagerada e envolvente picaretagem.

Gilberto Silva Jr.