Um Sonho Sem Limites, de Gus Van Sant

To Die For, EUA, 1995

Em seu primeiro trabalho para um grande estúdio, Gus Van Sant escolheu um tema crítico e amargo, ainda bastante distante do sentimentalismo que viria a dominar Gênio Indomável, seu filme seguinte. Adaptação de romance de Joyce Maynard pelo veteraníssimo Buck Henry (roteirista de A Primeira Noite de Um Homem, entre muitos outros), Um Sonho Sem Limites segue a trajetória da ambiciosa e nada ética Suzanne Stone (Nicole Kidman), que não mede esforços para atingir seu objetivo de tornar-se uma famosa apresentadora de TV.

Retrato cru de uma América onde "quem não aparece na TV não tem valor", conforme as palavras da protagonista, Um Sonho Sem Limites pode ser visto como uma versão atualizada de A Malvada, onde Suzanne, assim como a Eve Harrington do filme de Joseph L. Mankiewicz, é mais uma variante de um certo tipo de indivíduo carreirista que não bebe um simples copo d’água sem que esta seja uma atitude calculada. O filme de Van Sant, da mesma forma que o de Mankiewicz, é construído através vas visões pessoais que os demais personagens fazem da protagonista.

Só que o mundo habitado pelas personagens é claramente distinto. Se Eve faz sua escalada pelo sofisticado mundo do teatro novaiorquino, Suzanne passeia pela baixaria e vulgaridade dos programas mundo-cão que assolam a TV vespertina, tanto nos EUA como aquí. E esse sensacionalismo parece, segundo o filme, ser praticamente o determinante do inconsciente de significativa parcela da população americana: "É na TV que aprendemos quem realmente somos.", afirma Suzanne. É através deste telejornalismo marrom que Suzanne se tornará finalmente uma celebridade nacional, mas não como a repórter ou apresentadora, mas sim como a protagonista de mais uma história sangrenta, ao ser acusada do assassinato de seu marido, o ingênuo Larry Maretto (Matt Dillon).

E se a trama central se assemelha a A Malvada, a conclusão remete a outro clássico, também de 1950: Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder. Um pouco pela sequência onde, após a morte do marido, Suzanne Stone encara as câmeras de TV como Norma Desmond se preparando para o close-up final do Sr. DeMille, só que, se Norma já então perdera a sanidade, Suzanne parece até este momento sob o total controle de sua mente e da situação. Contole, este, que não durará muito tempo, com ela sendo levada a um destino idêntico ao de Joe Gillis, onde a piscina é substituída por um lago congelado, numa cena que conta com uma curiosa participação de David Cronnenberg.

Gus Van Sant faz aquí um de seus melhores e mais homogêneos trabalhos. Uma sutil comédia de humor negro delineada desde a bem bolada sequência de abertura e que irá culminar na ironia ímpar dos momentos finais, com a cena da patinação no gelo. Constrói um clima que, apesar das referências que situam Um Sonho Sem Limites na época em que foi realizado, guarda uma certa atemporalidade, principalmente na ambientação da cidadezinha onde se desenrola a trama (curiosamente chamada Little Hope) e de sua estação de TV. Mas o maior mérito de Van Sant foi apostar no talento de Nicole Kidman. Se esta hoje é atriz consagrada e premiada, na época era vista apenas como a esposa gostosa de Tom Cruise. Mas tem como Suzanne Stone uma atuação excepcional (e sem prótese nasal), no tom certo de ironia desejado por Van Sant e Buck Henry.

Gilberto Silva Jr.