Entrevista com Apichatpong Weerasethakul

1) Saímos da exibição de Eternamente Sua
com a sensação ambígua de que é, ao mesmo
tempo, um filme com um altamente conceitual e de que não é
"frio" ou denso: o tempo apenas flui vívida e alegremente,
como se Sleep, o filme de três horas de Warhol fosse
tão fácil de assistir como, digamos, filmes de Ernst Lubitsch
ou Rohmer. Essa era uma preocupação sua desde o começo
do projeto de Eternamente Sua?
Minha
preocupação consiste em fazer essas pessoas íntimas
para a audiência do mesmo modo como eu as experimento cotidianamente.
Eu gostaria que a audiência se importasse com elas, mas ao mesmo
tempo eles ignoram totalmente a audiência. Suas ações
não são determinadas pelas expectativas de ninguém.
Eu estava ainda mais preocupado com a paisagem, em encontrar a ambiência
certa para essas pessoas respirarem, para que a audiência possa
respirar também. Talvez seja por isso que você se sinta
relaxado.
2) Você considera
que sua carreira paralela como artista plástico (soube que você
também faz instalações, corrija-me de estiver errado)
o ajuda a fazer filmes baseados em conceitos - o tempo, o fluir - em
vez de histórias?
Eu tento não
diferenciar as duas atividades apesar de serem mundos diferentes. O
que faço com arte é como um rascunho para os filmes que
estou fazendo, mas apresentado de uma maneira mais abstrata. Mas comparado
às obras de arte contemporâneas, meu trabalho parece bem
antiquado porque está profundamente ligado a formas narrativas.
Eu diria que ambos, o cinema e a arte, sustentam um ao outro.
3) Você poderia
nos dar um pequeno resumo de sua carreira como artista plástico
e como cineasta antes de Eternamente Sua?
Eu estudei arquitetura
mas estava mais interessado em seu conceito. Tinha curiosidade em relação
ao espaço e as reações dos espectadores em um espaço
particular. Então descobri o cinema experimental, que me ajudou
a tranformar o conceito em forma física. Mas era realmente difícil
sobreviver na Tailândia onde a cena artística é
muito conservadora. Então eu tento experimentar com conceitos
de narrativa locais. eu fiz alguns vídeos conceituais e instalações
enquanto fazia os dois filmes, Mysterioys Object at Noon e
Eternamente Sua.
4) Como foi recebido Eternamente Sua na Tailândia? Há lá
uma cena de cinema independente ou seus filmes são exceção
em seu país?
O filme foi bem
recebido por universitários e alguns críticos de cinema,
mas é claro que não efz muito sucesso com o grande público.
Eu acho que foi o primeiro filme conceitual a ser lançado no
cinema aqui.
5) Em Eternamente
Sua é impossível não se encantar com a maneira
extrema como as personagens e até mesmo a natureza fluem, esta
última parecendo inclusive "ajudar" cada vez que é
necessário. Lembro-me de uma cena em que, após uma pequena
briga, o casal está junto de novo e o sol começa a brilhar
também, o que me faz perguntar: isso foi resultado de confiança
e espontaneidade ou, ao invés, de muito ensaio e filmagem?
Teve a ver com paciência. Todos nós estávamos sentados
na montanha esperando pela hora certa; eu diria que 70% do tempo das
filmagens foi gasto esperando. Então, enquanto esperávamos
nós conversávamos e essa foi uma maneira de eu poder absorver
o clima do lugar.
6) Há um
casal jovem e um casal velho no filme, o que nos faz pensar se eles
nao são, de alguma maneira, o mesmo casal em idades diferentes,
como nas peças de Edward Albee. Você acha que isso é
algo que teve a intenção de fazer?
Não, de fato. Tudo aconteceu durante o casting. No roteiro
original todos teriam a mesma idade - adolescentes. Mas eu me sinto
atraído por algumas faces em particular. Eu não me preocupo
com idade.
7) O filme, você só percebe quando ele acaba, é
um tipo de flashback em forma de carta. Ao mesmo tempo em que
você mostra o quão adorável e importante é
"aproveitar o dia", você também mostra que bons
e belos tempos passam, sobrevivendo apenas como lembranças, o
que nos faz sair do cinema com um sentimento agridoce em relação
às nossas vidas. Esse tipo de sentimento, agridoce, está
associado, no cinema, às comédias românticas; você
aprecia esse gênero de filmes? Você gosta ou acha que foi,
de uma certa maneira, influenciado por esse tipo de filme?
Eu sou fascinado
por novelas. Não tenho muita certeza se entendo o sentimento
agridoce da mesma maneira como você o descreveu. Mas a mídia
tailandesa é cheia de novelas, na televisão, nos comerciais
e nos filmes. Na verdade, meus vídeos lidam principalmenye com
narrativas influenciadas pelas novelas. É a expressão
humana óbvia, natureza que é fácil de entender
e de se relacionar. Não é comédia romântica,
mas mais um extremo exagero social. Então escolhi encontrar uma
maneira de experimentar (diminuição, aumento etc) com
a novela.
8) Por outro lado,
se pudermos colocar cineastas como Ernst Lubitsch e Billy Wilder no
lado das comédias românticas, poderemos então dizer
de Jacques Rivette, Hans Jurgen Syberberg e Wim Wenders que trabalham
com tempo e duração (o "peso" do filme). Para
que lado da balança você acha que seu filme tenderia? E
o seu gosto pessoal ao assistir a filmes?
Eu prefiro estar
no meio. No momento estou fazendo um vídeo que simula o velho
estilo tailândes de filmar com uma narrativa totalmente ligue-os-números,
exceto pela personagem principal feminina, feita por um homem travestido.
Então às vezes é liberador ignorar a consciência
intelectual. No que diz respeito ao meu gosto pessoal por filmes, eu
tendo a ver tudo e me divertir com tudo. É como diferentes tipos
de livro que se lê - às vezes se lê uma novela, outras
vezes histórias em quadrinho, outras ainda, piadas etc. eu realmente
não tenho preferência. Raramente me deparo com um livro
muito ruim - como assistir a essa coisa chamada Senhor dos Anéis.
9) Em que medida
você se considera influenciado por outros cineastas orientais
recentemente "descobertos" pelo ocidente, especialmente os
chineses como Hou Hsiao-hsien, Tsai Ming-liang ou Wong Kar-wai? Amores
Expressos, desse último, é também um filme
sobre a joie-de-vivre e o fluir do tempo, com fortes premissas
estéticas mas também com um certo poder de preocupação
social, principalmente em lidando com imigrantes ilegais, como também
acontece em Eternamente Sua...
Eu não conheço
os trabalhos de Wong Kar-wai. Mas Hou Hsia-hsien e Tsai Ming-liang são
super inspiradores. Segundo a minha experiência, a paisagem de
Taiwan e a sua população compartilham traços com
o povo tailandês. Quando assisto aos seus filmes penso: "Uau,
como isso é tailandês!", e isso também com
o cinema de Edward Yang. Seus filmes sempre me forçam a olhar
em volta e a apresentar meu entorno de acordo com meus sentimentos e
não de acordo com padrões hollywoodianos.
10) Em outro email
você falou de um novo filme. Sobre o que é e quando estreará?
Tenho dois projetos
no momento. Um se chama The Adventure of Iron Pussy. É
o mesmo projeto em vídeo que mencionei antes e sairá em
setembro. O outro é um filme chamado Tropical Malady.
É sobre dois homens na selva e é como um filme gêmeo
de Eternamente Sua, exceto pelo fato de que agora se trata
da idéia de felicidade pessoal em relação com a
beleza durante os dias e as noites na floresta. Esperamos lançá-lo
em 2004.
Entrevista concedida
por email a Ruy Gardnier em maio de 2003.
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