A Vingança de Jennifer, de Meir Zarchi

Day of the Woman aka I Spit on Your Grave, EUA, 1978


Não resta dúvida que a década de 1970 foi excepcional para o cinema norte-americano em uma variedade de aspectos: período de intensa renovação nos estúdios, onde ao mesmo tempo em que se abriam os cofres para a experimentação, forjava-se o modelo do moderno blockbuster; nos independentes, o último suspiro de um cinema que herda da contracultura uma vocação para a contestação cultural e grande ousadia temática e formal.

Nos rincões obscuros do cinema de exploitation, os gêneros populares eram virados pelo avesso; os anos 70 assistiram ao nascimento e à morte do cinema de horror moderno, em todas as suas vertentes: haja vista a trajetória da trinca de ouro Romero-Craven-Hooper, para quem a virada de década significou um mergulho na decadência e falência de recursos.

Ali no limiar desta virada, o ano de 1978 pode ser visto como o ápice desta cinematografia; testemunham a favor deste argumento o surgimento de filmes como Dawn of the Dead (George Romero) e Halloween (John Carpenter); por outro lado, um filme como A Vingança de Jennifer pode servir de prova em contrário, um sintoma de esgotamento no gênero.

Não que se trate de um mau filme – o que definitivamente não é –, mas há nele a presença de um problema-chave, irresolúvel, evidenciado da maneira mais direta possível e que constitui sua própria essência: afinal, o que resta ao espectador colocado face à mais fria representação de perversidade e sadismo, desprovida de qualquer instância redentora?

A Vingança de Jennifer se instala sobre esta ambiguidade fundamental, a mola propulsora do filme de horror: o apelo constante e simultâneo ao fascínio e à repulsa. Aqui, entretanto, pede-se, ou melhor exige-se, para além do filme, um posicionamento de ordem moral do espectador.

A estrutura dramática é mínima, tratando-se de um clássico relato de vingança, versão guerra dos sexos: uma mulher é estuprada repetidas vezes por um grupo de boçais, contra quem passa a elaborar e executar metodicamente uma nefasta vendetta. As personagens não passam de estereótipos, a mise-en-scéne é deliberadamente teatral e quase sempre previsível: estas "fraquezas", no entanto, só tornam o relato ainda mais cru e brutal, mais preocupado com construções simbólicas e na elaboração de um jogo de identificação e distanciamento executado com inegável competência.

O diretor Meir Zarchi trabalha sobre um dos eixos mais controvertidos do cinema de horror – a violência contra a mulher –, território particularmente caro aos mestres italianos (Bava com seu Lisa e o Diabo e Argento com Síndrome de Stendhal dariam suas contribuições definitivas – e igualmente problemáticas – sobre o tema). A Vingança de Jennifer expõe, sob a tônica do absurdo, um texto de feminismo radical, torcendo as convenções a seu bel prazer; aqui, a emancipação feminina é parodiada numa fantasia sangrenta de castração e morte, onde vítima e monstro nascem de uma mesma matriz de repressão e ódio.

Nos anos 80, o cinema independente seria praticamente território exclusivo do autor, com Jarmusch, Soderbergh e Van Sant fazendo as honras para o que viria a ser a base temática e estética das gerações posteriores formadas em Sundance; o horror se tornaria escravo do público adolescente e das mãos pouco ou nada hábeis de artesãos de baixo nível, criadores de monstros que já nasciam esgotados e formulaicos. Adentrava-se a era da masculinidade histérica de Rambos e quetais. A Vingança de Jennifer seria, então, com seu fatalismo e imagens odiosas, talvez o último testemunho (o canto do cisne seria O Dia dos Mortos, de Romero) de um período em que o horror rimava com contestação e provocação, sem medo de assumir a pecha de maldito.


Fernando Verissimo