Quem
ama/quem USA: que país é este? A vida imita
a arte ou a arte explica a vida?
Será o cinema (ou a arte como um todo) menor do que
a vida ou, mais ainda, fará sentido falar sobre e celebrar
filmes quando uma guerra acontece do outro lado do mundo?
Esta pergunta foi o principal tema da mídia nos dias
que antecederam o Oscar, a grande festa da principal indústria
americana por excelência (logo depois da bélica,
lógico).
Pergunta que traz embutida nela mesma a auto-importância
que exemplifica a postura da política externa americana
atual. Afinal, como a nossa mídia caseira não
nos deixa esquecer com seus clichês constantes, há
uma guerra diária sendo vivida nas ruas de nossas metrópoles,
por exemplo, e ninguém nunca perguntou se era ou não
"adequado" estar se entretendo ou celebrando a arte
ao mesmo tempo em que isso ocorre. E assim acontece pelo mundo
inteiro (EUA incluídos). Portanto, a primeira insinuação
da pergunta está mais do que respondida: a arte nunca
foi invalidada pela vida. Cãezinhos e mamães
morrem todos os dias, pessoas sofrem horrores indizíveis
cotidianamente, e isso nunca foi motivo para questionarmos
a validade do ato artístico e sua fruição,
muito pelo contrário. O problema, portanto, era muito
menos uma questão de ética do que de marketing:
seria uma boa idéia fazer a celebração
da opulência e riqueza industrial americana em Hollywood
e no Iraque ao mesmo tempo? Não seria um pouco demais?
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* *
Nos parece
então que a pergunta verdadeiramente urgente estava
sendo esquecida, uma vez que a arte sempre foi palco tanto
de reflexão quanto de propaganda, e portanto, de essencial
importância em qualquer momento histórico, em
especial os de guerra. Questão importante mesmo, nos
parece ser: como podemos nós, que lidamos com a arte
(mais especificamente o cinema, no caso da Contracampo),
responder adequadamente a um fato como esta guerra? Fato este
muito maior do que uma batalha por Bagdá, pois parece
traçar os caminhos do que viveremos no mundo, pelo
menos num futuro próximo. Claro que há possíveis
atos políticos e pessoais os mais variados, que vão
da ida a Bagdá como escudo humano, passando por passeatas,
ou um boicote ao McDonald's ou a Coca-Cola. São, sem
dúvida, opções ao alcance dos indivíduos.
Mas, ainda nos perguntávamos como lidar com o momento
dentro do nosso trabalho cotidiano; como responder, pelo cinema,
a esta situação. A resposta veio, como não
poderia deixar de ser, do próprio cinema. Vendo e revendo
Gangues de Nova York, de Martin Scorsese (não
por acaso, o grande perdedor do Oscar de 2003), o projeto
do diretor de refletir sobre a formação não
apenas da idéia do que sejam os Estados Unidos da América,
mas da sua representação imagética, cinematográfica,
nos pareceu o mais adequado ponto de partida para o que é
nossa pauta principal neste mês. É ponto pacífico
(sem trocadilhos) na revista, e esperamos que com os leitores
também, o poder do cinema como meio de expressão
e estudo do imaginário, não só de um
diretor, mas acima de tudo de um país, de um momento
histórico. Então, a pergunta urgia: afinal,
que imagem de nação tem projetado o cinema americano,
e como ela pode nos ajudar a entender os EUA de hoje? Quais
filmes, diretores, temas, nos ajudam a ler um país
por esta que é sua expressão artística
mais característica?
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Logo
descobrimos que o objetivo era muito mais ambicioso do que
poderíamos dar conta em tão pouco tempo. Ao
mesmo tempo, tínhamos certeza da urgência de
nossos objetivos. Então, como o manancial de objetos
parecia interminável, optamos por um corte de ordem
histórica: nos ateríamos ao cinema americano
contemporâneo, sendo que como marco zero escolhemos
o ano de 1968, com todos os significados que este possui.
Mas, mesmo com este corte, claro que ainda teríamos
um mundo de filmes a disposição, afinal, a
priori, todo filme americano jamais feito nos diria bastante
da imagem daquele país. Por isso mesmo, a segunda constatação
foi óbvia: esta pauta, por mais trabalho que tivéssemos,
seria apenas um recorte possível, um apontar de dedos.
Sabemos que, por mais filmes, diretores e temas que escolhêssemos,
explicar a expressão cinematográfica de um país
é exercício para muitos anos. O que nos tranquiliza
é acreditarmos que temos feito este exercício
há muito tempo, e que continuaremos fazendo. A pauta
que está no ar é, antes de tudo, uma depuração
do tema, um olhar aprofundado, um destaque dado num certo
momento, destaque este pedido pelas circunstâncias vividas.
Porém, o trabalho só se completará mesmo
a cada mês, a cada texto, a cada seção.
Ou seria melhor dizer: não se completará, o
que nos parece tão assustador quanto fascinante. Porque
a grandiosidade do nosso objeto de trabalho é, afinal,
o que nos fez querer fazer dele a nossa ocupação.
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Completa
a edição em DVD/VHS uma pauta dedicada
à análise dos filmes de John McNaughton, cineasta
que despontou com Henry Retrato de um Assassino,
conheceu o fracasso de público com o belo Uma Mulher
para Dois e logo depois foi esquecido dirigindo filmes
para TV. Bom cenário para uma redescoberta. E continuamos
com reformulações constantes nas seções
de TV e no Plano Geral, que são duas
das nossas seções de atualização
diária ou semanal, além da de críticas
de filmes em cartaz. Boa leitura.
Eduardo
Valente
ça
fotos da edição: Fernando Duarte |