Editorial



No ano em que George W. Bush mete goela abaixo do mundo o conceito de "guerra preventiva", alterando a diplomacia internacional, Martin Scorsese propõe com Gangues de Nova York uma visão aguda de seu país. Política e cinema convergem, e Contracampo pesquisa a imagem que o cinema americano dá de seu país. (foto: Taxi Driver, Gangues e Touro Indomável)
   
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fotos da edição: Fernando Duarte

Quem ama/quem USA: que país é este? A vida imita a arte ou a arte explica a vida? Será o cinema (ou a arte como um todo) menor do que a vida ou, mais ainda, fará sentido falar sobre e celebrar filmes quando uma guerra acontece do outro lado do mundo? Esta pergunta foi o principal tema da mídia nos dias que antecederam o Oscar, a grande festa da principal indústria americana por excelência (logo depois da bélica, lógico). Pergunta que traz embutida nela mesma a auto-importância que exemplifica a postura da política externa americana atual. Afinal, como a nossa mídia caseira não nos deixa esquecer com seus clichês constantes, há uma guerra diária sendo vivida nas ruas de nossas metrópoles, por exemplo, e ninguém nunca perguntou se era ou não "adequado" estar se entretendo ou celebrando a arte ao mesmo tempo em que isso ocorre. E assim acontece pelo mundo inteiro (EUA incluídos). Portanto, a primeira insinuação da pergunta está mais do que respondida: a arte nunca foi invalidada pela vida. Cãezinhos e mamães morrem todos os dias, pessoas sofrem horrores indizíveis cotidianamente, e isso nunca foi motivo para questionarmos a validade do ato artístico e sua fruição, muito pelo contrário. O problema, portanto, era muito menos uma questão de ética do que de marketing: seria uma boa idéia fazer a celebração da opulência e riqueza industrial americana em Hollywood e no Iraque ao mesmo tempo? Não seria um pouco demais?

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Nos parece então que a pergunta verdadeiramente urgente estava sendo esquecida, uma vez que a arte sempre foi palco tanto de reflexão quanto de propaganda, e portanto, de essencial importância em qualquer momento histórico, em especial os de guerra. Questão importante mesmo, nos parece ser: como podemos nós, que lidamos com a arte (mais especificamente o cinema, no caso da Contracampo), responder adequadamente a um fato como esta guerra? Fato este muito maior do que uma batalha por Bagdá, pois parece traçar os caminhos do que viveremos no mundo, pelo menos num futuro próximo. Claro que há possíveis atos políticos e pessoais os mais variados, que vão da ida a Bagdá como escudo humano, passando por passeatas, ou um boicote ao McDonald's ou a Coca-Cola. São, sem dúvida, opções ao alcance dos indivíduos. Mas, ainda nos perguntávamos como lidar com o momento dentro do nosso trabalho cotidiano; como responder, pelo cinema, a esta situação. A resposta veio, como não poderia deixar de ser, do próprio cinema. Vendo e revendo Gangues de Nova York, de Martin Scorsese (não por acaso, o grande perdedor do Oscar de 2003), o projeto do diretor de refletir sobre a formação não apenas da idéia do que sejam os Estados Unidos da América, mas da sua representação imagética, cinematográfica, nos pareceu o mais adequado ponto de partida para o que é nossa pauta principal neste mês. É ponto pacífico (sem trocadilhos) na revista, e esperamos que com os leitores também, o poder do cinema como meio de expressão e estudo do imaginário, não só de um diretor, mas acima de tudo de um país, de um momento histórico. Então, a pergunta urgia: afinal, que imagem de nação tem projetado o cinema americano, e como ela pode nos ajudar a entender os EUA de hoje? Quais filmes, diretores, temas, nos ajudam a ler um país por esta que é sua expressão artística mais característica?

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Logo descobrimos que o objetivo era muito mais ambicioso do que poderíamos dar conta em tão pouco tempo. Ao mesmo tempo, tínhamos certeza da urgência de nossos objetivos. Então, como o manancial de objetos parecia interminável, optamos por um corte de ordem histórica: nos ateríamos ao cinema americano contemporâneo, sendo que como marco zero escolhemos o ano de 1968, com todos os significados que este possui. Mas, mesmo com este corte, claro que ainda teríamos um mundo de filmes a disposição, afinal, a priori, todo filme americano jamais feito nos diria bastante da imagem daquele país. Por isso mesmo, a segunda constatação foi óbvia: esta pauta, por mais trabalho que tivéssemos, seria apenas um recorte possível, um apontar de dedos. Sabemos que, por mais filmes, diretores e temas que escolhêssemos, explicar a expressão cinematográfica de um país é exercício para muitos anos. O que nos tranquiliza é acreditarmos que temos feito este exercício há muito tempo, e que continuaremos fazendo. A pauta que está no ar é, antes de tudo, uma depuração do tema, um olhar aprofundado, um destaque dado num certo momento, destaque este pedido pelas circunstâncias vividas. Porém, o trabalho só se completará mesmo a cada mês, a cada texto, a cada seção. Ou seria melhor dizer: não se completará, o que nos parece tão assustador quanto fascinante. Porque a grandiosidade do nosso objeto de trabalho é, afinal, o que nos fez querer fazer dele a nossa ocupação.

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Completa a edição em DVD/VHS uma pauta dedicada à análise dos filmes de John McNaughton, cineasta que despontou com Henry – Retrato de um Assassino, conheceu o fracasso de público com o belo Uma Mulher para Dois e logo depois foi esquecido dirigindo filmes para TV. Bom cenário para uma redescoberta. E continuamos com reformulações constantes nas seções de TV e no Plano Geral, que são duas das nossas seções de atualização diária ou semanal, além da de críticas de filmes em cartaz. Boa leitura.

Eduardo Valente

ça

fotos da edição: Fernando Duarte