Noites Calmas, de Keith Gordon

A Midnight Clear, EUA, 1992





O segundo longa-metragem como diretor de Keith Gordon (ator cujo currículo contém participações notáveis em filmes de Brian DePalma e John Carpenter) não é uma daquelas grandes descobertas ou revelações que o frequentador de videolocadoras vai encontrar nas estantes empoeiradas. Não é, antes de tudo, um filme que empolgue o cinéfilo mais experiente ou exigente: sua realização é por demais tímida e seus resultados, por conta da irregularidade do conjunto, bastante modestos. Um pequeno filme, contudo, quase sempre esconde sob suas imperfeições os elementos de um grande filme. É o caso de Noites Calmas.

A premissa é interessantíssima: uma patrulha composta por meia-dúzia de jovens soldados americanos é designada para uma missão de reconhecimento num ponto qualquer localizado na fronteira entre França e Alemanha, durante o inverno de 1944. Na expectativa de uma ofensiva inimiga, eles ocupam uma mansão abandonada enquanto observam possíveis sinais de movimentação do exército nazista. Neste ínterim, um pequeno grupo de soldados alemães, temendo ser mortos em batalha já no fim da guerra, resolve render-se aos aliados; para tanto, temendo uma represália de seus pares em caso de sucesso da ofensiva, os dois grupos concordam em simular um conflito armado no qual os alemães seriam falsamente capturados; como sempre em tais casos, algo sai errado e o resultado é trágico para todos.

A direção comete ao menos dois erros estratégicos, sobretudo na primeira metade do filme: há, por um lado, a excessiva dependência de submeter a narrativa à criação de uma atmosfera de estranhamento, que fica apenas na tentativa, na mera acumulação de elementos pontuais que carece de uma integração mais orgânica; por outro, talvez em decorrência dessa falha essencial, Gordon, uma vez que conquista o controle da narração, termina acelerando o relato rumo ao clímax deixando apenas entrevistas as bases de uma construção mais fluida. Assim, a sequência fundamental de Noites Calmas, para onde tudo no filme aponta, resulta em impacto menor que o esperado, carente de maior apoio dramático.

Gordon, porém, conduz a trama sabendo valorizar os gestos e conflitos das personagens, por quem nutre inequivocamente grande afeição e respeito, o que já é em si algo raro. Os melhores momentos do filme são aqueles onde o diretor centra seu olhar sobre as relações internas entre os membros da patrulha americana e na interação entre os dois grupos de soldados – um senso de observação amparado nos dois maiores trunfos de Gordon: a concepção e utilização extraordinárias da narração em off e a direção cuidadosa do ótimo elenco (em que se destacam o jovem Ethan Hawke e o veterano Curt Lowens). Os dois elementos se complementam mutuamente, com harmonia; e Gordon sabe muito bem como valorizá-los (ou quando abrir mão de um em função de outro, como no fim).

O tom geral é propositadamente contido, quase tímido, ao longo de todo o relato – o que no fim das contas termina amenizando os problemas da narração e valorizando o registro mais íntimo. Uma bela sequência se destaca do conjunto: o único flashback que vale como o resumo e o depositário das intenções de todo o filme. Há ali o compromisso de um cineasta com a ética de um humanismo legítimo, sem firulas nem oportunismos; um gesto pequeno, modesto, porém grandioso.


Fernando Verissimo