Fernando Meirelles


Como vê o cinema brasileiro no momento, falando especificamente dos filmes e não dos processos de produção? Que qualidades e defeitos principais você enxerga na nossa produção?

O nosso cinema está reencontrando o público. Claro que sempre haverão autores que não negociam suas visões pessoais e continuarão fazendo filmes para 30 mil espectadores e reclamando do sistema de distribuição depois (que de fato é ruim), mas os cineastas desta nova onda tendem a pensar na audiência como parte de seus projetos. É possível fazer isso sem perder a força de um filme. Estamos entrando na era dos bons filmes para o mercado e está acabando a retrógrada visão de que ou é um filme para o mercado ou é uma obra de arte. Essas são duas características não excludentes.

Como você entende a relação do realizador de cinema com o público? É possível planejar um projeto para um público?

Eu não saberia planejar um filme para o público e já vi muita gente quebrar a cara tentando criar sucessos partindo desta motivação. Mas uma vez que você acredita numa idéia e sabe onde está seu foco, é possível criar alguns mecanismos para incluir o público no filme. Para dar exemplo concreto: Em CDD, às vezes congelamos uma imagem e criamos um off para explicar quem é um personagem, isso foi inventado quando notamos que algumas pessoas não entendiam algumas passagens. Cortei 40 minutos do filme, que gostava muito, pois sabia que muitas pessoas deixariam de vê-lo se tivesse 3 horas. Depois do roteiro pronto ficamos incluindo pequenos detalhes para cada personagem, apenas para deixa-los mais interessantes para o espectador. Um filme pode ser complexo mas não deve ser hermético. É imoral gastar milhões de reais de um país como o Brasil e permitir que apenas alguns poucos possam usufruir. É um elitismo típico de nosso país que não considero justo.

Como realizador e produtor de cinema, como você vê o modelo atual de produção e exibição no Brasil, os papéis do Estado e da iniciativa privada?

Fora os EUA e a India, acho que em todos os outros territórios o estado tem um papel fundamental para a industria do cinema. No Brasil não é diferente. Mesmo assim estou tentando montar uma produtora que vai procurar financiar seus projetos com dinheiro "bom" do mercado internacional, como faz Almodovar, que é meu modelo de empresa. Quando se faz isso, como aconteceu com CDD, dificilmente o produtor recebe algum dinheiro pela comercialização, mas a nossa idéia é justamente remunerar a produtora na produção. Ou seja, orço um filme, coloco uma taxa para a produtora, arrumo o dinheiro internacional, entrego o filme, fico com a minha taxa e acabou.

Enxerga alguma medida como a mais urgente a ser tomada para melhorá-lo?

Sei que tem gente muito mais informada do que eu pensando nisso. Meu foco está mesmo em conseguir trazer parcerias externas para o Brasil. A O2 Filmes está investindo nisso assim como o Walter Salles, Almodóvar, Wong Kar-Wai, Afonso Cuaron etc.

De que formas você acha que a projeção conquistada por você no exterior pode ser voltada para o cinema brasileiro como um todo?

Por enquanto o filme trouxe baixas para nosso cinema: Cesar Charlone foi filmar com o Tony Scott, Daniel Rezende está em Los Angeles montando o filme do Walter mas já foi sondado por diretores do primeiro time, o Braulio Mantovani já está representado por um agente. Mas todos voltam mais experientes. Espero.

Você planeja, por exemplo, se dedicar a produzir, permitindo que outros cineastas também cheguem a realizar?

É exatamente isso que estamos fazendo. A área de cinema e TV da O2 Filmes deve crescer nos próximos anos. Estamos envolvidos em 3 projetos de novos diretores para o próximo ano e tentando preferencialmente um financiamento externo, como Madame Satã ou CDD. Aproveitei minhas viagens que não acabam nunca para começar a estabelecer estas parcerias. Parece que vai dar certo. Se dependermos apenas da captação na lei, teria que produzir um filme por ano na melhor das hipóteses. O mercado internacional está aberto a todos, apenas não temos os bons negociadores e bons vendedores aqui no Brasil. Nem para negociar a ALCA e nem para o cinema.

Como você lida com o assédio do estrangeiro para produzir fora do país? De que forma você acha possível mesclar a produção internacional com uma noção de cinema brasileiro, e até onde te interessa ir nesses projetos?

Recusei os projetos em que eu deveria apenas dirigir filmes de estúdio em inglês, mas estou interessado na possibilidade de trazer parte de projetos internacionais para serem filmados aqui. Quero fazer um cinema brasileiro mas cosmopolita ao mesmo tempo e não voltado apenas para nosso próprio mercado. Daqui a 3 anos devo dirigir algum projeto fora do Brasil.

Por que você faz cinema?

Gosto de contar histórias, de emocionar ou surpreender a audiência. Fazer cinema é uma excelente forma de entender o mundo, uma boa desculpa para mergulhar nas questões que me inquietam e me estimulam. Ha também um grande risco envolvido em cada projeto, como não faço bungie-jump, esta atividade me entrega a adrenalina correspondente.

Quais foram suas principais influências, em cinema ou não, na sua formação e no momento atual?

Pensei em fazer cinema seriamente pela primeira vez depois de assistir Iracema, de Jorge Bodansky. Na época assistia muito os jovens cineastas alemães que me ajudaram a reforçar esta intenção. Aí passei anos vendo tudo de interessante que podia ser visto no Brasil. Dos novos cineastas que me interessam posso falar no Paul Thomas Anderson, Todd Solondz, Wong Kar Wai, desta onda latino americana acompanho o Alejandro Iñarritu, Alfonso Cuarón, Pablo Trapero, Carlos Sorim, Gaspar Noé e outros além dos meus colegas Andrucha, Walter Salles, Beto Brant, Laís Bodansky, Luis Fernando Carvalho, Guel Arraes, Jorge Furtado etc. Pulei os clássicos mas evidentemente são referências fortes.

Que projetos você tem de realização, a curto e a longo prazo? Quais são os próximos trabalhos, e também, o que você deseja conseguir atingir ao longo da sua carreira? (não se tratando aqui de um exercício de futurologia, e sim de falar de desejo de realização pessoal)

Devo filmar em 2004 o projeto no qual estou trabalhando, sobre a globalização. Deve ficar pronto em 2005. Depois vou fazer um grande filme de estúdio e finalmente voltar para o Brasil e tentar fazer um projeto que é um sonho, mas não me sinto preparado ainda: Grandes Sertões Veredas. Isso se ninguém se aventurar antes. Depois dos 65 acho que mudo para o teatro, que é mais leve, menos físico e estressante.