Parte 8: Os "sem público", cinema regional, Houve Uma Vez Dois Verões, Separações


Eduardo - Eu queria ver agora uma lista de filmes para a gente discutir de forma mais rápida, partindo de uma constatação que não sei se vocês acharão interessante, mas que eu observo a partir dessa lista de bilheterias do ano. Acho que é uma lista de filmes que levanta a pergunta: "Para quem eles foram feitos? Quem seria o público que os realizadores desejavam ou pensavam que iria assisti-los?" Com exceção dos documentários de menor público (Poeta de Sete Faces, Nem Gravata Nem Honra), mas que estão num gênero que normalmente é mesmo mais restrito, são os filmes que ficaram nas últimas posições no ranking do ano. A lista teria: As Três Marias, Latitude Zero, Duas Vezes com Helena, Lara e Eu Não Conhecia Tururu.

Daniel - Latitude Zero não é um filme sem qualidades...

Eduardo - Eu não estou dizendo que estes filmes não têm qualidades, e sim de filmes que você ao ver pode pensar: "Este filme será lançado aonde, e quem irá assistir?" No contexto atual do cinema brasileiro e do público de cinema, mesmo. Isso fica claro para mim, por exemplo, quanto ao Lara. Assim que eu vi, eu pensei: "Por quê?" e "Para quem?"

Daniel - No caso do Três Marias eu acho que ele queria ir aonde ele foi: para vários festivais europeus.

Ruy - O Latitude Zero tem uma tentativa de proposta. Parece até com dois outros filmes: o próprio Três Marias, só que obviamente mais bem sucedido, e com o Lavoura Arcaica. As tensões autorais, a tentativa de criar um cinema em que todo mundo trabalhe no melhor que pode, tenha uma fotografia o mais bem trabalhada possível... Existem pontos de conjunção entre esses três filmes, e o Latitude Zero obviamente está muito além do Três Marias mas muito aquém do Lavoura. Mas o trabalho dos dois atores é muito bom, apesar dos personagens bem aquém.

Daniel - Eu acho que o filme consegue criar um ambiente de tensão como o que você vê inclusive no Um Céu de Estrelas.

Eduardo - Eu coloquei esses filmes no mesmo grupo a partir de um pressuposto, mas eu gosto do Latitude Zero, e não só dele como do Duas Vezes com Helena também. Mas o que eu talvez não tenha explicado bem é que, embora eu não ache que obra de arte nenhuma deve ser feita tendo como única referência uma recepção do público, mas você deve sim estar pensando em algum público. E de que forma se pode articular para que o teu trabalho chegue até esse público desejado. Então, vamos pegar a trajetória do filme do Toni Venturi: ele foi lançado em no Festival de Brasília, em novembro de 2000. Em um ano e meio, circulou por festivais do Brasil inteiro. Foi lançado em maio de 2002, e cumpre num circuito comercial uma carreira onde o número de pessoas que viu o filme é certamente menor do que o coletivo das pessoas que o viram nos festivais. A minha grande pergunta, e aí eu remeto a questão lá do início sobre a Riofilme, é: este lançamento comercial destes filmes cumpre de fato alguma função? Porque é verdade que os 11 mil que atingiu o Três Marias significa muito menos do que os 6 mil que viram o Rocha que Voa, no sentido da criação e relevância de um fato novo no cinema brasileiro. Então, quando eu vejo Eu Não Conhecia Tururu estreando lá no Estação Botafogo 2, eu acho importante e me questiono bastante: tirando o fato de que no fim do ano as pessoas do CBC ou da Secretaria do Audiovisual terão uma estatística dizendo que foram lançados este ano 35 filmes e não 34, que trajeto é esse? Cumpre qual função?

Ruy - É um compromisso de desova, volta aquela coisa.

Eduardo - Mas este compromisso é com quem? Porque está sendo gasto dinheiro com isso...

Ruy - Existe um filme de R$800 mil, um milhão, que precisa ser lançado... Como Os Cristais debaixo do Trono, que até hoje não encontrou exibidor. De repente o produtor ou a própria Florinda Bolkan tinham mais amigos nos lugares certos.

Daniel - Eu acho que, se tem dinheiro investido no filme pela Lei Rouanet ou Audiovisual, tem uma pressão natural para que ele seja lançado. Não acho que só você ser amigo do diretor da Riofilme te garante lançar o filme. Se o MinC quer que lance...

Junior - E há desovas escancaradas, como o Eldorado que foi lançado nas últimas semanas do ano, semanas mortas, lá no Estação 2, e lá mesmo morreu.

Gilberto - Eu não Conhecia Tururu, por exemplo, não conseguiu despertar interesse nem na nossa panelinha restrita de quem costuma prestigiar o cinema nacional.

Cléber - A questão principal que tem nessa pergunta, pra mim, é: vamos supor que o público que exista para o Latitude Zero sejam esses 8 mil espectadores, que ele não tenha um público muito maior do que este de pessoas que queiram ver o filme. Um filme que não vai ter muito mais do que este público, como mesmo os filmes do Bressane que nunca passam dos 15 mil, ele não deve ser lançado por isso? Falo isso partindo do fato de que eu gosto muito do filme do Venturi, acho que ele tem que existir. Mas óbvio que, quando eu vi o filme, achei que mais ninguém ia querer ver.

Eduardo - Eu acho que o filme tem que existir e ser lançado. Mas o que eu me pergunto sempre é: será que esses 7 mil não poderiam ser 23 mil, e ele está sendo preguiçosamente jogado?

Cléber - Mas essa pergunta você poderia fazer possivelmente sobre todos os filmes...

Eduardo - Sim, mas nestes é mais grave porque, se sabemos que num país como o nosso os 3 milhões de espectadores do CDD representa pouco, o que seriam estes 7 mil?

Daniel - Eu acho que voltamos à questão: o Latitude Zero você pode não saber para quem ele foi feito, mas se passasse na TV ele encontraria o seu público. Cada um destes encontraria um público diferente.

Ruy - Eu acho que sim, e que foram criadas chancelas como o daquele prêmio da HBO, que acabou não indo adiante.

Gilberto - O Latitude Zero especificamente é um filme difícil, com uma proposta particular...

Daniel - Não podemos menosprezar a inteligência do público...

Cléber - Acho que não é menosprezar, é mesmo uma questão de quantas pessoas estão dispostas a ir ao cinema para levar porrada...

Eduardo - Nesse caso eu acho interessante o Três Marias. É um filme que foi lançado pela Lumière, ao contrário dos outros, que são todos autênticos produtos da Riofilme, e tem um esforço do Aluizio Abranches que eu acredito que seja maior do que somente os festivais internacionais, embora eu veja isso bem forte, que é uma tentativa de uma "popzação" daquela história, uma aproximação com um público jovem, antenado...

Cléber - Um "neo cangaço"...

Daniel - Eu acho que o trailer do filme atrapalhou muito. Não que o filme seja melhor do que o trailer.

Cléber - Eu acho que o filme em nenhum momento dá um brecha para você entender porque ele foi feito. É impossível você saber o que ele quis com aquele filme. Você pode elocubrar: "ah, voltou ao cenário do sertão, numa visão pós-moderna, onde o matador não tem uma postura messiânica, é um mercenário completo, no fundo são as mulheres que precisam sujar as mãos..." Mas eu honestamente não entendi, e olha que eu fiquei tentando.

Ruy - O Aluizio Abranches entendeu?

Cléber - Por ouvir ele falar, aparentemente não.

Bruno Andrade - Para o Aluizio Abranches eu tenho três perguntas: Primeiro, o que é uma fábula dark anti-naturalista, que é como ele definiu o filme? Segundo: para quem ele está fazendo esta fábula dark anti-naturalista? Terceiro: se ele mesmo não gosta do filme, como fica evidente em cenas, em planos, que ele não está gostando de fazer aquele filme, da ambiência do Nordeste, ele não está nem interessado em estar ali, para quê fazer o filme? Tem a cena da Julia Lemmertz dançando junto com o povo, e tal, uma cena rapidinha... para que ele está fazendo aquilo ali?

Ruy - Provavelmente a cena foi custosa e ele não quis tirar na montagem...

Bruno - Exato, e é assim que o filme vai indo e acaba sendo tudo menos o filme que era para ter sido. Ele acaba sendo como aqueles três caminhos que os carros pegam: ele é tudo e acaba não sendo nada. Não é qualquer filme.

Ruy - E certamente é o único filme sobre o qual ninguém na redação da Contracampo consegue ter uma coisa boa para falar ou defender.

Cléber - Ou simplesmente ter coisas a falar, boas ou não.

Eduardo - E Eu Não Conhecia Tururu fica registrado com o detalhe que só eu vi, né... Sem mim, seriam 794 os espectadores... E eu não vi em festival, paguei ingresso e fui no cinema mesmo! Um dado que me surpreendeu aqui é que eu achava que o Sonhos Tropicais ia cair nessa categoria, e ele fez quase 35 mil espectadores.

Cléber - Precisa ver se isso leva em conta um público para o qual ele foi muito destinado, que é o do projeto escola. Porque são sessões pagas, e ele fez uma carreira nisso. Eu não sei se ele cumpre bem essa função, mas ele certamente se presta a esse trabalho. Eu sinto falta de uma lógica interna. Não tem personagem e dramaturgia suficiente ali, é uma reconstituição permanente na ficção.

Felipe - Eu acho ele eficaz como romance histórico...

Gilberto - Eu acho que você podia fazer um filme sobre a revolta, como podia fazer um sobre imigrantes...

Eduardo - Eu acho o mais grave aquilo que o Karim conversava com a gente na entrevista: ele não consegue fugir do verniz do tal do "filme histórico". Ele se preocupa demais com isso, e acaba engessado.

Daniel - E ele se interessa sobre a narrativa que é a menos interessante ali, que é a da prostituta. Ali tem um envolvimento pessoal, mas a história não é bem resolvida. Agora, a Revolta da Vacina, que é um momento histórico forte e que pode causar reflexões, é vista com um olhar histórico pesado, com um Oswaldo Cruz absolutamente desinteressante e com uma paixão que não passa pra gente. A paixão que o Oswaldo Cruz tem pela questão, em nenhum momento você acredita nela.

Eduardo - E havia inclusive a história toda da dengue, que criava um paralelo interessante.

Gilberto - E, mesmo do ponto de vista didático, você não chega a aprender nada que você não sabia.

Ruy - O filme é um painel histórico, são várias histórias que se entrecruzam. São vários ciclos: é um painel histórico e ao mesmo tempo um painel dentro desse painel. Quantos minutos você imagina que precisa para narrar isso com pertinência? E falta produção, tem uma cena de barricada que é patética, onde você não consegue reconstituir nada. E tem um negrão que parece um maníaco, o Antonio Grassi representa um marxista... tem momentos constrangedores.

Eduardo - Agora, tem dois filmes que, eu não sei se alguém assistiu algum episódio de A Casa das Sete Mulheres, mas eu acho interessante pensar a questão da utilização ou do fato em torno deste tal "cinema regional". Seria o Netto Perde sua Alma e o Paixão de Jacobina. Um de fato surge num espaço localizado no Rio Grande do Sul enquanto outro vai se utilizar deste espaço, por uma questão seja de produção, seja de lançamento promocional, que até foi bem sucedido o lançamento dos dois lá.

Ruy - Cinema regional é Talício Sirino porque o sujeito consegue fazer o filme ali e ali mesmo consegue ganhar dinheiro para pagar o filme que ele fez. Agora, fazer um filme de R$ 8 milhões para conseguir R$ 1 milhão no local onde você fez, eu não acho nada de regional. É mais uma vez restituir a prática comum do cinema brasileiro do filme que já estréia pago, e justificar dizendo que pelo menos para uma parte da população aquilo é interessante. O Netto, tudo bem, é um filme que simplesmente não tem cacoete para ser audiovisual. É um livro filmado que consegue contar um relato de literatura local, então pelo menos tem sua fruição lá. Agora, Jacobina eu não vejo muito sentido...

Gilberto - No filme essa questão do regional foi uma arma encontrada pelo Barretão para fazer um lançamento lá e tentar um outro Quatrilho.

Eduardo - Nesse ponto é que eu queria chegar, porque o Jacobina fez 150 mil espectadores, e o fato é que eles tinham uma real esperança de muito mais. Porque o Barretão não é o tipo do cara que se acomoda com o fato de que conseguiu seus R$ 8 milhões e depois não faz questão de lançar e que as pessoas vão assistir. Até porque ele tem uma história de públicos muito grandes, o que acostuma a pessoa a querer buscar isso. Mas eu acho que esse é um filme que, acima de tudo e ao contrário do Quatrilho (que é um filme do qual eu não gosto nem um pouco), soa anacrônico do início ao fim e completamente deslocado de qualquer realidade do que seja hoje o público de cinema. E eu falei no início disso sobre A Casa das Sete Mulheres porque eu acho interessante que, na verdade, a TV me parece estar apta a cumprir essa linha do imaginário audiovisual brasileiro de forma muito melhor. Nem melhor necessariamente no sentido da qualidade, mas melhor em dar ao público o que ele espera desse tipo de modelo. E, assim sendo, para que o cara vai sair de casa e ir ao cinema assistir um filme quando sabe que tem séries na TV que o satisfazem muito mais?

Ruy - É de se notar que a Globo tem melhorado muito as adaptações tanto de Nordeste quanto de Sul, nas novelas e nas minisséries. Muito melhor do que o cinema brasileiro tem conseguido fazer.

Eduardo - Vamos fechar então com dois filmes de cunho popular, comercial, e que muitas vezes são criticados por isso mesmo, por não serem mais do que isso. São dois filmes que foram lançados no Rio agora no início de 2003 e que já cumprem de alguma forma um papel: o Separações está com uma bela carreira comercial para o tamanho do seu lançamento, e o Houve Uma Vez Dois Verões, que foi, na minha opinião, assassinado pela distribuidora ano passado e este ano lançado quase à revelia da distribuidora no Rio, e está fazendo um sucesso de público por cópia excepcional.

Daniel - A gente já falou da coisa da comédia romântica hoje, e impressiona no Houve Uma Vez o talento do Furtado e a capacidade dele usar determinadas artimanhas de estrutura de roteiro, sem que elas nos pareçam estar forçando qualquer coisa no filme, pelo contrário, mostrando que essa estrutura e suas regras não estão lá para te atrapalhar a contar a história e sim para ajudar, te sugerir momentos de transição. Ele consegue fazer com que isso seja extremamente encantador, extremamente acessível. Mas, como eu falei no artigo para a pauta da Casa de Cinema, nem porque ele tenha o domínio disso e sim porque ele tem um verdadeiro interesse.

Ruy - Para fazer uma comparação esdrúxula, entre Houve e o CDD, são os dois filmes onde você vê uma pessoa e ela não parece um personagem, e sim uma pessoa. Você olha e não tem um personagem, você vê ali uma pessoa. O Madame Satã mesmo, é um filme histórico em cujo espectro você um personagem. Quando eu olho pro filme do Furtado, onde você precisa que haja uma pessoa para você se identificar, e não um personagem, você vai encontrar. Lá nós temos dois adolescentes, falando como dois adolescentes, que falam sobre comer uma mulher, querer perder a virgindade e tal. Então eu acho que o filme, mais do que suas estruturas de roteiro, consegue uma identificação por isso. Por ser sincero.

Eduardo - O Furtado tocou num ponto na entrevista que eu achei essencial e que eu não tinha me dado conta, que este é o único filme dele realista, ou seja, sem flashback, sem mexer na estrutura, sem botar um voice-over externo, não brinca com a narrativa, vai numa reta e conta a história... Ele mesmo destacou isso, e eu acho isso muito legal. A segunda coisa, e esta tecla eu vou bater nela o quanto for necessário, a tentativa de dialogar com o público e a idade de espectador que é aonde o cinema brasileiro sempre perde seu público, que ele tem no cinema infantil: o adolescente. O cinema brasileiro lida, via de regra, com público infantil e público adulto, pulando o público adolescente, que é para quem é feito 85% dos filmes americanos hoje em dia, porque eles sabem que este é quem vai essencialmente ao cinema hoje.

Ruy - Mas Cidade de Deus também é para o público adolescente.

Eduardo - Ele também serve para este público, mas não é voltado como formato essencialmente para ele. Pela estética e narrativa ele consegue pegar esse público, mas o tema em si seria altamente inesperado. Penso num Senhor dos Anéis ou num Sinais, e Cidade de Deus eu acho que jamais seria produzido nos EUA pensando num lançamento de verão.

Daniel - Ao contrário, a crítica americana o aborda como parte de um filão mais realista.

Eduardo - Então, eu acho interessante esta tentativa do Furtado de, neste seu primeiro filme, partir para esse caminho, e mais, de conseguir este diálogo muito claramente. Neste ponto inclusive que eu considero o filme abortado pela distribuidora, porque ela quase conseguiu impedir que o contato do filme com este público se desse, mas ele se dá. Quem viu qualquer sessão do filme com o público percebe e eu acho isso importante demais. Só tem ido adolescente ao cinema, quer dizer, muitos pais também, mas o principal é você ver o adolescente saindo do cinema feliz com o que viu. Porque é ali que se instaura o preconceito com o cinema brasileiro, com este público. Então se este filme vai fazer 70 mil espectadores, seria essencial que fizesse 170 mil, porque seriam 100 mil espectadores a mais desse perfil que teriam visto um filme brasileiro e achado muito bom. Que gostaria de voltar para ver outro, já que o cinema brasileiro sempre é tratado como gênero. Então é um filme que ter sido mal lançado me deixa especialmente triste, porque eu vejo nele uma função importantíssima.

E o filme do Domingos, acho que cai na mesma estupidez ao receber críticas que o filme do Furtado. O Cléber tratou disso no texto dele. Diminuir a importância do filme pelo escopo supostamente limitador, como se o filme fosse apenas para abonados da Zona Sul se divertirem...

Daniel - É negar o valor do cinema dos sentimentos. Como se um cinema que falasse de relações e dos sentimentos fosse banal. É essencialmente um cinema ético. O cinema de costumes é um cinema ético.

Gilberto - Seria como dizer que o que o Rohmer faz só serve ali ao parisiense...

Eduardo - E acho importante, nessa aproximação entre os dois filmes, ver que em termos de talento tanto o Furtado quanto o Domingos fazem o que eles sabem fazer muito bem. E acho que tem esse trabalho com os personagens, e a ética por trás das relações. No filme do Domingos... uma coisa que me marca muito na comédia romântica americana que nos é oferecida mais comumente é que há sempre uma necessidade de demonizar um dos participantes de um triângulo amoroso para que possamos ter uma solução que nos satisfaça no sentido de uma ordem sendo reestabelecida. No filme dele é marcado como a cada ganho corresponde uma perda, e não há como negociar isso. E nem isso é bom ou ruim, é apenas como são as coisas.

Ruy - Contra o filme, eu acho que o filme se envolve a respeito de dois personagens, por mais que o resto exista sem ser demonizado. Você passa pelo filme como se isso não fosse importante, tem aí um déficit, e quando no final há uma ordem geral que faz com que tudo encaixe e dê certo, e isso faz com que exista algo de problemático, ou fácil demais. Outra coisa que me incomoda é o fato do filme ser uma peça e a passagem para o cinema se realiza um pouco "nas coxas". De fato, tem algum desnível entre o ágil e o rápido demais. Eu acho que, no Amores e no Separações, o Domingos privilegia demais uma agilidade em detrimento de uma escolha dos lugares onde colocar a câmera, fazendo não haver exatamente uma junção entre trabalho de câmera e atores, com um resultado algo teatral demais, onde colocar a câmera vira apenas uma questão de agrupar melhor a cenografia que está atrás e os atores. Mas, apesar de tudo isso, eu acho o filme forte.

Cléber - Eu até concordo com suas restrições, mas acho que o Domingos, tanto no Amores quanto no Separações, tem algo que falta muito em muitos filmes brasileiros, que é uma verdade. A força do que está sendo colocado, a convicção com que aquilo está sendo mostrado é tão grande que todos os atritos ficam secundários. É um cinema que joga a técnica para escanteio e privilegia a verdade de cada personagem. Eu vejo um certo desleixo, uma certa teatralidade, algo que aqui funcione melhor e ali não, mas tem um motor ali por trás tão potente, e que em outros filmes tecnicamente irrepreensíveis não existe, que torna o filme dele muito maior. São deficiências que, no cômputo geral, não contam em nada nem para nós que estamos analisando de uma maneira mais ampla, nem para o espectador que vai ver o filme. O cara sai emocionado, sai chorando, dá risada, se envolve demais com aquilo.

Ruy - Sem dúvida. Tem situações que envolvem os dois que são fortes demais, que envolvem. Algumas reclamações que eu ouvi de pessoas foram sobre o gigantismo do personagem do Domingos, como a vontade dele é maior do que os outros, até mesmo para atrapalhar a vida de algumas pessoas, onde ele não se incomoda e o filme não problematiza isso. Agora, existe um correlato disso na própria vontade de fazer o filme, existe este gigantismo de tentar mostrar para todo mundo como esse amor é tão forte a ponto de ser superior à moral, ao segundo pensamento, "contar até dez"... Agora, eu me ressinto de um certo pensamento para a câmera disso. Sem dúvida a coisa poderia ser pensada, e tem certas cenas que me parecem esquemáticas porque a mise-en-scène não é boa: a filmagem no Baixo Gávea, todas as cenas que envolvem mais do que 3 ou 4 personagens me parecem um pouco excessivas: ou o diálogo forte demais, como a cena inicial e a final, que acima de tudo eu não gosto. Nela parece uma daquelas peças de Shakespeare, só que os personagens secundários não são tão fortes. Não existem personagens, só existem os dois. Mas são ressalvas a um bom filme, sem dúvida.

Eduardo - Bom, acho que vamos parando, mais do que isso ninguém aguenta ler e nós mesmos não aguentamos mais falar. Vamos ver os assuntos que teremos ano que vem, entre eles certamente Carandiru, Deus é Brasileiro, Amarelo Manga, Dois Perdidos, Durval Discos...

Ruy - Seja o que Deus Quiser!