Carlos
Reichenbach
(Império do Desejo, Filme Demência, Alma
Corsária, Dois Córregos - 12 longas em 32 anos de carreira)

- Como você compararia as dificuldades
de realização de um filme no momento atual com outros já
vividos dentro do cinema nacional? E no lançamento dos filmes e
sua chegada ao público?
- Como você vê o cinema brasileiro
no momento atual, falando em termos de filmes e estética?
- Quais as expectativas para a entrada
de um novo Governo (o que sempre significa toda uma nova série
de orientações para o andamento da produção)?
Quais áreas você consideraria as mais emergenciais em termos
de ação deste Governo?
Fugi deste questionário por vários
dias porque o assunto não me estimula o menor prazer.
Como alguns dos amigos sabem, enfartei por
duas vezes por causa do fim do PIC - TV da TV Cultura. Depois da temporada
no INCOR, perdi a paciência e os bons modos que caracterizavam a
minha imagem pré-infarto. Hoje faço questão de demonstrar
publicamente o asco que sinto pela estupidez, o cinismo e a falsidade
reinantes no meio.
Com toda a sinceridade, não estou
minimamente interessado nos filmes nacionais que copiam a estética,
a dramaturgia (e a ética) da telenovela, do vídeo-clip e
do jornalismo da televisão. Por conta dos modismos e da enganação
sistemática, filmes péssimos são alçados à
condição de obras primas. Oportunismo parece ser a regra
atual do mercado.
Tenho uma opinião bombástica
(mas honesta) com relação ao cinema nacional recente: quem
não colocou O Viajante, de Paulo César Saraceni,
como um dos dez melhores filmes da retomada, não entende nada de
cinema (nem de cultura brasileira). Quem não concorda comigo, descanse
em paz e me deixe sossegado. Vou continuar a fazer os meus filmes (como
venho fazendo desde 1967) estimulado pela produção mais
atípica e atrevida do cinema nativo, independentemente do que pensam
colegas, críticos e cinéfilos de plantão.
Um pedido. Não me perguntem mais a
minha opinião sobre o tal Cidade de Deus. Não vi
e nem quero ver. Vi o rascunho Palace II e bastou. Existem formas
mais íntegras de fazer fama e ganhar dinheiro.
Acho que as dificuldades de se fazerem filmes
hoje continuam sendo a mesmas da época da EMBRAFILME, e embora
as regras do jogo me pareçam mais claras atualmente, o preconceito
contra o filme nacional continua o mesmo.
É preciso desmascarar a ilusão
de que cinema nacional dá dinheiro. Dá dinheiro quando faz
merchandising assumida. Dá dinheiro para quem já o ganha
com outros veículos.
Já que o filme não se paga,
melhor que ele custe barato; mas não é só isso.
É preciso enxergar a necessidade explícita
da existência de um cinema nacional, independe da avaliação
de custos e borderôs.
Lavoura Arcaica custou caro, não
pagou o cartaz, mas é um filme que, inegavelmente, enobrece a cultura
brasileira.
Ainda sobre a aventura de se produzir hoje:
a diferença, para mim, reside na estratégia de trabalho.
Venho pensando obsessivamente no filme que
quero fazer estimulado pela minha sobrevida pós-enfarto; uma leitura
audiovisual da atualidade através dos evangelhos apócrifos,
com uma jovem mulher interpretando Jesus. Estou iniciando o processo burocrático
de preparação de captação do filme (Oriente),
na esperança de captar recursos via Lei do Audiovisual na virada
deste ano. Se não puder filma-lo em 2003, filmo em 2004.
Atualmente, a estratégia é
essa: enquanto finalizo Aurélia Schwarzenega, filmo outro
(Bens Confiscados), formato projeto e capto o próximo (Oriente).
Com relação ao novo governo,
embora continue achando que o lugar do artista e criador deveria estar
sempre além do poder, a expectativa é de que sejam criadas,
urgentemente, novas formas de estímulo à produção
independente e experimental (repito: independente e experimental). Foi
essa a promessa feita no dia da posse pelo atual Ministro da Cultura.
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