Pecados de Guerra, de Brian De Palma
Casualties Of War, 1989

Michael J. Fox e Sean Penn em Pecados de
Guerra
Há uma tristeza tremenda que parece
definir Pecados de Guerra. Em cada plano, cada imagem e cada som
há uma dor rara de se ver filmada. Não é agradável,
portanto – mas é essa tristeza que justifica e sustenta o filme.
Em plena guerra do Vietnã, o soldado
Eriksson é colocado diante do dilema de ser ou não conivente
com um crime hediondo cometido por seus companheiros de farda – o estupro
de uma jovem vietnamita. A narrativa toma o ponto de vista deste soldado,
por mais instável e inseguro que ele pareça ser em diversos
momentos. Ele não contemporiza em momento algum, em nenhum instante
ele parece aceitar a idéia de ser conivente com o crime – mas ele
falha, e com ele falham e falhamos todos. Não, decididamente não
é um filme agradável.
A guerra é o inferno para quem está
lá, com certeza – e a gente sempre lembra que se tratava de uma
invasão a um país que não desejava receber a "ajuda"
que vinha da América do Norte (algo semelhante a 2003?). Bem, mas
a história é sobre um personagem que lá está,
no meio da guerra, num lugar onde a vida pode de fato terminar no instante
seguinte. Convive com seus companheiros, fica amigo deles, tem a vida
salva por eles, quer sair do acampamento com eles – para encontrar prostitutas
locais –, em suma, guerrear é um troço simples, você
faz parte dos bons e os inimigos são os maus. Só que, não
podendo ter encontros com mulheres em determinada noite (guerra é
guerra), os seus companheiros resolvem se exceder um pouco. E aí?
Salvaram a vida do cara, são os camaradas dele, até que
de repente há um certo surto coletivo – induzido por diversas circunstâncias,
inclusive pela estrutura hierárquica – e os caras que têm
o discurso de salvar o mundo mostram que perderam em definitivo o respeito
pela vida alheia. Fazer o quê, então?
O ponto ético central do filme é
nunca tergiversar, nunca negar a gravidade do ato ou justificá-la
por conta da realidade que cerca a situação – ao contrário,
a narrativa percebe que essa realidade só torna ainda mais problemática
a atitude. Não deve ter sido fácil para os americanos ver
esse retrato na tela: entraram no país dos caras, mataram milhares
dos caras e ainda estupraram e mataram as jovens mulheres do lugar. Além
disso, também perderam milhares de vidas e terminaram escorraçados
da região – e o início do filme se passa no final do período
político seguinte, o de Richard Nixon sendo investigado por Watergate.
A expressão de Eriksson ao ouvir as últimas frases do filme
("mas o pesadelo agora acabou...não? Espero que sim.")
indica que, infelizmente, parece que esse pesadelo é recorrente.
Que não se pense, no entanto, que
este pesadelo recorrente é privilégio de nações
guerreiras – na nossa guerra civil de cada dia temos nossas versões
diversas para os gestos doentios da estupidez coletiva de pequenos grupos,
como podem atestar casos tenebrosos de vandalismo juvenil. E o que fazer
numa hora dessas? O filme se posiciona – tem que ter brio para não
ficar ao lado da turma. E sobreviver.
A presença única desse conflito
moral – cuja opção não é nem pode ser posta
em questão – torna este filme estranhamente diferente dos demais
filmes do diretor. Ao invés de trabalhar seu fascínio pela
técnica narrativa de cinema e pela analogia com o engodo da aparência,
De Palma deixa por um momento de dedicar sua vida ao cinema e dedica seu
cinema à vida. Daí encontra a razão de ser do seu
projeto e daí também – contando com o desempenho fabuloso
do elenco – encontra toda a força e dor que tornam o filme incomum
e impressionante.
Daniel Caetano
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