A Fogueira das Vaidades,
de Brian De Palma


The Bonfire Of Vanities, 1990


Tom Hanks e Bruce Willis em A Fogueira das Vaidades

Ao longo de sua carreira, Brian De Palma viu vários de seus filmes serem pessimamente recebidos pela critica especializada à época de seus lançamentos. Provavelmente nenhum tanto quanto A Fogueira das Vaidades. O livro de Tom Wolfe tinha à época tamanho status junto aos fazedores de moda, que é bem possível que independente dos resultados finais e da abordagem que o filme recebesse, a reação negativa teria sido a mesma (de fato, Paulo Francis já falava mal do filme no seu prefácio para a primeira edição nacional do livro uns bons dois ou três anos antes dele chegar aos cinemas). Com este tipo de expectativa sobre uma adaptação literária, parece não sobrar muito espaço para algo além de uma ilustração literal do material original, nada poderia ser menos do feitio de De Palma do que isto, e parte dos méritos de A Fogueira das Vaidades é justamente o quanto ele se põe contra esta corrente.

Na verdade, pode-se dizer que A Fogueiras das Vaidades de Brian De Palma é uma anti-adaptação, um filme contra o livro. Boa parte do que o filme tem de mais interessante, e também de problemático, deriva disso. Nada pode ser mais middlebrow do que o livro de Wolfe com a sua critica que critica tudo, menos o leitor, suas longas descrições do estado psicológico de seu protagonista, sua prosa cuidadosamente bem escrita, etc. De Palma não só transformou o livro numa comédia, como fez questão de explicitar o que havia de vulgar no material original. Eliminou toda a crise existencial do anti-herói (Tom Hanks, que De Palma molda sobre o George Amberson que Tim Holt interpretava no Soberba de Welles), e transformou o cínico jornalista inglês que era a "consciência" do livro, no próprio autor dele. A cena inicial onde um alcoolizado Bruce Willis (o tal jornalista) é recebido num luxuoso jantar em sua homenagem onde receberá um prêmio por seu livro, entrega as regras do jogo e da o tom do que se seguirá. Algo que foi bem descrito pelo Inácio Araújo, na Folha de São Paulo, como "de um livro que pretendia ser uma crítica ao universo yuppie, [De Palma] extraiu, no filme, uma crítica ao yuppismo dos críticos do yuppismo".

Se A Fogueira das Vaidades passa a largo de ser um dos grandes filmes do diretor, isto se deve muito a dois problemas. Para uma comédia, o filme tem pouquíssimos bons momentos de humor, os excessos e as caricaturas em que De Palma transformou o livro de Wolfe não são mais que excessos e caricaturas, raramente se tornando engraçadas. Isto seria de pouca relevância já que há vários bons momentos que mais do que compensam aos por menores que ele possa ter como comédia. Outro talvez seja o grande questionamento que a empreitada de De Palma levanta, qual a razão de se adaptar algo em que não se acredita? Ok, Welles afirmou que nunca leu o livro em que A Marca da Maldade se baseia, Godard chegou a declarar que só devíamos adaptar livros ruins, mas em nenhum destes casos a relação que se estabelecia com o material original era igual a proposta por De Palma. Se para Welles ou Godard se tratava de usar superficialmente policiais vagabundos como ponto de partida para seus interesses estéticos e discussões autorais, o filme de De Palma termina por construir uma relação muito próxima com o original literário, sendo que algumas decisões do diretor só consigam ser plenamente compreensíveis como reação ao original (vide o tratamento dado ao ativista negro interesseiro). Daí, talvez, este A Fogueira das Vaidades ser o mais esperado dos "fracassos" de De Palma. Mesmo não sendo um dos seus trabalhos mais vigorosos, é um avanço considerável sobre a fonte original, e esconde vários belos momentos.

Filipe Furtado