O Fantasma do Paraíso,
de Brian De Palma
Phantom Of The Paradise,
1974

O Fantasma do Paraíso, de Brian De Palma
Se a presença de referências
(principalmente cinematográficas) pontua de forma recorrente a
obra de Brian De Palma, O Fantasma do Paraíso pode ser considerado
um caldeirão dessas referências. Concebido pelo diretor em
1969 a partir da idéia que o mundo do rock estava se tornando uma
espécie de Grand-guignol, então nada mais pertinente
que aproveitar a emblemática história do Fantasma da
Ópera, que já rendera diversos filmes, transportando-a
à curiosa cena musical do início da década de 1970,
em um musical repleto de sátira e ironia. De Palma estabelece o
tom já na primeira sequência, na qual uma banda apresenta
um número de rock aparentemente singelo, à moda dos anos
50, mas que introduz o tema do pacto com a morte. E mais, logo os músicos
começam a fumar no palco um enorme baseado e a atacar as garotas
da audiência.
Em seguida é apresentado o personagem
Winslow Leach (William Finley, ator de aparência sinistra e recorrente
nos primeiros filmes de De Palma), que penetra no Paraíso, um gigantesco
teatro para shows de rock, para mostrar suas composições
ao proprietário, o todo-poderoso produtor musical Swan (interpretado
pelo compositor Paul Williams, responsável pela trilha do filme).
Este, impressionado com a qualidade do material, uma cantata pop sobre
o mito de Fausto, promrte produzir o espetáculo mas passa a perna
em Winslow, roubando a autoria das canções. Winslow tenta
chegar até Swan e numa das tentativas, conhece e se apaixona pela
bela aspirante a cantora Phoenix (Jessica Harper). O produtor consegue
mandar Winslow para a cadeia, mas ele foge ao saber que suas canções
estão sendo gravadas pela banda Juicy Fruits, a mais popular das
produzidas por Swan. Tentando mais uma vez chegar a ele, Winslow tem o
rosto esmagado em uma máquina de prensar LPs, ficando deformado
e perdendo a voz. Esconde-se no teatro onde rouba um figurino estranho
e assume a personalidade do fantasma. Após a primeira investida,
com a explosão de uma bomba, Swan consegue convencer Winslow a
assinar um pacto, pelo qual o compositor entregaria a Swan sua cantata,
que seria produzida tendo Phoenix como estrela. Mais uma vez Swan trai
Winslow, que não irá ter sossego até executar sua
vingança.
Como podemos concluir, não
foi apenas O Fantasma da Ópera a principal refarência
utilizada por Brian De Palma na construção de seu roteiro.
O mito de Fausto se faz presente de uma forma tão ou mais intensa,
que não se limita apenas ao tema da obra de Winslow, mas também
através dos pactos que Winslow e posteriormente Phoenix, em busca
de amor, reconhecimento e sucesso, efetuam com Swan, encarnaçao
da figura demoníaca, não somente em um plano mítico,
mas também na crítica a produtores inescrupulosos do mundo
musical, que fabricam e moldam modismos e candidatos ao sucesso fácil,
visando apenas o lucro imediato. Swan, inclusive, havia feito ele mesmo
um pacto de juventude eterna, que remete claramente ao romance de Oscar
Wilde O Retrato de Dorian Gray. É notadamente interessante
a exploração que o diretor faz da frágil figura de
Paul Williams, com menos de metro e meio de altura, conseguindo torná-la
uma imagem tirânica que ele próprio definiu como um "Napoleão
do rock".
Sob o ponto de vista cinematográfico,
as referências são ainda mais ricas e variadas. Partindo
da ambientação e temática essencialmente góticas
da história original do Fantasma, De Palma explora intensamente
o cenário do teatro, já apresentando neste filme o refinado
apuro no trato da câmera que sempre irá marcar sua carreira.
Mas temos também a presença de diversos tipos de gêneros
cinematográficos, como as comédias mudas, cuja estrutura
acelerada é aproveitada nos momentos que apresentam a prisão,
fuga, deformação e transformação de Winslow,
avançando uma série de episódios em poucos minutos,
num exemplo de objetividade e consisão narrativas. O diretor também
utiliza uma série de recursos como apresentação de
manchetes de jornais, legendas e uma interessante sequência na qual
aproveita o split screen. Com a tela dividida em dois planos, acompanhamos
o primeiro atentado de Winslow contra o Paraíso, no qual este coloca
a bomba na mala de um carro cenográfico, que é seguido por
uma das câmeras enquantro a outra mostra o ensaio de um número
musical que parodia os Beach Boys, no qual será utilizado o carro.
Quando este entra em cena, se dá a explosão, numa sequência
que faz uma homenagem ao filme A Marca da Maldade de Orson Welles,
mas que não pode ser devidamente apreciada na cópia em VHS
disponível no Brasil, que não apresenta o filme em widescreen,
conforme foi concebido. E o etreno guru de De Palma, Hitchcock, está
também presente, não somente no clima de suspense (mesmo
que satírico), mas também numa citação explícita
e bem humorada à cena do chuveiro de Psicose.
Não podemos esquecer que O Fantasma
do Paraíso é um filme musical, mas os números
não se apresentam da forma tradicional, na qual a ação
se interrompe para que os personagens cantem. Em O Fantasma do Paraíso,
os números musicais não paralizam, mas fazem avançar
a narrativa, constando sempre de ensaios e apresentações,
ou aparecem de forma a comentar ou completar a ação, de
forma marcadamente satírica e irônica, como já foi
dito. De Palma utiliza o Fantasma/Winslow para disparar suas farpas contra
o exagerado circo no qual o rock havia se tornado, realizando uma declarada
gozação com diferentes estilos e correntes do pop, desde
os já citados rocks dos anos 50 e Beach Boys, passando pela androginia
e artificialidade do glam rock, em voga na época da realização
do filme e retratadas no hilário personagem do cantor Beef, mais
uma das armações de Swan, chegando também a outra
corrente surgida nos anos 70, a dos artistas que se apresentavam com pesada
maquiagem em performaces de inspiração terrorífica,
como Alice Cooper ou o grupo Kiss.
A trilha de Paul Williams faz uma utilização
rica e esperta desta cena musical variada em canções que,
mesmo não chegando a ser brilhantes, transmitem com eficiência
as idéias e propostas do roteiro escrito por De Palma. Este tem
como clímax um final que explora o sensacionalismo e imediatismo
da indústria do entretenimento, que não prescinde da idéia
de impactar a audiência com um assassinato planejado ao fim de uma
apresentação, antecipando uma idéia utilizada pela
dupla Paddy Chayefsky-Sidney Lumet em Rede de Intrigas. Por outro
lado, De Palma também não poupa o público, que em
O Fantasma do Paraíso demonstra ser tão ávido
e sedento de emoções baratas, sangue e morte como a platéia
de um circo de gladiadores.
Gilberto Silva Jr.
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