Construindo os trilhos da estrada
O início da produção em Super-8 em Porto Alegre


"Lá por setembro de 1979 começaram a aparecer em Porto Alegre as pichações ‘Deu Pra Ti, Anos 70’ e era uma grande sacada aquilo… tinha a gíria ‘deu pra ti’, que tinha surgido há pouquíssimo tempo, com um significado nosso que é chega, pára, deu pra ti. Quando alguém tava falando demais: ‘Tá, deu pra ti!’ E realmente ‘Deu Pra Ti, Anos 70’ significava que ninguém agüentava mais os anos 70. Vamos partir para outra, vamos para uma coisa nova."1

Nos anos 70, partindo de pequenas iniciativas individuais ou de grupos de amigos ligados por um interesse comum, a realização cinematográfica na bitola Super-8 em Porto Alegre passou da fase de registros domésticos para a produção de filmes culturais. Esta produção cresceu e acabou gerando um ciclo de filmes de média e longa-metragem bastante significativos para a história do cinema gaúcho e para a produção cultural da cidade. Este texto é parte da pesquisa para dissertação de mestrado denominada Verdes Anos do Cinema Gaúcho: o ciclo Super-8 em Porto Alegre2 orientada pelo Prof. Dr. Antonio Luiz Cagnin e defendida na ECA/USP em novembro de 1990.

O fenômeno do Super-8 não se deu somente em Porto Alegre. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife viram uma nova geração de cineastas nascer e crescer com a produção alternativa de filmes. Desde o lançamento da bitola, cineastas amadores e iniciantes encontraram nela uma alternativa para sua vontade de fazer cinema. Começou aí uma nova fase da história do cinema brasileiro, uma fase que democratizou e popularizou a atividade cinematográfica. Em 1968 o cineasta Sérgio Silva3 realizou o filme Sem Ttradição, Sem Família, Sem Propriedade, um dos primeiros filmes em Super-8 feitos na cidade com uma preocupação artística.

"A gente vinha fazendo uns filmes em 16mm que se tornavam muito caros. Em 1968 eu comprei uma câmera de Super-8 e resolvi fazer filme. Fazer um filme realmente assim, com história, enredo, cenário, cenografia, figurino, tudo. Só que na bitola Super-8, porque saía muito mais barato. Daí gradativamente este Super-8 foi crescendo, porque o pessoal jovem, que vinha se agregando àqueles mais velhinhos, não tinha disponibilidade econômica de fazer os filmes. Então o Super-8 acabava sendo uma coisa barata, uma escola, uma formação de aprendizado de fazer cinema."4

Porto Alegre encontrou adeptos do Super-8 quase que imediatamente ao seu lançamento no mercado. O grande problema do início da produção era a falta de integração entre os diversos grupos que utilizavam a bitola, o que impedia que a atividade fosse vista com mais seriedade. O trabalho em Super-8 só passou a ser conhecido pelo público como um tipo de cinema alternativo a partir dos grupos "Câmera-8" e "Humberto Mauro". Este último era formado por jovens universitários que iniciaram suas atividades com reuniões para discutir cinema. O grupo foi crescendo e começou a promover exibições de filmes nacionais, acrescidas de debates. O "Humberto Mauro" se estabeleceu como produtor cultural da cidade, até que, do dinheiro proveniente das exibições, começou a realizar pequenos filmes em Super-8. Entre seus componentes destacava-se Nelson Nadotti, que já trazia sua experiência individual em realização de Super-8.

No ano de 1977 ocorreu, paralelo ao Festival de Cinema de Gramado, a primeira edição do Festival do Filme Super-85. Esse festival foi, durante algum tempo, uma porta que se abria para cineastas amadores e para profissionais em início de carreira, que utilizavam a bitola Super-8 para a realização de seu trabalho.

Em 1978 ocorreu um fato pioneiro e desencadeador: o documentário História, A Música De Nélson Coelho De Castro, dirigido por Nelson Nadotti e Sérgio Lerrer, fez uma curta temporada comercial na sala do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa. Pela primeira vez em Porto Alegre o público saiu de casa para assistir a um filme em Super-8. As duas semanas durante as quais o filme ficou em cartaz, em temporada comercial, desencadearam um processo muito maior. Ali foi lançada a semente do ciclo do Super-8. Já o "Câmera-8", formado por profissionais liberais, realizava um trabalho cinematográfico diferente do "Humberto Mauro", produzindo também documentários sobre cultura. Em 1979, alguns integrantes dos dois grupos uniram-se para apresentar seus filmes em temporada comercial. Essa união repetiu-se por mais de uma vez e, a partir dessas exibições, o Super-8 passou a ter outro conceito junto ao público e à crítica na cidade de Porto Alegre.

Em novembro de 1979 estrearam dentro do projeto (H) À Margem, na sala Qorpo Santo do Teatro de Arena, em Porto Alegre, dois filmes em Super-8, Bicho Homem, de Tuio Becker e Cláudio Casaccia, integrantes do "Câmera-8", e Meu Primo, de Nelson Nadotti, Carlos Gerbase e Hélio Alvarez, do "Humberto Mauro". Começou desta forma uma modalidade inédita de exibição comercial de filmes na cidade. A divulgação ainda era ineficiente, com exceção do Jornal Folha da Tarde, atualmente extinto, que através de Becker, que trabalhava lá, noticiava os filmes. Poucos veículos de comunicação tocavam no assunto. O que funcionava mesmo era o sistema de "boca a boca", pelo qual quem assistia a um filme indicava a outras pessoas. Esse método era bastante eficiente na época pelo tamanho que tinha Porto Alegre.

Em dezembro de 1979, ocorreu o I Festival de Osório de Cinema Amador, no Balneário de Atlântida, pertencente ao município de Osório, RS. O festival, a princípio, abrangeria filmes em Super-8 e 16mm, mas como somente os primeiros foram inscritos, ficou restrito a essa bitola. O Super-8 havia tomado definitivamente o lugar do 16mm nas produções gaúchas e, como produções em 35mm eram raras, estes filmes eram praticamente o único cinema produzido em Porto Alegre, a ponto de ter sido encontrado um grafite nos muros de Porto Alegre entre 1981 e 1982 dizendo: "Somos tudo o que existe, a gente faz o que pode."6. Comprovando a competência dos grupos de superoitistas que mais se destacaram no período, os vencedores do Festival foram Meu Primo e Os Familiares, este dirigido por Sérgio Silva. Depois disto, de 10 a 14 de fevereiro de 1980, alguns filmes gaúchos participaram em Curitiba, PR, do Festival Abertura 8 – I Mostra Super-8 da Região Sul, trazendo vários prêmios para o Rio Grande do Sul.

Durante o período que abrange as décadas de setenta e oitenta, em que o Brasil saía aos poucos da ditadura militar e da repressão, e que o "milagre econômico" já havia caído por terra, o Super-8 era certamente a forma mais livre e acessível de fazer cinema. Livre, pois não se fazia necessário nenhum vínculo com órgãos estatais ou grandes empresas para a obtenção de financiamento. Livre também porque não exigia nenhum processo rígido de produção, exibição e comercialização, como em filmes de bitolas comerciais. No Super-8 o realizador é o responsável por quase todas as funções (já para o final do ciclo houve uma experiência de um trabalho com funções definidas, no filme Inverno, 1982 de Carlos Gerbase), bem como pela sua exibição em caráter comercial ou não. O realizador é dono do filme. Este tipo de produção cinematográfica mostrou-se viável para aqueles que queriam criar um ritmo de trabalho.

Em março de 1980, este "cinema paralelo" ganhou uma sala especial para sua exibição. Foi mais uma tentativa de colocar o público de Porto Alegre em contato com o movimento cinematográfico que estava surgindo. Por iniciativa do jornalista Carlos Schmidt e da publicitária Aiko Schmidt, foi criado o Ponto de Cinema, no Centro Municipal de Cultura, com a proposta de ser a primeira sala permanente de cinema paralelo no Brasil. Com a posterior exibição dos longas em Super-8 em salas teatrais (O Clube de Cultura e o Teatro da Associação Israelita) e depois com o fim deste ciclo, o Ponto de Cinema passou por transformações, mas serviu de embrião para salas que exibem filmes de arte até hoje. Apesar das exibições comerciais em Porto Alegre, a grande chance de mostrar os filmes feitos em Super-8 era mesmo o Festival de Gramado, quando os superoitistas tinham um contato quase que único com cineastas do centro do país.

Em 1980, Carlos Gerbase e Nelson Nadotti apresentaram em Gramado o média-metragem Sexo e Beethoven7, adaptado do conto O Encontro e o Confronto, de Rubem Fonseca. Por causa de uma cena de sexo, o filme sofreu cortes da censura de mais ou menos um minuto e meio. A polêmica criada em torno dos cortes de certa forma auxiliou na divulgação, pois a época era propícia para quem desejasse brigar contra a censura. Sexo e Beethoven foi premiado como melhor filme gaúcho pela Kodak no festival e, no dia 17 de setembro do mesmo ano, estreou, novamente ao lado de um filme de Tuio Becker, Contos Neuróticos, no Studio Flávio Del Mese8, conseguindo um considerável sucesso de público, em um programa que tinha o nome de "Cinema Liberado". Este título obteve um forte apelo junto ao público, pois temas ligados a sexo causavam polêmica e despertavam curiosidade. As 140 poltronas do Studio permaneceram lotadas durante toda a temporada.

Esta movimentação inicial da realização em Super-8 - os festivais e as exibições comerciais com sucesso de público - associada à fase extremamente fértil para o estabelecimento de uma produção cultural paralela à produção comercial, incentivou Nelson Nadotti a que, junto com o amigo Giba Assis Brasil, na época trabalhando como jornalista, desse início a um projeto ousado: a realização de um longa-metragem em Super-8.

* * *

O ciclo do cinema Super-8 não aconteceu em um momento isolado da produção cultural de Porto Alegre. A realização de filmes fez parte de um momento específico, onde produção cultural da cidade – e do país – estava tomando rumos diferentes. A época era propícia para que fossem desenvolvidas novas alternativas culturais. Já no início dos anos 80 a ditadura militar não mais tão repressiva, o que permitia que novas tendências aflorassem e, por outro lado, incentivava o estilo determinado de cultura que mais lhe convinha. A taxa de "alternativo", ou de uma arte não empresarial na realidade da Porto Alegre do início dos anos oitenta não queria dizer muita coisa, pois eram poucas as manifestações culturais realizadas na cidade que pudessem ser denominadas empresariais. Na verdade, a falta de recursos sempre deu às manifestações culturais de Porto Alegre o rótulo de alternativas. Os grupos que realizavam estes eventos, porém, faziam questão de seu autodenominar alternativos. Tratava-se de um fenômeno nacional. E era, além de tudo, moda.

Como os grupos novos que estavam surgindo não provinham do movimento estudantil dos anos 60 e não tinham ligações com as temáticas desenvolvidas nos anos anteriores, trataram de descobrir as suas próprias temáticas. O foco central destas manifestações, tanto no teatro, como na literatura, na música e no cinema era a experiência de vida de seus participantes. Tratavam do dia-a-dia da vida de cada um.

"(…) é a poetização de uma vivência, é a poetização da experiência do cotidiano e não o cotidiano poetizado. É a arte de captar situações no momento em que estão acontecendo, sentimentos que estão sendo vividos e experimentados, e fazer com que o próprio processo de elaboração do poema reforce esse caráter de momentaneidade."9

Na música houve um incentivo para a produção urbana através de um movimento chamado MPG – Música Popular Gaúcha. Aqui também os músicos passaram a falar de uma realidade cotidiana da cidade. Entre outros, fizeram parte deste movimento os músicos Nei Lisboa e Nélson Coelho de Castro. Nei compôs a trilha de Deu Pra Ti, Anos 70 e mais tarde a do filme Verdes Anos. Em Verdes Anos aparece também uma música de Nélson.

O teatro apresentou o surgimento de novos grupos como o "Vende-se Sonhos" e o "Faltou o João". O "Vende-se Sonhos" estreou em 1980 com a peça School's out, que relatava a trajetória de um grupo de jovens pela escola, do segundo grau até o vestibular, tratando tudo com muito humor. Apareceu também a literatura alternativa, livros mimeografados, vendidos de bar em bar pelos próprios escritores. Eram poesias que falavam também do dia-a-dia dos poetas. Algumas rádios como a Continental AM e a Rádio Bandeirantes FM (depois denominada Ipanema) dedicavam-se a este tipo de público, tocando músicas que não apareciam em outras emissoras, fazendo entrevistas e promovendo discos e shows alternativos. A TVE, Televisão Educativa, emissora vinculada ao Governo do Rio Grande do Sul criou na época dois programas que visavam esta temática, "Quizumba" e "Pra Começo de Conversa", também com questões voltadas para o público jovem.

A ligação com o público era bastante clara, uma vez que o tema básico era a realidade e esta realidade era comum a todos: realizadores e sua platéia. O público se identificava e reconhecia no teatro, no cinema, na música o seu cotidiano, suas dificuldades, suas alegrias. Enfim, uma experiência de vida que nada mais era do que a sua própria. E, mais importante, era a primeira vez que se discutia com um grupo específico os seus próprios problemas. Discutia-se a escola com estudantes, a universidade com universitários, a maconha com pessoas que fumavam, enfim, assuntos que ao mesmo tempo em que não eram novidade na vida do grupo, eram novos em manifestações artísticas. Tudo isto propiciou a criação de um segmento cultural com um público específico.

"Cria aquele negócio: Tu vês a realidade refletida através de um filme, que tu tinhas visto no teatro, com as pessoas que de repente aparecem em comerciais. Criou assim uma pequena mitologia, um ‘star system’ assim, que tu já identificavas o Pedro Santos10 com isto, a fulana com aquela outra coisa, o outro como o sacana da história."11

O fato deste grupo de jovens pertencer a uma classe social com um determinado poder aquisitivo permitiu que este circuito de manifestações culturais fosse adiante, pois as pessoas tinham condições de freqüentar cinemas, teatros, shows, comprar livros, viajar, enfim, compartilhar uma série de experiências comuns. Segundo escreveu Gilberto Velho:

"… o fato é que se está discutindo o problema de experiências mais ou menos comuns, partilháveis, que permitem um nível de interação específico. Falar-se a mesma língua não só exclui que existam grandes diferenças no vocabulário, mas que significados e interpretações diferentes podem ser dados a palavras, categorias ou expressões aparentemente idênticas."12

O Super-8 fez parte deste movimento, preenchendo um tipo de manifestação no nível da produção cinematográfica que até então não havia sido abordado. As manifestações culturais transformavam-se em encontros festivos também, pois a maioria das pessoas presentes se conhecia, se não da universidade ou do colégio, dos bares, das manifestações estudantis, enfim, freqüentava o mesmo universo. Tratava-se de um público específico, mas nem por isto restrito. Um público carinhoso com aquilo que lhe dizia respeito e talvez tenha vindo daí o sucesso destas produções.

***

O Super-8 já estava com meio caminho andado em Porto Alegre. Já havia provado que era possível a realização pelos custos acessíveis de equipamento, material sensível e laboratórios, o que não ocorria em outras bitolas; que havia pessoas interessadas em trabalhar com maior profundidade e profissionalismo nesse tipo de cinema; que existia um público interessado e ávido por novas opções culturais e, principalmente, apresentava-se como uma nova opção de fazer cultura. A utilização da bitola Super-8 não foi praticamente uma escolha. Era praticamente o único material disponível na época por ser acessível financeiramente. Junto com Giba Assis Brasil, Nelson Nadotti começou a escrever pequenas histórias sobre a década de 70, sempre com um enfoque próprio: a década que passou vista com os olhos de quem a viveu.

"… Nelson Nadotti, de 23 anos, e Giba Assis Brasil, de 24, realizaram um meticuloso levantamento de sua geração que a historiografia tem rotulado de frustrada, reprimida e amordaçada. Dispostos a resgatar a memória dos jovens que cresceram e viveram em Porto Alegre durante os anos 70, Giba e Nadotti acabaram fazendo uma identificação minuciosa da linguagem, das preferências musicais e das normas de comportamento das pessoas que em abril de 1964 não tinham mais que nove anos de idade, para concluir exatamente o contrário do que se tem escrito: ‘hoje as pessoas são menos griladas, mais livres e de certa forma até mais politizadas."13

As pequenas histórias acabaram formando um roteiro de um longa-metragem chamado Deu Pra Ti, Anos 70 e como a palavra de ordem da época era a de "não ter medo de apostar na novidade", os dois cineastas resolveram aprender enquanto praticavam. A estrutura inicial do roteiro compreendia duas histórias, uma que se passava no final de 1979 e outra composta por flashes que percorriam toda a década de setenta. Havia duas personagens principais que eram o fio condutor da narrativa. A atriz Ceres Victora fazia a "Ceres" e o ator Pedro Santos fazia o "Marcelo".

Nelson Nadotti e Sérgio Lerrer (também oriundo do "Humberto Mauro") começaram a filmagem de Deu Pra Ti, Anos 70, registrando o show de mesmo nome do músico Nei Lisboa, em dezembro de 1979, sem saber realmente para que utilizariam estas imagens. De janeiro a março de 1980, Giba e Nadotti foram desenvolvendo o roteiro baseado nas pequenas histórias que escreveram. A versão final ainda contou com a colaboração de Álvaro Teixeira, que anos mais tarde roteirizou o filme Verdes Anos, de Giba e Carlos Gerbase.

O filme recebeu uma pequena ajuda de custo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o restante da verba foi colocado pelos próprios realizadores. Pelo fascínio que este projeto representava e por realmente acreditarem na sua viabilidade, outros profissionais, iniciantes ou não, foram se agrupando em torno do filme. As filmagens foram de maio a agosto de 1980. Nadotti operava a câmera e Giba gravava o som guia num gravador cassete para depois fazer a dublagem. Apesar de trabalharem com um filme "de época", não havia nenhuma preocupação rígida com a direção de arte, cuidava-se apenas do necessário. O importante é que as situações que recriaram a década de setenta pareciam tão reais e foram tão significativas para o público que se trouxessem qualquer erro de cenário ou figurino, este passaria desapercebido.

Quando acabaram as filmagens, começou a montagem e esta foi até fevereiro de 1981, com uma pausa para conseguir mais dinheiro. Nesta pausa, Nadotti e Carlos Gerbase realizaram sob encomenda o filme Amor Sem Dor, sobre doenças sexualmente transmissíveis. O curta ganhou o prêmio de Melhor Filme Técnico-Científico do Festival de Cinema de Osório, RS, em 1980. Com o dinheiro do prêmio a equipe conseguiu finalizar Deu Pra Ti, Anos 70.

"A sonorização foi uma odisséia. Montamos um estúdio no quarto do Giba, na casa dos pais dele. Caixas de ovo e placas de isopor para criar a melhor acústica. Uma imensa parede de compensado nos separava dos atores grudados em dois microfones. Lá fora nós projetávamos o filme numa tela dentro da cabine de locução. Gravávamos tudo em cassete! E depois cruzávamos os dedos para mixar somente em duas pistas: ou voz e música, ou voz e ruídos. Mas a qualidade ficou bem acima do que se conseguia na época."14

O filme ficou pronto no tempo certo de inscrevê-lo no Festival do Cinema Super-8 de Gramado, em 1981. O sucesso de Deu Pra Ti detonou um ciclo de longas-metragens em Super-8 como Coisa Na Roda (1982) de Werner Schünemann, A Palavra Cão Não Morde (1982) de Sérgio Amon e Roberto Henkin, Tempo Sem Glória (1984) de Henrique de Freitas Lima e o melhor de todos: Inverno (1982) de Carlos Gerbase, um filme bastante maduro com uma qualidade acima dos demais. Estes filmes modificaram o rumo do cinema gaúcho. Com eles iniciou uma nova fase, solidificando um grupo de realizadores com idéias e objetivos praticamente inéditos no cenário cultural e Porto Alegre. Estes filmes e suas equipes foram responsáveis também por cativar um público que se tornou "público de cinema feito em Porto Alegre", e que antes, não existia. Muita coisa veio depois mas, com certeza, o ciclo do Super-8 foi o divisor de águas do fazer cinema no Rio Grande do Sul, inclusive pela influência direta que exerceu sobre o grupo (Giba Assis Brasil e Carlos Gerbase incluídos) que criaria a Casa de Cinema.

Flávia Seligman


1 Entrevista com GIBA ASSIS BRASIL, concedida a Flávia Seligman, Porto Alegre,1988.

2 SELIGMAN, Flávia VERDES ANOS DO CINEMA GAÚCHO: O CICLO SUPER-8 EM PORTO ALEGRE. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Comunicações e Artes / Área de concentração: Cinema. Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo. São Paulo, novembro de 1990.

3 Sérgio Silva dirigiu em 1997 o longa-metragem ANAHY DE LAS MISSIONES e está finalizando atualmente o longa NOITE DE SÃO JOÃO.

4 Entrevista com SÉRGIO SILVA, concedida a Flávia Seligman, Porto Alegre, 1988.

5 O festival de Cinema em Super-8 foi criado pela Comissão Coordenadora do Festival em conjunto com a FUNARTE. Em 1979 esta iniciativa foi adotada pela AGACINE – Associação Gaúcha de Cinematografia – que cuidou de sua organização e divulgação passando depois o evento para as mãos de outras instituições.

6 Frase apropriada por alguns superoitistas na época.

7 Gerbase filmou a "continuação" de SEXO E BEETHOVEN na bitola 35mm em 1997 com o título de SEXO E BEETHOVEN – O REENCONTRO, mantendo os dois personagens principais.

8 Espaço com a estrutura de uma pequena sala de cinema, criado e utilizado pelo fotógrafo Flavio Del Mese para exibição de seus audiovisuais. O estúdio permanece ainda hoje funcionando.

9 HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Impressões de Viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1981. p101.

10 Diretor e ator do Grupo Teatral VENDE-SE SONHOS. Ator de MEU PRIMO, SEXO E BEETHOVEN, DEU PRA TI, COISA NA RODA entre outros filmes.

11 Entrevista com TUIO BECKER, concedida a Flávia Seligman. Porto Alegre, 1988.

12 VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p125.

13 BUENO, Eduardo. O Sucesso dos Anos 70. Porto Alegre, Coojornal, junho de 1981. p.26.

14 Entrevista com NELSON NADOTTI, concedida a Flávia Seligman. Porto Alegre, 1988.