O Cangaceiro Trapalhão, de Daniel Filho

Brasil, 1983


Após parodiarem O Planeta dos Macacos e a Guerra nas Estrelas e irem até o Marrocos filmar a adaptação do Ladrão de Bagdá em O Rei e os Trapalhões, o famoso quarteto se desloca de uma fase marcada por referencias universais e inicia uma outra caracterizada pela busca de um imaginário nacional. Entre essas duas etapas podemos localizar filmes que apresentam elementos de transição, um exemplo é O Incrível Monstro Trapalhão. O cientista louco interpretado por Renato Aragão investiga as propriedades medicinais de uma planta originária da caatinga. O marmeleiro, planta vinda do sertão, carrega em sua seiva a formula que possibilitará o magro e franzino dr. Jegue se transformar em um super-homem. Presenciamos nessa paródia ao Incrível Hulk a luta do nordestino em se desvencilhar de sua condição humilde e de sua subnutrição.

Essa sutil denúncia ganhará contornos mais claros em filmes como Os Trapalhões na Serra Pelada, Os Trapalhões e o Mágico de Oroz e O Cangaceiro Trapalhão, representantes da fase em que uma iconografia nacional será procurada. A figura do cangaceiro por definição seria um representante desta e seguindo a trilha de filmes que obtiveram estrondoso sucesso de bilheteria utilizando esse elemento unido a uma tradição clássica dos westerns, O Cangaceiro Trapalhão chegou às telas ambicionando alcançar um grande êxito popular.

Também chamado de Northerns, o gênero que agruparia os filmes de cangaceiro produzidos na década de 60 até meados da de 70 firmava-se em sua estrutura clássica, e a composição de seus personagens e suas seqüências de tiroteio muito se assemelhavam ao modelo importado. Os seus grandes planos abertos como em filmes de John Ford ou Howard Hawks e a sua insistência em apresentar um sertão estilizado fizeram com que muitos críticos o definissem como uma mera cópia de bang-bang disfarçada pelo uniforme de cangaceiro.

Em O Cangaceiro Trapalhão, Renato Aragão coloca o uniforme e não faz nenhuma questão de fugir da tradição em que está inserido. Logo no primeiro plano vemos um pôr do sol juntar-se à silhueta de um cangaceiro misterioso. A música que enfeita o plano também não deixa nada a dever às composições que embalavam os primeiros representantes do gênero. A seqüência inicial abre o filme com o embate travado entre o bando do Capitão (Nelson Xavier) e a volante do tenente Zé Bezerra (José Dumond) em uma estação de trem.

Os soldados estavam escondidos no telhado aguardando a hora de atacar o Capitão de surpresa. Este descobrindo a emboscada inicia o combate nos proporcionando um belo espetáculo onde podemos visualizar através de sua decupagem centenas de filmes que se serviram do mesmo clichê. Não podemos identificar a que filme essa abertura se refere e sim a que tradição cinematográfica ela se referencia. Uma tradição que de tanto ser seguida se resultou na construção de um gênero nacional; e é a esse gênero que o filme parodia. Essa é a primeira vez que os Trapalhões fazem uma paródia a um modelo nacional, o procedimento vai se repetir posteriormente em Os Trapalhões no Auto da Compadecida onde o quarteto fará uma adaptação do texto de Aruano Suassuna.

O Cangaceiro... tenta mergulhar seu pincel em cores regionais, muitas vezes como mero pano de fundo como na cena em que Didi disfarçado de Capitão entra na cidade de Água Linda. Vemos de longe uma manifestação popular, o boi bumba, enquanto o protagonista é recepcionado pelo prefeito. O oposto ocorre quando o quarteto juntamente com a mocinha Regina Duarte se disfarça de artistas circenses para libertar a filha do Capitão. Nesse caso a cultura popular se insere na narrativa e não é utilizada apenas para enfeitar o quadro.

É interessante notar também como são desenhados os personagens dos cangaceiros. Eles não aparecem cometendo saques ou assaltos, ao contrário da malvada polícia que seqüestra uma criança indefesa. Os cangaceiros representam o bem e a volante, o órgão oficial da lei representa o mal. A escolha dos atores Nelson Xavier e Tânia Alves para encarnarem o casal de cangaceiros tinha sido uma eficiente estratégia pois eles tinham feito os papeis de Lampião e Maria Bonita na premiada série da Globo.

A utilização de artistas em evidência na mídia sempre foi uma prática recorrente dos filmes do quarteto. Regina Duarte estava no auge de sua popularidade e como se não bastasse a sua participação, aparece no final vindo a cavalo Tarcisio Meira interpretando o namorado que veio do sul para buscá-la. Como nos filmes anterioresa mulher desejada por Didi é inatingível. A realização do amor é impossível pois o objeto desejado escorrega pelos nossos dedos. A mulher sonhada está sempre comprometida com um amor impossível que torna-se possível no final ou surge na última seqüência um galã de novela que rouba a esperança de felicidade do nosso herói.

Aqui, longe do final ter a beleza e a melancolia de um Saltimbancos (quem não se lembra da máscara de burro chorando?) pois apesar de Didi não conseguir a mulher desejada, ele não acaba sozinho. O final obedece o mesmo padrão de filmes anteriores, os trapalhões encontram um tesouro incalculável. Em O Cinderelo foi um poço de petróleo, em Os Mosqueteiros foram diamantes, Na Guerra dos Planetas foram barras de ouro, Nas Minas do Rei Salomão a própria e no Cangaceiro foram centenas de ovos de ouro gigantes. A fortuna é sempre alcançada e serve de consolo para o amor não atingido. Os ovos de ouro possibilitaram a realização de um velho sonho de Didi, sair do sertão e ver o mar. O sertanejo criador de cabras Severino do Quixandá (Didi) queria ver o mar e viu sem precisar correr como um louco. Agora eles possuem tudo o que sonharam: dinheiro, iate, mulheres. Não deixa de ser um desfecho razoável  mas a verdadeira magia aparece quando Renato Aragão incorporando o papel de vagabundo (Bonga foi o primeiro) caminha sozinho em um plano geral seguindo os passos de seu mestre Carlitos.


Estevão Garcia