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Mike Leigh começa a surgir com destaque no cenário internacional em 1991, quando circula pelos EUA seu filme Life is Sweet, que ganha uma série de prêmios entre as associações de críticos de lá. Rapidamente, seu filme seguinte (Naked) ganha os prêmios de Direção e Ator em Cannes, 1993, e logo depois vem a Palma de Ouro com Segredos e Mentiras, que foi seu primeiro filme lançado comercialmente no Brasil. Depois disso, seguem-se dois outros filmes já com lançamentos mundiais consolidados pelo destaque do anterior (Garotas de Futuro e Topsy Turvy). Em praticamente dez anos o cineasta passa de um desconhecido a um dos nomes mais importantes do cinema inglês, a figura respeitadíssima no quadro mundial, tanto que seu último filme (All or nothing) também estreou em Cannes, que cada vez mais centraliza os lançamentos dos principais diretores do mundo. No entanto, Mike Leigh filma, com produção constante, desde 1971. Ou seja, há 20 anos de seus filmes que eram praticamente desconhecidos no Brasil (e em boa parte do mundo, com certeza). Portanto, a mostra realizada no CCBB-SP em novembro último serviu, acima de tudo, para podermos colocar a obra do cineasta num contexto muito mais completo onde intenções e tendências ficam bem melhores esclarecidas do que a intuição que podíamos supor dos sues últimos trabalhos (sendo que nem Life is Sweet nem Naked haviam sido exibidos em cinema no Brasil, portanto, nos reportávamos tão somente a 3 filmes numa obra que chega a 16 títulos de longa metragem). Tão mais importante foi esta mostra por uma peculiaridade da produção inglesa do período: dos 16 longas de Leigh, apenas metade foi feita para lançamento em cinema. Os outros 8 são produções para a TV inglesa, realizadas em película (16mm) com a estrutura efetiva de um longa, o que faz com que sua análise possa ser absolutamente semelhante à dos trabalhos para cinema, uma vez que compõem uma só obra, de uma enorme coerência, ainda que com óbvias alterações ao longo dos anos. Vistos em conjunto (com uma ressalva: seu primeiro longa, Bleak moments, foi o único título não exibido na mostra), uma coisa fica muito clara, rapidamente: Leigh trafega preferencialmente por um ambiente bastante específico, o das casas de família. Seria quase irresistível afirmar que ele faz esse caminho preferencialmente nos lares de uma classe trabalhadora tipicamente inglesa, e nem seria mentira. Mas não é exato não perceber que numa série de filmes ele escapa deste conceito de classe (embora seja perfeito afirmar que é neste ambiente de trabalhadores que ele se sente mais à vontade), principalmente como desejo de criar um contraste entre os diferentes estratos sociais ingleses. As simpatias de Leigh são absolutamente claras: sua heroína mais comum é a dona de casa britânica (a idade vai variar, das mais jovens e recém-casadas às velhas mães de família), sempre cercada pelo núcleo familiar frequentemente "disfuncional" (usando aí um termo mais contemporâneo e tipicamente americano). Os seus dramas são, no geral, os pequenos do dia a dia, as dificuldades de convivência entre maridos e mulheres, e entre filhos e pais, sempre inseridos no contexto realidade de classes inglesa. Pode-se inclusive ler sua obra completa como momentos diferentes de uma mesma grande relação familiar, criando, por exemplo, uma grande relação que vai do primeiro namoro (em Short and the Curlies e Kiss of Death) ao recém-casado (Grown-ups), passeia pelos mais diferentes momentos e crises do casamento até chegar aos dramas de uma mulher mais velha (Hard Labour). O maior elogio que se pode fazer ao trabalho de Leigh é que sua câmera consegue, quase sempre, tornar-se parte da mobília desses lares. São tantas cenas em salas, em cozinhas, em quartos (a última contagem indica em torno de 1714 chás tomados por seus personagens), onde essa intimidade é devassada para nós. Claro que há exceções, e as mais óbvias e radicais são, sem dúvida, Naked e Topsy Turvy. Este último por ser seu único filme que não se passa no momento presente em que é filmado, remete a um outro tempo, outra realidade. Sob muitos aspectos pode-se dizer que nele há uma poesia do cotidiano típica de Leigh, bem diferente dos filmes de época à la Merchant-Ivory, e seria verdade. Mas, principalmente, o que diferencia o filme é que sua preocupação principal parece ser um retrato do processo criativo na arte, uma certa metalinguagem não presente em seus outros filmes. Já Naked é, de fato, um caso à parte. Embora de estrutura completamente diversa dos outros filmes de Leigh, pode-se enxergar nele um grande apanhado, quase ensaístico, das principais preocupações do diretor. Tanto assim que o personagem principal (interpretado por David Thewlis), pode ser visto como um desenvolvimento de dois personagens já previamente interpretados pelo ator (no longa Life is Sweet e no curta The Short and the Curlies). Mas, é inegável, em Naked o desejo é completamente diferente. O filme tem a sensação de uma autêntica "carta de intenções" onde a ironia crítica, a acidez, o dolorido desespero de Johnny (o protagonista), assim como dos outros personagens, é resultado direto de um "mal estar" social e pessoal que estava nas frestas de todas aquelas vidinhas pequenas representadas por Leigh em seus outros filmes (e que o personagem claramente despreza, como fica claro num diálogo logo no início). É como se Johnny fosse um monstrinho, ou um resíduo de laboratório, algo que foi sobrando e se acumulando de todos os dejetos de relações pessoais e de classe ao longo dos anos de carreira de Leigh (e de História inglesa, porque não?). É resultado direto dos anos do Thatcherismo, com certeza, mas é muito mais do que isso. Sua dimensão não é só política, é também existencial. A principal diferença dos outros filmes de Leigh é que Johnny verbaliza toda essa dor que antes ficava calada, ou surgia como paródia, como alegoria. Suas frases prontas, seus movimentos muitas vezes mecanizados, são fruto direto da tentativa de racionalizar o que não pode ser entendido. Neste sentido, ele também é filhote direto de uma série de personagens na obra do cineasta, que possuíam um discurso montado, um credo, sendo que este nunca dava conta da realidade à sua volta. Johnny é o somatório de todos estes credos e filosofias, mas internalizando em si mesmo a própria negação deles. No início do filme ele vaga, e no final continua fazendo o mesmo (embora certamente bem mais marcado). Há um momento em que até se ensaia uma reconciliação humana, mas o final indica que aquilo seria sempre passageiro para este personagem, não há nele a possibilidade de "estabilização" da felicidade, da tranquilidade. Mesmo a estrutura do filme é completamente diferente dos outros de Leigh, ao invés de um retrato de situações caseiras, ele segue um périplo do personagem pelas ruas, uma analogia clara com a Via Crúcis de um Cristo moderno, que de santificado não tem nada, mas que parece espiar os pecados de toda a humanidade. Neste caminho está o que talvez seja o melhor momento da carreira de Leigh, o encontro de Johnny com o zelador de um prédio comercial. O diálogo ali é preciso, vivo, rico, e a encenação, exata. Na verdade Naked é um filme cheio de grandes momentos, principalmente por ser tão honesto na devoção aos demônios de Johnny, o que torna seu drama ainda mais universal. Leigh claramente acredita muito nos dilemas e dores deste seu personagem, e isso torna o filme engajador ao extremo. Porém o que o filme também não esconde é o exato oposto deste raciocínio, que é o principal pecado encontrado na obra de Leigh, e que é um mal constante que tira boa parte de sua força: quando o cineasta não acredita num personagem, ou quando pretende usá-lo apenas como "pastiche" de uma certa classe, de um carto comportamento, sua tendência a um histrionismo equivocado, a uma ridicularização dos personagens tira boa parte da contundência de seus filmes. Em Naked isso pode ser visto, por exemplo, nos personagens de Jeremy e de Sandra, representantes de uma certa classe burguesa. Sempre que lida com estes personagens, o caminho de Leigh é o do estereótipo, do pastiche, da interpretação dos atores a partir de tiques nervosos. É como se para mostrar de que lado está sua simpatia, o cineasta precisasse sempre acabar com o outro. O problema principal que isso causa é um completo desinteresse pelos dramas desses personagens, uma vez que o próprio cineasta não acredita neles. Ao longo da carreira de Leigh, percebemos este traço como o mais constante demarcador de estilo e visão de mundo, desde Hard Labour (1975), filme mais antigo a que tivemos acesso, até o mais recente All or nothing. Claro que em cada filme esta característica adquire uma força e presença diferente, o que torna seus resultados mais ou menos presentes, e seus resultados variam de acordo com as ambições da obra. Existem, por exemplo, os filmes onde a chave cômica é acentuada de tal forma que seu incômodo diminui quando deixa de ser contraponto e passa a ser tom principal. O maior exemplo é, sem dúvida, Who's Who (1979), que como o próprio título indica, é uma sátira ao desejo de ser "alguém", da inveja de classes inserida no seio da vida inglesa. Aqui as cores com que Leigh pinta seus personagens (um grupo de jovens investidores da bolsa que são novos ricos vindos da classe mais baixa, mas que se sonham nobres; um trabalhador menor da empresa com seus delírios de relação com a nobreza; uma família rica) são tão fortes que não há outra chave de leitura. Sua sátira se aproxima mais de um Monty Python, sem a preocupação do retrato de um cotidiano banal, e assim seu humor até funciona. Outro exemplo menos bem sucedido, mas na mesma linha, seria o longa Nuts in May. No espectro exatamente oposto existem seus filmes "menores" (e aqui não se trata das repercussões, e sim de intenções), onde o cineasta quer tratar tão somente do ser humano. Estes funcionam bastante por ser Leigh, inegavelmente, um mestre na filmagem do cotidiano, dos pequenos gestos em relações. Quando ele filma por este simples motivo, seus filmes possuem uma força e permanência inegável. O melhor exemplo seria, disparado, Life is sweet que, embora recaia eventualmente no tal histrionismo (em especial com o personagem de Timothy Spall), possui uma incomum delicadeza no trato de sua família central. Todos os personagens possuem "falhas" profundas (um pouco menos a mãe, a heroína positiva de Leigh), mas não são vistas nunca como ridículas e sim como as particularidades que os tornam humanos. É um filme de grandiosa generosidade, talvez até melhor do que Segredos e Mentiras, que seria o segundo melhor exemplo, embora este deva sua inegável empatia muito mais ao trabalho da construção da história e de sua encenação com os atores, que chega perto de uma atualização do melodrama tradicional. Life is sweet é um filme de personagens, onde a força vem menos das situações, e mais das relações humanas. Outros exemplos bem sucedidos são: o belo Four Days in July (1985), um libelo, simples e discreto, sobre a semelhança entre os diferentes a partir da vida de católicos e protestantes na Irlanda. Usando uma montagem paralela ao longo de quatro dias, Leigh cria uma parábola sobre o que nos torna parecidos como seres humanos, e como isso é negado pela incompreensão ou o preconceito. Já Hard labour é um filme que eventualmente escorrega, mas que traça o retrato da vida cotidiana do trabalho e da família com tal atenção a detalhes que consegue vencer suas falhas eventuais (a mistura de ambientes de trabalho e do lar, aliás, é um dos pontos fortes do cinema dele). Meantime (1983) é um filme duro (talvez o mais dolorido da carreira de Leigh, com exceção a Naked, claro), onde a interpretação dos atores eventualmente parece equivocada (em especial os jovens Gary Oldman e Tim Roth, que já prenunciam aqui alguns tiques de caretas que usariam a granel como vilões hollywoodianos bem depois), mas que consegue tal organicidade com o ambiente filmado, que chegamos a quase sentir o cheiro dos apartamentos e das ruas. E, finalmente, há o mais "pequenininho" de seus filmes, The Kiss of Death (1977), de tal forma despretensioso que nem consegue ser equivocado nem especialmente revelador. Em todos estes filmes, diga-se, há a presença desta característica que citamos acima como principal limitador do alcance do cinema de Leigh: um certo "moralismo" histriônico, onde a posição do cineasta se coloca acima de seus personagens, e os torna ridículos nas suas fragilidades. Só que estes momentos eram "escondidos" pela excelência em outras áreas, como explicado nos casos citados. Entretanto há três filmes (além do novo All or nothing, já criticado na Mostra de SP) que servem perfeitamente para exemplificar esta impossibilidade essencial de Leigh em ser tão generoso com os personagens dos quais não gosta quanto é com os que admira. O interessante é que são exemplos de diferentes formas de expressão desta falta de tom ou de sutileza. O mais sintomático é, certamente, High hopes (1988). Falamos em sintoma, como podíamos usar a palavra esquemático com o mesmo sentido, porque é o filme que usa de forma mais explícita este sistema de Leigh: há a justaposição de duas famílias, dois modos de vida (há uma terceira família, mas tem pouco tempo de tela). Uma delas (a "boa") é formada por um casal de trabalhadores comuns, com um ideário eminentemente socialista; a outra (a "má") é formada pela irmã do trabalhador, que se casa com um pequeno empresário, e cujo ideário materialista coloca o dinheiro acima de todos os outros valores. Acima das duas paira a figura da mãe do casal de irmãos, que vai funcionar no filme como ferramenta para demonstrar a diferença entre os dois tipos de visão de mundo, pelo modo como tratam a velha senhora. Claro que Leigh assume esta sua parcialidade, e claro que se pode atribuir boa parte do seu tom ao momento inglês clássico da derrota das idéias de esquerda perante o regime thatcherista. No entanto, em última instância, o que parece escapar ao cineasta e aos defensores desta postura é que dar igualdade de tratamento como seres humanos a membros de classes diferentes não equivale a não tomar posição. Pelo contrário, se você dá traços humanos minimamente reconhecíveis aos representantes de uma tendência que considere preocupante ou daninha, ela se torna apenas mais assustadora ou perigosa. No tratamento de Leigh, importa menos os caminhos do thatcherismo, e mais o ridículo e o patético com que são vistos os "novos-ricos". São cores tão fortes que os tornam pessoas irreconhecíveis, chanchadas ambulantes. Não custa lembrar que tipificar e categorizar os do que discordamos em oposição aos "normais" é uma das táticas, por exemplo, do nazismo. Ser feito por um homem de esquerda, com os "ideais corretos", não muda isso. Assim, o filme patina entre dois movimentos absolutamente opostos: quando estamos dentro da casa do casal socialista, acompanhando suas conversas sobre relações pessoais, sobre casamento, sobra atuação política e social, temos um cineasta atento, sutil, carinhoso (que lembra os melhores momentos de outros de seus filmes). Por outro lado, quando quer que entre em cena o outro casal, estamos na terra da chanchada, da completa falta de sutileza, da falta de generosidade em troca da ridicularização. Esta idéia de oposição, que Leigh assume até mesmo em entrevistas (segundo o catálogo da mostra), é apenas canhestramente um posicionamento político. Trata-se muito mais de uma revelação de intenções quanto a uma visão do ser humano. Se High Hopes é o caso mais atenuado deste tipo de tratamento, há o mesmo retrato por trás de Grown-ups (1980) e Home Sweet Home (1982). São dois casos importantes de citar porque, neles, a passagem do registro do detalhe no banal para a chanchada ridícula não se dá por conta de conflitos de classe, e são filmes feitos em momento político levemente diverso. Assim, fica claro que o posicionamento quanto aos personagens que Leigh assume é muito menos de cunho político e sim existencial e moralista. Nos seus filmes existem os "corretos" e os "incorretos", e enquanto os primeiros merecem toda a atenção aos outros é dedicado o Inferno cinematográfico. Trata-se de um artifício manipulatório dos mais grosseiros na obtenção da empatia (simpatia e antipatia) da platéia pelos personagens. O diretor inclusive usa o argumento de que não filma seus personagens de forma a ridicularizá-los, que há pessoas como aquelas no mundo e que a visão que as torna ridícula provém do olho do espectador. Ora, ou se trata de uma comprovação da velha tese de que um cineasta realmente não controla a obra que faz (ou não faz a obra que pensa ter feito), ou de um profundo cinismo de Leigh. Pois uma das principais marcas de seus filmes é a criação de momentos de encontro de todos os personagens (algo como o clímax de uma comédia de erros), sendo que nos três exemplos citados fica especialmente óbvia a utilização destes momentos como catarse absoluta pelo mais completo teatro do patético. Se Leigh não acha que ridiculariza os personagens, por exemplo, na cena do jantar de aniversário em High Hopes ou na cena da escadaria em Grown-ups, ou ele precisa ver um terapeuta com urgência, ou recontextualizar exatamente o que significa a palavra "ridículo". Estes piores momentos dos seus filmes, inclusive, deixam a nu um dos grandes "discursos" sobre a obra de Leigh: o do seu trabalho com atores. Este tem sido o principal atrativo extra-filme de seus trabalhos desde o lançamento no Brasil de Segredos e Mentiras, pelo uso do método particular do diretor de não ensaiar previamente com os atores, e simular com eles os níveis de intimidade que seus personagens têm. Louvado a partir de seu filme vencedor da Palma de Ouro, no qual se via a criação da tal sensação de intimidade entre câmera e personagens, e de um realismo mais que naturalista na relação entre eles, este conceito precisa ser revisto à luz dos outros filmes. Porque há em Leigh, pelo contrário do simples naturalismo, um trabalho quase teatral de construção de gestos que, nos melhores momentos (como David Thewlis em Naked) cria um universo pessoal diferenciado e de acordo com seus desejos. Mas, nos piores momentos, revela uma tendência de seus atores apelarem para um verdadeiro repertório de tiques nervosos e inflexões vocais que se adequam muito mais aos seus momentos de chanchada do que de um retrato cotidiano ou construção de personagens internalizados. Talvez o maior exemplo disso seja o trabalho de Brenda Blethyn em Grown-ups, cujo trabalho perto do grotesco passa a criar repercussões até mesmo da nossa visão do seu personagem em Segredos e Mentiras. O que havia sido lido neste como excentricidade da personagem pode começar a ser entendido como muletas de comicidade que a atriz já exercitara antes. O trabalho com atores de Leigh, como tudo em seus filmes, trabalha no alto de uma corda bamba, onde é muito fácil despencar, embora seja belíssimo o resultado bem sucedido. Mas, muito pior e mais descompensado do que o uso dos atores (que em vários momentos é acertado), é o trabalho de Mike Leigh com a música, trilhas compostas para os filmes. Este fator no seu trabalho não pode ser defendido nem pelos seus fãs mais ferrenhos, tal o mau gosto empregado. Para começar pela clara "superutilização" do artifício (em vários de seus filmes a música é onipresente, muitas vezes sufocando cenas absolutamente simples, em outras tornando cenas em si exageradas, absolutamente grotescas), mas principalmente pelo seu uso óbvio e francamente manipulatório. Como se não bastasse a encenação, parece que Leigh precisa com a trilha pisar em cima dos seus tons, dos seus objetivos e intenções. Observações como estas certamente só são possíveis com mostras como esta, que apresentam quase a dimensão completa do trabalho de um artista. Embora, pelos 4 filmes lançados no Brasil pudéssemos ter uma idéia bastante fiel do trabalho de Leigh pelo microcosmo: um grande filme onde as relações humanas são colocadas acima de todos os fatores, e encenadas com uma enorme poesia do banal (Segredos e Mentiras), um filme completamente fora do tom, manipulatório e simplista (All or nothing), e duas experiências menores, uma melhor (Topsy Turvy) e outra mais mal sucedida (Garotas de Futuro). No geral, este é um painel bastante de acordo com a carreira de Leigh: visão de mundo e método de filmagem inegavelmente pessoais, maior ou menor sucesso nos seus retratos de relações humanas e de classe, e uma capacidade impressionante de se inserir num ambiente familiar, renovando-o de acordo com as circunstâncias sócio-políticas. Um cineasta irregular e com vícios de linguagem redutores, mas com a capacidade essencial de mesclar fenômenos humanos e momentos históricos. Nem Deus nem Diabo, na terra do chá. Eduardo Valente |
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