Imagens abjetas


Ken Park de Larry Clark e Ed Lachman

Teóricos do cinema bem mais voltados ao assunto, e com intenções muito mais ambiciosas que as de um artigo como este, já dedicaram tempo, reflexão e escrita à questão da relação do espectador com o filme como uma que possui uma profunda carga de fantasia, subconsciente, sonho, projeção. O cinema sob a luz da psicanálise (ou visto com a ajuda dela) tem sido um dos temas mais debatidos, especialmente no que se refere à relação "voyeurística" entre quem assiste e o que é assistido. Também é fato mais que banalizado o jogo de poder exercido pelo diretor com o espectador, a partir da perspectiva de todos assistirmos, olhamos, para o que esta única pessoa tenha decidido que olharemos. Assim, seja por 10 minutos (num curta) seja por quatro horas, toda nossa atenção, sensibilidade e sentidos estão voltados para o coquetel de imagens e sons que uma pessoa montou para nos "dominar".

Assim que o poder do realizador cinematográfico sobre a percepção dos seus espectadores não deve ser subestimado, nem muito menos as consequências de suas imagens/sons sobre a psique de cada um. Não se trata aqui de macaquear um discurso já meio batido de "responsabilização" da obra de arte pelos atos de seus consumidores, de forma alguma. Como também já foi bem notado, uma só obra de arte não pode mudar a vida ou a cabeça de uma pessoa. Mas, é fato, ela certamente influencia as pessoas a partir do que mais elas já tenham vivido ou recebido como estímulo, aí misturando arte e vida, é lógico.

Daí vem a grande questão que nos leva a este artigo: o que deseja de fato um diretor que usa suas imagens e sons para efeitos de comoção e repulsa do seu espectador? Que quer fazer quem assiste se contorcer na cadeira, talvez tirar os olhos da tela, que, em suma, o quer fazer sofrer. Que tipo de relação sado-masoquista é esta que tanto parece atrair alguns cineastas? Como toda relação deste tipo, inegavelmente parte de um discurso de dominação, ou seja, o diretor mais do que nunca se coloca em posição de afirmar "você olhará para isso porque eu quero que você olhe, e sentirá repulsa se eu desejar que você sinta". Mas, parece haver aqui algo que vai mais fundo, algo que surpreendentemente talvez, está mais revelado na relação entre os diretores e seus objetos (personagens, etc) do que com o espectador.

Vamos partir para a prática, para os exemplos que nos levam a este texto a partir do que foi visto nas mostras. Três exemplos de cinema "abjeto" (aí o julgamento de valor está implícito, mas fica claro até o fim da argumentação), cada um deles importante de olhar com atenção justamente por terem matrizes, procedimentos e efeitos diferentes.

O primeiro e mais notório dentre os filmes do ano é, sem dúvida, Irreversível, do franco-argentino Gaspar Noé. É preciso antes, porém, entender os "a priori" que levam o filme a estabelecer a relação com o espectador que ele estabelece. Noé realizou um filme em 1998 chamado Seul contre tous, exibido no Rio (Rio Cine) e no ano seguinte na Mostra de SP. Tratava-se de um filme que usava a "desculpa" da narrativa atrelada diretamente ao processo de pensamento e ação de seu personagem principal (a quem ouvíamos "pensar" o filme todo), para nos jogar num redemoinho de violência e depressão que tentava posar de uma reflexão sobre o envelhecimento e a perda de sentido na vida de um homem francês de classe baixa. Noé demonstrava já neste filme uma atração forte por duas coisas: a manipulação descarada das emoções do espectador pelo jogo narrativo e o interesse pela estética como forma de misturar repulsa pelo que se vê e atração pelo cuidado com imagens e sons. Tratava-se certamente de um filme complicado e discutível, mas inegavelmente tinha o acerto de uma coerência interna perceptível. Num certo momento o diretor colocava na tela em caracteres de cores fortes uma contagem regressiva, onde convidava o espectador mais sensível a se retirar da sala em 20 segundos. Recurso que impressionava pela mistura de pretensão, cara de pau pura e simples, e conhecimento tanto do mecanismo espectador-filme quanto do potencial de atenção na mídia recebida pelo filme a partir de expedientes como este.

Pois bem, é importante o acesso a estes dados sobre o cineasta porque Irreversível parte, acima de tudo, de uma vontade de "continuar onde o filme anterior havia parado", em todos os sentidos (tanto que as primeiras imagens do novo filme, sem uma relação direta com a história contada, mostram o personagem do filme anterior conversando com uma pessoa). Ou seja, o cineasta Noé, como figura do cinema francês, precisava seguir o choque proporcionado por seu filme anterior com algo ainda maior. Tratou de pegar, então, duas das figuras de ponta entre os jovens atores, em especial o "casal polêmico" da cena artística francesa: Vincent Cassel e Monica Belucci. A idéia de ver estes dois modelos de fascínio, atração, sexo e glamour sendo destruídos das mais diferentes formas era, sem dúvida, atraente a um público. Se começamos a dissecar as intenções de Noé, portanto, percebemos que ele tem uma "agenda" muito anterior às questões de seus personagens aqui. Irreversível foi um filme vendido na França como o grande escândalo do ano, muito antes aliás de sequer ser visto, em Cannes. Ou seja, fazia parte tanto da campanha de marketing do filme, quanto do desejo de Noé se configurar como a figura do "enfant terrible" do novo cinema francês.

Precisamos partir destes dados então, para olhar o filme, que é reflexo antes de mais nada destes desejos. Estruturado narrativamente de trás para a frente (começamos vendo a última sequência, e vamos recuando), o filme parte do extremo da violência para a ternura. As verdadeiras intenções deste movimento, contudo, ajudam a explicar a visão de mundo do cineasta (cuja frase-síntese "O tempo destrói tudo", que aparece na tela ao final, é muito menos resultado do que vimos do que um slogan que mais parece propaganda de perfume ou algo assim). Certamente não são intenções de fazer um trajeto análogo (da violência à ternura), e sim ridicularizar este trajeto pelo fato de afirmar que toda tentativa de "felicidade" será destruída numa orgia de violência. Esta tese, ainda que no mínimo discutível e no extremo simplesmente estúpida, não é desinteressante por si caso fosse "comprovada" pelo filme. No entanto, o fato é que o filme parece muito mais preocupado com o seu potencial de choque do que com qualquer coerência ou tese (e aí sim Seul contre tous parece um filme superior, simplesmente pela sua coerência).

Chegamos finalmente, então, ao que nos interessa desde o início: a imagem-síntese deste desejo de relação de Noé com o mundo do cinema (não só com o espectador, mas a crítica, a mídia, etc). Trata-se, sem dúvida, de uma das mais asquerosas imagens jamais mostradas no cinema mundial: a destruição de uma cabeça de ser humano por seguidos golpes com um extintor de incêndio. Ao afirmar seu estatuto de imagem asquerosa, pode-se argumentar que eu dê razão ao cineasta (afinal ele desejava me chocar). Porém, precisamos passar por cima da imagem em si para perceber a verdadeira fonte deste asco, que não está na cena e sim na intenção do seu uso pelo cineasta.

O primeiro fator a ser visto é que é um plano que vai contra toda a mise-en-scène do filme até então. Noé propunha um filme absurdamente móvel, onde a câmera não capta mais do que fragmentos de imagens, sons, sombras, numa viagem por uma casa noturna homossexual subterrânea (vamos pular o teor homófobo do filme neste texto). Esta proposta parece até interessante (embora os motivos de sua utilização sejam pueris, dramatúrgica e narrativamente), mas é absolutamente negada no seu plano final. Pela primeira vez, a câmera de Noé pára e assiste com toda tranquilidade a destruição daquela cabeça. Ou seja, será que construímos toda aquela estética para um efeito simples de choque?

Mais complicado ainda é entender porque mostrar com tal requinte de detalhes esta destruição. Michael Haneke em seu Funny Games não mostra uma cena violenta sequer porque, segundo sua tese, ali o que choca mais é o espectador imaginar o que acontece, sem ter certeza do que foi. A violência está nos personagens e nos espectadores, mais do que nos atos. Noé vai absolutamente na direção oposta aqui: o que importa é uma cabeça sendo destruída. Ora, que a destruição de uma cabeça é uma cena desagradável qualquer um sabia antes de ver o filme. Então, exatamente o quê quer provar Noé? Causar desvios de olhar? Claro que eles acontecerão, mas que mérito isso tem por si, exatamente? Que "tabu" revelador está ele pondo a nu? O de que a imagem de um ser humano morrendo pode nos perturbar?

Muito mais perturbador me parece saber os esforços empreendidos pelo diretor para realizar tal cena. É lógico que ele não triturou uma cabeça de verdade (aí sim teríamos um tabu quebrado, não?), portanto para conseguir este efeito com realismo ele usou elaborados efeitos de computador simulando o ato. Agora entra o ponto principal: é possível imaginar o diretor e seus colaboradores discutindo longamente cada detalhe de como exatamente se encenar esta destruição? Neste caso, em especial, precisamos pensar no som, porque o som que o homem vai emitindo enquanto é triturado é incrivelmente elaborado, pensado. Está aí, neste momento, a gênese de todas as complicações do filme: no impulso inegavelmente sádico do diretor pela construção visual-sonora de uma sequência como esta. De que tipo de prazer se está falando exatamente? A qual proposta se lança?

Porque, afinal, qual o efeito que Noé pode querer do público que justifique aquela cabeça triturada mostrada daquela forma? Ela não revela nada de especial sobre a natureza humana (nem sob um ponto de vista decadentista/niilista), nem nos faz repensar nada. Ele só deseja, então, dominar o espectador, fazer com que ele vire o olho e, na última potência, causar polêmica ao vender o filme e sua própria carreira. A cena é abjeta em si, mas torna-se ainda mais quando o filme se desenvolve numa lógica patética de culpabilização que dessensibiliza cada vez mais o espectador. Ou seja: aquele homem que é assassinado logo se revela ele mesmo um sádico chocante (numa cena de estupro que tenta ser o outro ponto de "choque" do filme), o que nos faz pensar que talvez ele tenha merecido o que recebeu. E assim ele vai, culpando sempre quem sofre as violências, num círculo onde todos merecem todo o Mal do mundo. Ou seja, supostamente se choca o espectador, mas ele é jogado em "zonas de conforto" onde os que sofrem mereceram (só a mulher não cai nesta lógica, mas é ainda pior: num exercício misógino claro, seu sofrimento é só ferramenta para punição ao namorado, com menos valor por si só).

Ao final de tudo, o filme parece um enorme desperdício de talento de um bom fotógrafo e câmera (o próprio Noé), tanto mais quando, nas cenas de ternura e estrutura de personagens (um longo diálogo no metrô e a cena do casal em casa), ele revela um insuspeito olhar atento sobre, vejam só, o ser humano. Só que, envergonhadamente, ele prefere esconder isso tudo (talvez embaraçado da sua própria capacidade de ternura) sob o cobertor muito mais vendável de uma suposta tese "destruidora". É o produto de um "enfant" sim, mas não "terrible": apenas uma criança querendo chamar a atenção para si, entendendo perfeitamente como conseguir isso com sua família (o meio cinematográfico). Palmas para Noé na sua projeção pessoal, mas seus filmes não nos fazem pensar nem por um momento em questões sobre a natureza humana. No máximo sobre as motivações de seu diretor, e sobre a tomada de refém da platéia para atingir seus objetivos.

É um caso bem diferente do de Larry Clark, em Ken Park. Clark, o mesmo diretor de Kids (que neste novo filme divide a direção com Ed Lachman), tem sim um projeto maior do que sua projeção pessoal, isso é inegável: sua dedicação ao universo dos jovens sem perspectiva é sincera, pois reflexo de um trabalho longo como fotógrafo de imagens paradas em grupos semelhantes aos que retrata em seus filmes. A sinceridade desta proposta não a torna um resultado menos deplorável, porém.

Assim como no filme de Noé, há uma série de imagens em Ken Park que conseguem a atenção da mídia, acima de qualquer outra coisa: uma ejaculação em close aqui, um sexo a três ali, o pai fazendo sexo oral no filho lá, o esfaquemento de duas pessoas acolá. Porém, assim como no filme de Noé, o incômodo verdadeiro não vem das imagens em si, mas da lógica que as circunda. Não há em Ken Park a possibilidade real de dois fenômenos: a comunicação entre os seres humanos, e o sexo como fonte de prazer. Portanto, toda cena de sexo não pode ser uma de hedonismo (troca então, nem pensar), e sim de culpas, angústias, e muitas vezes, de ridículo.

A entrada desta última palavra é a chave principal de repúdio ao cinema de Clark (uma que certamente não está em Noé como pulsão): ele não quer apenas revelar algo sobre o ser humano, ele quer ridicularizá-lo. Este posicionamento do diretor acima daquilo que filma, com verdadeiro asco pelos personagens e suas "perversões" é o que torna o cinema de Clark, em si, abjeto. Em especial neste filme, seu retrato das relações entre gerações (pais ou avós com filhos ou netos) é patético, simplista, e culpabilizador. O discurso em si é antigo (os pais nos tornam os monstros que somos), mas é especialmente perturbadora a incapacidade de meios-tons, como no caso do pai que abusa do filho. Não basta esta pulsão, é preciso que ele, por exemplo, quebre a prancha de skate do filho (sem razão aparente), maltrate uma prostituta na rua, etc, em suma, torne-se um monstro sociopata.

As cenas de sexo em si não possuem qualquer choque (ao menos para os que já tenham praticado sexo), mas impressiona é a carga em torno delas, sempre banal. O garoto transa com a mãe da namorada, mas daí não vemos extrair prazer e sim um desejo de se sentir mais poderoso que o marido dela. A filha do religioso trepa com o namorado prendendo-o na cama não porque goste disso, e sim para criar uma imagem de "santinha do pau ôco" e ser espancada e humilhada pelo pai doentio. E assim vai.

Mas, não resta dúvida, a imagem abjeta de fato aqui é a do adolescente que esfaqueia os avós. Não pelo ato em si tão somente, mas por sua encenação. A narração em off, o sensacionalismo de anunciar que após o fato ele "tem uma ereção", e finalmente ao mostrar o cachorro aleijado da família presenciando a cena, ele afirmar que "broxou". O que exatamente, e aqui a pergunta é a mesma do filme de Noé, pode querer o diretor com esta cena, com esta construção de personagem? O discurso dele (Clark) diz que seu filme quer mostrar pessoas comuns em "verdadeiras" relações humanas. Aí, vem a pergunta: não se negue que podem existir tais relações como as do filme, mas elas são mais comuns e verdadeiras do que outras a partir de que ótica? Torná-las as únicas em cena quer dizer que são modelos e não exemplos. Não estaria em certos jogos de poder e culpa muito mais profundos e banais do que estas explosões encenadas de sexo e violência o verdadeiro xis dos conflitos familiares? Será que só o doentio pode ser daninho? Pois nós, que não nos reconhecemos naqueles seres deploráveis, podemos nos sentir seguros, então?

Assim como em Irreversível, Clark cria uma cena quase no final onde intui alguma possibilidade de ternura, e troca, entre três amigos. Mas exatamente como em Noé, a decisão de colocar esta cena neste momento não nega o desejo de ridicularizá-la também: ou seja, a ternura fica menor perto das perversões já exibidas. O desejo do ridículo está ainda mais presente na canção que dá ritmo à cena, onde são "louvados" os pais e seu amor pelos filhos. A ternura só existiria, a ver por Clark, como um oásis fora da realidade da vida do dia a dia, só possível entre "iguais", ou seja, jamais por gerações diferentes. E, ainda assim, banalizada pela quantidade de crueldade.

Se no caminho da "ficção" nós partimos da estilização completa de Noé e passamos pela encenação "realista" de Clark e Lachman, parece de acordo que terminemos este caminho com a espetacularização do real. No caso, analisando o episódio dirigido por Alejandro Iñarritú para o filme 11 de Setembro, que aliás vem provar que duração de filme não é limite para a abjeção. O cineasta mexicano consegue um prodígio da síntese da manipulação e do sadismo em seus 11 minutos de tela.

Iñarritú, convém dizer como fizemos nos casos acima, tem um passado que ajuda a entender um pouco sua movimentação. Publicitário, realizou Amores Brutos, filme laureado no mundo todo por seu "realismo brutal". O filme era, na verdade, uma mistura de tiques modernos de cinema (três histórias paralelas que se cruzam, câmera com cores esmaecidas e muito movimento criando uma hiperrealidade com semelhanças inegáveis com o nosso Cidade de Deus) com uma muito antiga lógica de construção de personagens e situações que, entre a ridicularização e a psicologização mais barata, buscava banalizar a vivência nas metrópoles terceiro-munditas modernas a uma questão de violência, igualando em última instância seres humanos a cachorros. Inegavelmente o tipo de coisa que agrada muito à matriz (e no caso dos mexicanos, sabemos bem de quem falamos), e no caso do diretor, demonstrava o "domínio de linguagem" que o autoriza a passar para o "primeiro mundo cinematográfico". Não por acaso, foi o escolhido para representar a "América Latina" neste projeto de olhar mundial sobre os acontecimentos de 11/9/01.

Pois bem, aí começam os problemas para o diretor. Antes de tudo por ter sido convidado lado a lado com uma série de diretores que possuem mais do que uma simples assinatura, um olhar de mundo claro em seus trabalhos, como Shohei Imamura, Youssef Chahine, Sean Penn, Ken Loach, Claude Lelouch, Amos Gitai; ou ao lado de jovens diretores com uma sensibilidade particular dos fenômenos humanos (caso de Idrissa Ouedrago, Samira Makhmalbaf, Mira Nair, Danis Tanovic). Goste-se mais ou menos de um ou outro, o inegável é que todos já tinham demonstrado em seus trabalhos muito mais do que Iñarritú no seu filme. Como os episódios só são exibidos coletivamente, o choque fica claro: parece ponto pacífico de todos que a referência aos fatos dos atentados em si já havia sido esgotada como potencial dramático na sua cobertura pela televisão. Mais do que isso, a todos os diretores interessou mais (com maior e menor acerto de cada um) mergulhar nas suas próprias realidades e sensibilidades dramáticas e ver como o atentado mexia com elas, se é que mexia.

Pois bem, não só Iñarritú é o único a voltar a imagens (e sons, principalmente) do atentado, como não impõe uma visão local sobre ele. Até aí, como se diz, nada demais. Porém, é chocante o tipo de espetáculo proposto por ele. Montado como uma enorme vinheta que segue a lógica da manipulação mais típica da publicidade (onde a origem do diretor torna-se evidente), seu episódio é o único entre todos que tenta "horrorizar" mais uma vez os espectadores, como se isso ainda fosse necessário. Todos os outros tentam partir dos fatos para uma reflexão (diferença típica do cinema para a TV, aliás), seja sobre causas ou efeitos deles na vida de pessoas pelo mundo. Iñarritú não, chove no molhado: os atentados foram horrorosos. Pior, seu cinema, como o de um cachorrinho de madame (e se pensamos na analogia de seu longa anterior, vale a imagem), apenas repete os pensamentos mais banais da metrópole chocada pelo ataque "injustificável" a "inocentes" que sofreu. É o único dos filmes que parece dar o braço aos americanos, oferecendo algum conforto e solidariedade em sua dor.

Cinematograficamente (se é que a palavra cabe) falando, porém, o filme é ainda mais perturbador que suas motivações. Há um desejo de criação de uma estética quase sublime do horror na sua mistura de telas pretas, gritos, ruídos dos atentados, com flashes de imagens de corpos caindo. Assim como em Noé e Clark, o que nos horroriza não é nunca a imagem (ou som) em si, mas a forma como são utilizados como pura catarse "artística", ou pior, como forma de uso do espectador num jogo sádico de manipulação. O curta do cineasta mexicano funciona como síntese e exemplo perfeito de tudo que há de mais deplorável no uso das imagens e das condições de absorção do cinema pelo espectador como ferramenta mesquinha nas mãos de estetas que detestam a generosidade da troca, e preferem a imposição de sua "bile".

A conclusão simples da análise desses três casos de estudo é a mais óbvia: abjetas não são as imagens, são as motivações por trás de quem as filma, ou monta, usando-as para estabelecer com o espectador um jogo que não é saudável nem pela negação, pois não leva a uma modificação de visão do mundo ou questionamento deste (mesmo que fosse daninha, seria válida), e sim deseja apenas comovê-lo imediatamente, fazendo dele não mais que um títere nas mãos do diretor, tanto quanto as figuras e sombras flutuantes que passam pela tela.

Eduardo Valente