O Estranho Sem Nome

High Plains Drifter, de Clint Eastwood (EUA, 1973)

Elogio do outsider

O Estranho Sem Nome é o segundo filme de Clint Eastwood, e o primeiro em que o diretor se dedica a um gênero que vai revisitar mais algumas vezes, sempre com resultados surpreendentes: o western. Ora, conhecemos o percurso do autor: trabalhou como ator coadjuvante em uma série de filmes B (dentre os quais dois de Jack Arnold), depois uma temporada na Itália na qual sua figura ficou para sempre marcada através dos tipos que fez para Sergio Leone e, na volta para a América do Norte, papéis em alguns faroestes e notadamente nos filmes de Don Siegel, em que compunha um herói violento que aos poucos foi se transformando em "Dirty Harry", seu papel mais famoso. Se em todas as suas atuações anteriores ele devia ouvir o diretor para saber como comportar-se para construir seu personagem, desta vez trata-se de ele mesmo conduzir seu filme, conduzir a equipe e os atores para aquilo que ele deseja fazer com o western.

Resulta que em O Estranho Sem Nome Clint Eastwood se revela um excelente aluno. Logo nos primeiros instantes começado o filme, nota-se a seqüência mais leoniana já filmada nos Estados Unidos, toda em primeiros planos do tal "estranho sem nome" chegando na cidade e, em campo/contracampo, dos olhos estupefatos dos habitantes do pequeno vilarejo de Lago em que o cavaleiro acaba de chegar com seu cavalo. Se nas atmosferas iniciais Eastwood presta tributo ao primeiro diretor com quem aprendeu cinema, a homenagem ao segundo não tardará por vir. Aos poucos perceberemos que esse personagem que toma a justiça em suas próprias mãos, que antevê os pensamentos dos outros e age antes dele é também uma singela homenagem a Don Siegel, com quem já havia feito, entre outros, Meu Nome É Coogan e o primeiro Dirty Harry. Ao fim dos créditos de Os Imperdoáveis, o espectador que ficou até o final da projeção, emocionado, vê uma dedicatória "a Don e Sergio". É o fim de um ciclo de aprendizagem, um saudoso adeus a seus dois mestres, os homens que lhe ensinaram a fazer cinema. Quanto a O Estranho Sem Nome, trata-se antes de um aceno de chapéu, de um "oi" impetuoso mas ainda tateante, no qual o artista entra no terreno de seus iguais e diz "alô, eu também faço cinema". Clint Eastwood enters the room.

Mas se há muito de homenagem nesse primeiro faroeste dirigido por Eastwood, há também muito do nascimento das questões que vão assombrar a maioria dos filmes que ele irá dirigir do começo dos anos 70 até hoje: a justiça, a responsabilidade, a tomada de decisões, as ambigüidades e sutilezas da justiça dos homens (o que é muito diferente do conceito de justiça que ele trabalha nos filmes). A partir dos anos 50, muitos são os filmes de faroeste que se fazem acerca de duas concepções de justiça: o xerife luta para levar o criminoso ao tribunal enquanto os homens do vilarejo querem resolver o trabalho por si mesmos. O próprio Eastwood trabalhou como ator num filme de temática semelhante, A Marca da Forca (Hang'em High de Ted Post, 1968), mas nunca dirigiu um filme com um arcabouço narrativo semelhante. Desse esquema, aproveitou simplesmente o questionamento moral e filosófico acerca do procedimento legal: há vezes em que a prática obriga a outras soluções justas que não são as soluções da lei.

Em O Estranho Sem Nome, o personagem que Clint Eastwood interpreta é um anjo de vingança, um homem que volta dos mortos para, um ano após, vingar um acontecimento infame partilhado por todos os habitantes da cidadezinha de Lago. No ano anterior, os poderosos da região contrataram três pistoleiros para assassinar o xerife, que contaria às autoridades que a mina da região, explorada pelos moradores, era propriedade do estado. Decisão tomada pelos maiorais, mas corroborada pela covardia de toda a cidade, que vê o linchamento acontecer em praça pública sem que ninguém movesse um dedo. Clima de anomia, ou pior, de lei paralela que domina uma cidade (não o "poder paralelo" dos fracos e marginais, mas a "lei paralela" dos fortes e poderosos) e impede qualquer tomada de posição legalista. Ora, é a partir da impossibilidade de um comportamento legal que surge o herói trágico e paradoxal do western: ciente da lei geral, ele deve negá-la para tomá-la em suas próprias mãos, mas essa é a única atitude que poderá fazer a lei retornar. Em O Estranho Sem Nome, o personagem é outorgado lei única da cidade e, mais que isso, converte-se em senhor da vida e da morte alheias. Ele lembra a "nuvem" que reaparece em A Bruma Assassina de John Carpenter para vingar a infâmia que decidiu os rumos de uma cidade. Nos dois filmes, o que se vê ultrapassa aas fronteiras da ficção e passa para a esfera do questionamento moral: não será toda sociedade fundada numa proscrição infame que estabelece de antemão seus líderes, seus funcionários medianos, seus cidadãos e seus párias?

Poucas vezes se viu em filme americano uma pintura tão selvagem de uma vida comunitária. Como em O Anjo Exterminador (sim, o filme de Buñuel!), um dispositivo ficcional surge para despir a sociedade de todos os seus véus e revelar um ambiente pútrido, cheio de relações expúrias de interdependências e mentiras fundadoras. Os homens são todos covardes e as mulheres são todas histéricas. O padre da região, figura lamentável, se revela o mais velhaco de todos, omitindo-se das decisões que o vão beneficiar, cobrando pela estadia dentro da Igreja, e ainda arrogando o poder da Igreja para suas tomadas de posição. Quanto aos três proscritos que cumpriram o papel sujo de matar o xerife e voltam um ano depois de terem cumprido pena, eles não se revelam nem melhores nem piores do que os pacatos cidadãos que jamais pegaram numa arma. Juntos, todos eles esperam a punição que, cedo ou tarde, virá.

Aula de cinema, O Estranho Sem Nome é um filme climático sem necessariamente chamar a atenção para o gênio do diretor (a discrição é sem dúvida uma das melhores características da arte de Eastwood), muita vezes engraçado e sem dúvida já mostra um diretor adepto do classicismo, onde a genialidade se define em contar uma história simples utilizando as formas expressivas do cinema para alcançar fluência e clareza. E junto com isso, naturalmente, trazer à tona os questionamentos típicos de toda grande arte clássica, que dizem respeito ao homem e a seu papel entre os outros homens. Em O Estranho Sem Nome, Clint Eastwood se arrisca incrivelmente ao encarnar um personagem que realiza por vezes monstruosidades porque toma a lei em suas próprias mãos. Obviamente, como grande diretor, consegue arranjar efeitos de narrativa e ficção para que entendamos e consigamos nos identificar com suas tomadas de posição. Mais ou menos como O Vigilante de Ozualdo Candeias, o "estranho sem nome" de Eastwood é a única possibilidade de fazer justiça. Curiosamente, esses homens, tanto o vigilante como o homem sem nome, começam o filme chegando à cidade e saem dela quando termina o filme. Há muitas vezes em Eastwood (Poder Absoluto vem à cabeça de primeira) o sentimento de que, para fazer honra novamente à cidade infame, é preciso que volte o pária, que o proscrito seja reagrupado, que o outsider venha "inside". Em seus filmes, só o outsider, aquele que não partilha do mesmo sistema de valores dessa sociedade, pode ver o câncer que a corrói por dentro e, como ele é o único capaz de vê-la, ele deve agir sozinho, custe o que custar. O cavaleiro solitário é um tema recorrente em sua obra. Como seu personagem, Clint Eastwood faz um cinema de independente dentro de Hollywood (sua companhia de produção Malpaso é quase uma autarquia!). Ele também, para si, escolheu o caminho do outsider.

Ruy Gardnier