O Triunfo do Amor,
de Clare People

The triumph of love, Inglaterra/Itália, 2001

Baseando-se numa peça do século XVIII do francês Marivaux, People consegue vencer os dois maiores desafios que o material lhe apresentava: o de ser excessivamente teatral, e o de ser excessivamente banal.

O primeiro desafio, de forma interessante, ela vence pelas avessas: pintando com tintas ainda mais fortes a clara filiação teatral do filme. Ao assumir o farsesco como seu tom, não optando por uma adaptação que se adequasse à linguagem mais naturalista do cinema, a diretora e seu elenco pegam o espectador de surpresa e, ao mesmo tempo, imprimem um ritmo e uma alegria à encenação que são simplesmente contagiantes. Embora Mira Sorvino tenha a principal personagem em cena (e a interprete maravilhosamente bem), os maiores destaques são mesmo Ben Kingsley e Fiona Shaw, que parecem se divertir loucamente enquanto nos divertem também.

Além das atuações, há muitos outros indícios da origem teatral do texto. A começar pelo uso de uma única locação (no entanto, repleta de ambientes e cenas externas), passando pelos coadjuvantes-escada (sempre os servos), tão caros ao teatro francês de Molière e seus compatriotas, e finalmente o uso em cena em que uma platéia contemporânea assiste a encenação. Sobre este último artifício, cabe esclarecer: embora apareça em dois planos isolados, quase como uma aparição de outro mundo (o que não deixa de ser), ainda assim é um recurso que parece um pouco excessivo, distrativo e óbvio (a não ser no final, quando fecha graciosamente a leveza do filme).

Mas, se tudo isso está no trabalho de People, nada o torna menos cinematográfico por assumir esta teatralidade. Pelo contrário: usando artifícios como os cortes em movimento, a câmera na mão, as luzes estouradas, People imprime ao filme uma sensação não apenas de cinema, mas de um cinema "independente". O que parece é que ela resolveu filmar uma encenação da peça de Marivaux que se movimentasse por uma locação, de forma bem barata e direta.

Além das considerações sobre dramaturgia, porém, é preciso ver que há ainda no filme a capacidade de elevar seu assunto acima da banalidade de uma comédia de costumes vazia. Há aqui uma discussão mesmo filosófica, e muito interessante, sobre o embate do racional com o emocional, dos impulsos em relação ao controle. Tomando claramente o lado do amor, das emoções, o filme bate firme numa concepção de vida que exclua o exagero ou a entrega romântica. Assim, a personagem principal, mais do que uma simples princesa apaixonada de contos de fada, é um verdadeiro furacão causador de desejos incontroláveis. Esta dimensão quase sensorial do filme empresta a ele ainda mais uma camada de graça e frescor, que somada com as outras já citadas, faz dele um dos mais agradáveis exemplares recentes de um cinema de entretenimento com inteligência.

Eduardo Valente