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        Seja 
        o Que Deus Quiser!, 
        de Murilo Salles 
          
         
        Brasil, 
        2002 
      Itinerário 
        comum de uma considerável parcela da recente leva da produção 
        nacional, a favela se afirma como o ponto de partida incontornável 
        de um cinema mais inclinado à temática social. Pegando carona 
        na explosão das manifestações culturais surgidas 
        na periferia e na incorporação sistemática deste 
        espaço ao imaginário da classe média (agora como 
        objeto de consumo), os cineastas têm procurado se colocar de diversas 
        maneiras frente às novas questões e desafios apresentados. 
      O novo filme de Murilo 
        Salles começa acompanhando a subida de uma equipe da MTV a um dos 
        morros do Complexo do Alemão. No alto do morro, a VJ paulista Cacá 
        grava uma matéria sobre uma banda local; atraída por um 
        dos componentes do grupo, o PQD, ela termina passando uma noite com o 
        rapaz em seu barraco. No outro dia, enquanto PQD está ausente, 
        dois marginais invadem sua casa, sequestram e barbarizam a moça 
        dando início a uma comédia de erros que leva o músico 
        a São Paulo – cenário onde a história vai se desenrolar. 
      Tal como em seu filme 
        anterior, Como Nascem os Anjos, Murilo Salles procura explorar 
        os conflitos entre os universos da favela e do asfalto lançando 
        mão de uma dramaturgia calcada na configuração de 
        tipos sociais. Mas enquanto Como Nascem... se esforçava 
        para evitar o estereótipo, com relativo sucesso, Seja o que 
        Deus Quiser! esbarra no limite extremo deste modelo: personagens sem 
        vida ou interesse (apesar dos consideráveis esforços de 
        todo o elenco) e um total isolamento do cineasta na perigosa distância 
        cultivada entre ele e suas criações. A opção 
        por uma chave cômica e pela ironia foi um passo em falso para Murilo 
        – a problemática social terminou preterida em favor do entretenimento 
        que, ademais, inexiste. 
      Talvez o que mais 
        cause estranhamento àqueles que acompanham a obra de Murilo seja 
        o grau de cinismo que se insinua nas entrelinhas de Seja o que Deus 
        Quiser!. O que há de mais fascinante em Como Nascem os Anjos 
        – seu autêntico respeito por todas as personagens e a aproximação 
        cuidadosa a seus universos – cede lugar ao cálculo e ao esquematismo, 
        armadilhas que Murilo sempre procurou evitar. De mais a mais, a que creditar 
        esta mudança senão a opções equivocadas e 
        à falta de identidade do projeto? 
      Seja o que Deus 
        Quiser!: um escorregão, nada mais. 
      Fernando Verissimo 
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