Os jovens de hoje não
são os jovens de antes


Que os jovens têm problemas, o cinema sabe há muito tempo. Que esses problemas dizem respeito à inadequação com as gerações posteriores, que esses problemas são fruto de um perfil de futuro ao qual eles parecem não querer e não poder se encaixar, isso também já existe desde Juventude Transviada, de Nicholas Ray, ao menos. Mas que tudo isso tenha adquirido dimensões enormes, proporcionais ao papel que o jovem desempenha na sociedade – a indústria de entretenimento é dominada por consumidores de uma faixa etária que vai de crianças a pós-adolescentes –, isso não era tão previsível. Se nos anos 60 os jovens emergiram como um problema na sociedade (o rock, o flower power), se nos anos 80 eles foram diagonsticados, enquadrados e cosumidos pelos próprios jovens (o megaestrelato dos artistas pop, os shos de estádio, os filmes de John Hughes), hoje os jovens ultrapassaram qualquer projeção que se podia fazer deles. Hoje, falar dos jovens não é nem mais falar daqueles que venceram (que ganharam dos nerds, se poderia dizer), mas acompanhar a existência daqueles que perderam. O cinema americano faz isso em matizes e formas variadas, desde a misantropia de um Todd Solondz ao carinho um tanto doentio de Harmony Korine ou de Larry Clarke. Mas se hoje existe um lugar para analisá-los e mostrar como eles se comportam, dois filmes do Festival do Rio BR parecem não ter dúvida em acreditar que esse lugar é a casa de recuperação.

Estados Unidos e Japão juntam-se no diagnóstico: Na Fronteira da Loucura (Manic, de Jordan Melamed) e Uma Floresta Sem Nome de Shinji Aoyama, por mais diferentes que sejam, coincidem em colocar a juventude isolada numa comunidade. Todos os jovens têm problemas: eles são anti-sociais, eles tiveram problemas psicológicos devido a traumas familiares, eles mostram uma violência absurda (ou a mais total falta dela), mas uma observação em comum se pode dizer de todos eles: eles são incapazes de se encaixar no mundo dos normais.

Em Na Fronteira da Loucura, Don Cheadle vive o psicólogo que acompanha um grupo de jovens numa clínica particular. Duas situações de estupro, um espancamento até a morte, agressividade incontrolável, tendências suicidas, tudo isso tenta ser trabalhado numa terapia de grupo à maneira do jogo de cartas de Lacan: se um descobre a saída, todos os outros têm a possibilidade de acompanhar. Mas nem sempre é tão fácil: o filme tem muito mais regressões do que "altas", os casos são muito mais complexos do que se pensava. Não estamos mais em O Clube dos Cinco, em que as neuroses do cotidiano eram trabalhadas pela palavra e pelo companheirismo. Muito menos estamos em Juventude Transviada, em que a falta de compreensão dos pais obrigava os jovens a viver uma vida urgente, com uma família improvisada numa casa abandonada. Os jovens de Na Fronteira da Loucura não têm nem mais um presente ao qual se possa fruir à maneira do lema carpe diem da sociedade dos poetas mortos: eles precisam hoje de algo que é anterior a isso: eles precisam descobrir se têm um presente.

A esse respeito, Uma Floresta Sem Nome é mais apocalíptico. A juventude está numa casa de repouso new age, como a personagem de Julianne Moore em Safe de Todd Haynes (e não custa lembrar que a juventude contemporânea que Haynes pinta em Velvet Goldmine, em contraposição à juventude glam, é uma adolescência ascéptica, quase imbecilizada). Todos eles têm um comportamento absolutamente esquisito, homogêneo, robotizado. A tarefa do detetive Mike Yokohama é retirar de lá uma menina que deve casar-se com um sócio de seu pai para concretizar um negócio lucrativo. Mas quem acaba se afeiçoando ao lugar é o próprio detetive, que revela ter as mesmas dúvidas existenciais das pessoas que habitam aquele lugar. Nesse recanto pouco hospitaleiro (mas ainda assim um lugar que possibilita algum senso de comunidade), ele se encantará pela possibilidade de encontrar uma árvore que seja igual a ele, algo que lhe mostre o caminho que deve seguir. Nessa clínica, os pacientes têm "alta" quando descobrem aquilo que realmente querem fazer. Nas duas "altas" que testemunhamos, a volta à sociedade é trágica, acabando em morte (a própria ou a de terceiros). O próprio Yokohama não consegue fugir disso: ele procura sua árvore, quer encontrar seus ramos (os objetos de predileção), seus frutos (seu trabalho), suas raízes (seu passado). Como os jovens de Na Fronteira da Loucura, ele não tenta descobrir qual é sua verdadeira personalidade. Ele quase enlouquece para saber se ele tem alguma, qualquer uma.

Ruy Gardnier