Happy
Times
Motel,
de Zhang Yimou
Xingfu
chiguang, China, 2000
Em 1992, há exatos 10 anos, a principal atração da
então chamada Mostra Banco Nacional de Cinema, foram dois filmes
chineses, produtos então considerados exóticos, dirigidos
por Zhang Yimou: os geniais Amor e sedução e Lanternas
vermelhas, que lhe deram fama e respeito internacional. Esta fama
persistiu e, ainda hoje, um novo filme do diretor ainda é um bom
chamariz de público num festival de cinema, só que, infelizmente,
seus mais recentes trabalhos pouco guardam da densidade temática,
rebuscamento formal e uso criativo da cor que marcaram sua obra no início
da década de 1990, na qual também destaca-se Sorgo vermelho.
Desde Nenhum a menos, vencedor do festival de Veneza de 1999, passando
pelo seguinte O caminho de casa, Yimou vem se mostrando adepto
de enredos melodramáticos que trilham um caminho diverso da sofisticação
narrativa que fez seu nome. Se esses dois ainda apresentavam algumas (poucas)
qualidades, o mesmo não se pode afirmar com relação
a Happy Times Motel. Para falar a verdade, custa a crer
que ele seja fruto do mesmo diretor de uma década atrás.
Os primeiros minutos
são até promissores, dando a impressão que se trata
de uma descontraída comédia sobre um coroa pobre, atrapalhado
e solteirão, doido para casar e que precisa arrumar dinheiro para
impressionar a nova namorada, uma senhora extremamente gorda. Ele e um
amigo reformam um ônibus abandonado para alugá-lo como quarto
de motel para casais (o hotel Happy Times). Só que na primeira
visita do protagonista à casa de sua pretendente, conhecemos a
personagem que dará o tom do filme, a enteada da mulher, uma jovem
cega, abandonada pelo pai, e maltratada pela madrasta e por seu filho
igualmente obeso e chato. O coroa tira onda de rico e é convencido
a arrumar emprego para a ceguinha em seu hotel, estabelecendo-se assim
um jogo de ilusão, no qual ele tenta enganar e proteger a moça,
que acaba por ser expulsa da casa da madrasta. Só que o ônibus-motel
é logo rebocado para que seja feita uma obra no local.
O que poderia ser
um roteiro banhado de fina ironia vai logo, logo descambando para o mais
deslavado dramalhão. Yimou consegue misturar uma pieguice rasteira
aos já gastos elementos das comédias inglesas sobre gente
dura que se vira para ganhar alguma grana, quando, para dar à ceguinha
um trabalho de massagista, o velho e seus amigos transformam um galpão
da fábrica onde trabalham no salão de massagens do pretenso
hotel e se revezam como clientes. Mas de onde tirar o dinheiro para pagá-la?
E tome música melosa e close-ups do rosto choroso da garota nos
momentos onde ela se revela emocionada e afirma seu desejo de juntar dinheiro
para encontrar o pai e operar a visão. Até chegarmos a um
final trágico, recheado de golpes baixos para levar o espectador
às lágrimas.
É possível
que fãs mais radicais do diretor tentem defender o filme afirmando
que ele seja um jogo sobre a ilusão. Acredito que Yimou estivesse
até de certo modo imbuído de tal intenção,
o que se revela no mais interessante momento de Happy Times Motel,
aquele no qual a ceguinha descobre que o salão de massagens é
uma farsa. O galpão, por sinal, muito se assemelha a um estúdio
de cinema. Só que esta abordagem um tanto lúdica é
ofuscada pela falta de sutileza do diretor na manipulação
dos elementos melodramáticos, passando a sensação
que o maior iludido, infelizmente, seria o público. Ao final fica
a certeza que, ao contrário dos melodramas mexicanos, é
muito pouco provável que daqui a 50 anos, algum festival reserve
uma retrospectiva aos melodramas de Zhang Yimou.
Gilberto Silva Jr.
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