O
Funeral do Chefão,
de Feng Xiaogang
Du
wan/ Big shot's funeral, China/EUA, 2002
Não é à toa que por vezes não tenhamos certeza
se estamos assistindo a O Funeral do Chefão ou ao filme
dentro do filme, já que o que Feng Xiaogang propõe é
justamente discutir o processo de modernização chinesa e
a sua relação com os EUA, do qual o seu filme é um
claro exemplo. Explica-se: trata-se da primeira tentativa da Columbia
em co-produzir um filme na China voltado para o mercado local, uma comédia
não muito complicada, parcialmente falada em inglês, com
um ator americano (Donald Sutherland) entre os protagonistas e decididamente
comercial.
Um renomado diretor
americano (Sutherland), nitidamente moldado em Martin Scorsese, está
na China rodando um remake de O Ultimo Imperador. Quando ele fica
sem idéias e é afastado pelos produtores japoneses tem um
ataque cardíaco e entra em coma. Seu último desejo é
que o simpático câmera que vinha filmando imagens para um
futuro making of lhe produza um grande funeral cômico. Em
pouco tempo o funeral ganha status de uma superprodução
patrocinada por diversas corporações locais e cada vez mais
grandioso.
Uma cena logo no início
parece nos dar a deixa: Sutherland está discutindo com sua assistente
chinesa radicada nos EUA (Rosalind Kwan) sobre seu interesse em refilmar
a vida do último imperador de um ponto de vista oriental, reclamando
que apesar de gostar muito do filme de Bertolucci, este enxergava a vida
do personagem como uma tragédia tipicamente ocidental. Ela discorda
e o diretor pede que ela pergunte ao câmera se ele achava a vida
do biografado trágica, no que ele responde com algo como "Trágica?
Com todo aquelas mulheres e dinheiro? A minha vida sim é trágica".
Claro que é uma piada, mas ela ajuda a deixar claro o interesse
do filme em falar da China atual para chineses que não diferem
muito do câmera.
Um dos pontos mais
interessantes é justamente que apesar dos vários elementos
que indicam uma ocidentalização não deixemos de enxergá-lo
com certo estranhamento. O espectador não estará errado
se notar que por vezes O Funeral do Chefão lembra esteticamente
mais um filme americano do que um chinês, mas ao mesmo tempo ele
nos parece bem mais distante que a maior parte dos filmes dos cineastas
da chamada quinta geração (Zhang Yimou, Chen Kaige). Em
certos momentos chegamos a pensar estar no meio de alguma briga geracional,
Xiaogang inclusive chega a usar os nomes de Yimou e Gong Li como integrantes
do funeral de uma forma que lembra o uso que Godard fez do nome de Juliette
Binoche em Elogio ao Amor. Brigas geracionais a parte, O Funeral
do Chefão pode estar longe da beleza de um Amor e Sedução,
mas é bem mais relevante e consistente que os filmes recentes de
Yimou ou Kaige.
Há um uso muito
interessante da tradução nos diálogos bilíngües
com a assistente sempre servindo de intermediária entre o cineasta
e o câmera e freqüentemente distorcendo a fala de um para o
outro de acordo com seus interesses. O funeral que começa com o
interesse genuíno do câmera em homenagear o futuro defunto
logo desanda par um espetáculo grotesco com todos os espaços
possíveis sendo loteados entre os patrocinadores e todo o tipo
de aproveitadores tentando tirar sua vantagem.
O que acaba limitando
o filme é que Xiaogong é um roteirista melhor do que diretor.
Tudo no filme parece muito bem pensado, mas nem sempre é bem realizado.
Como resultado cenas ocasionalmente não funcionam, e boas idéias
começam a se desintegrar, especialmente rumo ao final. A certa
altura já bem próximo do fim o filme ameaça desandar
mesmo numa cena envolvendo eletrochoques que descamba para o pior do cinema
independente americano. De qualquer forma, Feng Xiaogang conseguiu fazer
um filme comercial bastante digno.
Filipe Furtado
|