Editorial



Eternamente Sua (Blissfully Yours), filme tailandês de Apichatpong Weerasethakul, vencedor do prêmio Un Certain Regard em Cannes, é uma das apostas de Contracampo para o Festival do Rio BR 2002
   
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fotos da edição: Fernando Duarte

Bem-vindo ao cinema contemporâneo. Setembro/outubro é período de se atualizar com o cinema que faz hoje nos quatro cantos do mundo. Por 28 dias (mais as tradicionais repescagens), Rio de Janeiro e São Paulo são invadidos por filmes das mais variadas proveniências e das mais diferentes propostas estéticas. Como sintetizar tudo isso? Impossível. Como dar conta da melhor maneira possível? A idéia foi de abrir temas relevantes e decisivos no cinema de hoje, da cultura pop-Miramax aos efeitos de computador, passando pela câmera digital e a tão propalada revolução democratizante, que vem dando tantos frutos palatáveis quanto podres. Enfim, abrir um leque temático que nos ajude a compreender um pouco mais e se perder um pouco melhor nessa adorável confusão que é essa viagem ao mundo através dos filmes. Convidamos o leitor a perseguir o caminho conosco.

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Não se trata de abrir novamente a questão da crítica, como já foi questão de uma edição polêmica da Contracampo. Mas não deixa de ser um tanto curiosa a discussão que se instaurou via internet nos sites criticos.com.br, cineclick e até mesmo em Contracampo via cartas de jornalistas que sentiram-se ofendidos. O entrevero foi acerca do Prêmio de Crítica do Festival de Gramado, onde não é um comitê que vota, mas algo próximo da totalidade de críticos inscritos para cobrir o evento. Falou-se, sob o lema de "repensar o papel da crítica", em "críticos-críticos" e "críticos-público". Os últimos teriam vencido a batalha na votação de crítica e eleito filmes imperfeito, que envergonhariam a classe por a) não premiarem os filmes de propostas estéticas mais radicais, e sim os mais apelativos; e b) coincidirem seus votos com os prêmios de público. O argumento é límpido e tem seu quê de razão. Afinal, uma das mais importantes tarefas da crítica é apadrinhar filmes e diretores com propostas estéticas vigorosas mas que não recebem acolhida imediata do público, justamente por tentarem levar adiante as formas de percepção da forma cinematográfica, não se contentando com os esquema de percepção usual do cinema. Só que, daí ao melhor filme de um festival pela crítica dever ser necessariamente o filme mais radical, vai aí um non sequitur. Mas o que agride de fato na questão é a forma como a coisa se dá. Em Contracampo gostamos – com poucas reservas e dissensões – de Jean-Marie Straub e Abbas Kiarostami, mas também dos irmãos Farrelly e de Paul Verhoeven. Para nós, jamais houve tal coisa como "crítica" e "público", "arte" e "comércio", seja de forma límpida, seja de forma obscura. Assim, é de se estranhar que uma geração crítica tão associada ao gosto soft do "entretenimento chique" se arrogue o direito de representar uma crítica-crítica em oposição a uma crítica-público supostamente filistina e arrivista. Se Arturo Ripstein foi utilizado como cavalo de batalha, não custa nada fazer uma pesquisa nos suplementos do fim-de-semana dos últimos anos e observar como nossos críticos-críticos defenderam e deram destaque a filmes de forte e vigorosa radicalidade estética; além de Ripstein, filmes como os de Jean-Marie Straub (Gente da Sicília), Abbas Kiarostami (O Vento nos Levará), Tsai Ming-liang (Vive l'Amour), Rogério Sganzerla (Tudo É Brasil), além das coberturas que (d/r)elegaram a autores radicais e de suma importância nos últimos festivais, como Pedro Costa, Chantal Akerman ou Hou Hsiao-hsien. É só conferir.

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Com a cobertura do festival, começamos a praticar na revista um quadro de cotações. Odiadas dos mais rigorosos, as "estrelinhas" foram objeto de muita discussão dentro da revista e também fora, entre os amigos mais próximos dos editores e redatores. Mas, no fim, a decisão foi quase unânime. Por dois motivos: crítica envolve análise do filme e orientação do espectador; embora um sempre conviva com o outro, volta e meia aparece numa crítica um "imperdível" ou algo do tipo. Pois bem, o quadro de cotações eliminaria esse tipo de orientação e deixaria o redator bem mais livre para analisar o filme. O segundo argumento é de ordem interna: muitas vezes aparece um filme na revista com um admirador e vários detratores. Quando é um filme que não parece valer um "filme em questão" (o exemplo clássico é Sonhos Tropicais, que tem uma crítica favorável embora a maior parte da redação despreze o filme), apenas uma crítica por vezes não dá conta da multiplicidade de opiniões dentro da revista. Assim, decidimos por fazer de nosso quadro de cotações uma espécie de espelho de reações da equipe, assim como uma forma de conselho de amigo ao leitor: "vá ver agora", "tente evitar" no lugar de "muito bom", "razoável" – não queremos fazer de nossas estrelinhas um quadro de avaliação dos filmes (mesmo que isso acabe acontecendo), e sim uma relação mais descontraída e, óbvio, de efeito imediato (daí o grande perigo...). Antes que se possa levantar qualquer dúvida, as estrelas jamais sairão do quadro para povoar as outras partes da revista. Um terceiro motivo, talvez: cinema é também entretenimento, e uma tabela de cotações nos parece verdadeiramente divertido. E num festival, um dado por vezes fundamental para fazer você atinar para certos títulos. Que se faça bom proveito.

Ruy Gardnier

ça

fotos da edição: Fernando Duarte