Bem-vindo
ao cinema contemporâneo.
Setembro/outubro é período de se atualizar
com o cinema que faz hoje nos quatro cantos do mundo.
Por 28 dias (mais as tradicionais repescagens), Rio
de Janeiro e São Paulo são invadidos por
filmes das mais variadas proveniências e das mais
diferentes propostas estéticas. Como sintetizar
tudo isso? Impossível. Como dar conta da melhor
maneira possível? A idéia foi de abrir
temas relevantes e decisivos no cinema de hoje, da cultura
pop-Miramax aos efeitos de computador, passando pela
câmera digital e a tão propalada revolução
democratizante, que vem dando tantos frutos palatáveis
quanto podres. Enfim, abrir um leque temático
que nos ajude a compreender um pouco mais e se perder
um pouco melhor nessa adorável confusão
que é essa viagem ao mundo através dos
filmes. Convidamos o leitor a perseguir o caminho conosco.
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Não
se trata de abrir novamente a questão da crítica,
como já foi questão de uma edição
polêmica da Contracampo. Mas não deixa
de ser um tanto curiosa a discussão que se instaurou
via internet nos sites criticos.com.br, cineclick e
até mesmo em Contracampo via cartas de jornalistas
que sentiram-se ofendidos. O entrevero foi acerca do
Prêmio de Crítica do Festival de Gramado,
onde não é um comitê que vota, mas
algo próximo da totalidade de críticos
inscritos para cobrir o evento. Falou-se, sob o lema
de "repensar o papel da crítica", em
"críticos-críticos" e "críticos-público".
Os últimos teriam vencido a batalha na votação
de crítica e eleito filmes imperfeito, que envergonhariam
a classe por a) não premiarem os filmes de propostas
estéticas mais radicais, e sim os mais apelativos;
e b) coincidirem seus votos com os prêmios de
público. O argumento é límpido
e tem seu quê de razão. Afinal, uma das
mais importantes tarefas da crítica é
apadrinhar filmes e diretores com propostas estéticas
vigorosas mas que não recebem acolhida imediata
do público, justamente por tentarem levar adiante
as formas de percepção da forma cinematográfica,
não se contentando com os esquema de percepção
usual do cinema. Só que, daí ao melhor
filme de um festival pela crítica dever ser necessariamente
o filme mais radical, vai aí um non sequitur.
Mas o que agride de fato na questão é
a forma como a coisa se dá. Em Contracampo gostamos
com poucas reservas e dissensões
de Jean-Marie Straub e Abbas Kiarostami, mas também
dos irmãos Farrelly e de Paul Verhoeven. Para
nós, jamais houve tal coisa como "crítica"
e "público", "arte" e "comércio",
seja de forma límpida, seja de forma obscura.
Assim, é de se estranhar que uma geração
crítica tão associada ao gosto soft
do "entretenimento chique" se arrogue o direito
de representar uma crítica-crítica em
oposição a uma crítica-público
supostamente filistina e arrivista. Se Arturo Ripstein
foi utilizado como cavalo de batalha, não custa
nada fazer uma pesquisa nos suplementos do fim-de-semana
dos últimos anos e observar como nossos críticos-críticos
defenderam e deram destaque a filmes de forte e vigorosa
radicalidade estética; além de Ripstein,
filmes como os de Jean-Marie Straub (Gente da Sicília),
Abbas Kiarostami (O Vento nos Levará),
Tsai Ming-liang (Vive l'Amour), Rogério
Sganzerla (Tudo É Brasil), além
das coberturas que (d/r)elegaram a autores radicais
e de suma importância nos últimos festivais,
como Pedro Costa, Chantal Akerman ou Hou Hsiao-hsien.
É só conferir.
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Com
a cobertura do festival, começamos a praticar
na revista um quadro de cotações. Odiadas
dos mais rigorosos, as "estrelinhas" foram
objeto de muita discussão dentro da revista e
também fora, entre os amigos mais próximos
dos editores e redatores. Mas, no fim, a decisão
foi quase unânime. Por dois motivos: crítica
envolve análise do filme e orientação
do espectador; embora um sempre conviva com o outro,
volta e meia aparece numa crítica um "imperdível"
ou algo do tipo. Pois bem, o quadro de cotações
eliminaria esse tipo de orientação e deixaria
o redator bem mais livre para analisar o filme. O segundo
argumento é de ordem interna: muitas vezes aparece
um filme na revista com um admirador e vários
detratores. Quando é um filme que não
parece valer um "filme em questão"
(o exemplo clássico é Sonhos Tropicais,
que tem uma crítica favorável embora a
maior parte da redação despreze o filme),
apenas uma crítica por vezes não dá
conta da multiplicidade de opiniões dentro da
revista. Assim, decidimos por fazer de nosso quadro
de cotações uma espécie de espelho
de reações da equipe, assim como uma forma
de conselho de amigo ao leitor: "vá ver
agora", "tente evitar" no lugar de "muito
bom", "razoável" não
queremos fazer de nossas estrelinhas um quadro de avaliação
dos filmes (mesmo que isso acabe acontecendo), e sim
uma relação mais descontraída e,
óbvio, de efeito imediato (daí o grande
perigo...). Antes que se possa levantar qualquer dúvida,
as estrelas jamais sairão do quadro para povoar
as outras partes da revista. Um terceiro motivo, talvez:
cinema é também entretenimento, e uma
tabela de cotações nos parece verdadeiramente
divertido. E num festival, um dado por vezes fundamental
para fazer você atinar para certos títulos.
Que se faça bom proveito.
Ruy
Gardnier
ça
fotos da edição: Fernando Duarte |