Elling,
de Peter Naess
Elling,
Noruega, 2001
Começar falando mal de Academia e Oscar é chutar cachorro
morto, mas se eles continuam dando motivo, o que fazer? Dentro das bizarrices
às quais nos acostumamos está o fato que, na categoria filme
em língua estrangeira, aparece sempre entre os nomeados um filme
do qual nunca ninguém antes ouvira falar, cuja indicação
implica no esquecimento de algum filme mais conhecido e que já
atingira boa repercussão internacional. E invariavelmente os tais
filmes surpresa acabam se revelando inequívocas bombas, que só
despertam a atenção dos velhos gagás que votam na
categoria. Ano passado foi o belga Fama para todos, ruim de dar
dó, e cuja simples visão da protagonista gordinha cantando
"Lucky Manueeeelo!" me causou pesadelos durante uma semana.
Agora os pesadelos
voltaram, mas a causa é um baixinho maluco que passa o tempo todo
gritando "Kjell Bjarne! Kjell Bjarne!". Trata-se do personagem
título de Elling, produção norueguesa que
roubou de O quarto do filho a possibilidade de disputa na brechinha
que os americanos dão ao resto do mundo em sua celebração
maior. E que não surpreende aqueles que guardam expectativas nada
animadoras quanto a estes filmes. A indigência se revela desde que
se toma conhecimento do argumento: dois pacientes psiquiátricos,
os já famigerados Elling e Kjell Bjarne, são liberados de
sua internação para irem morar por conta própria
em um apartamento, sob a tutela do estado, de forma a se integrar na sociedade.
Já se antevê uma mistura de comédia (vinda, obviamente,
do comportamento tresloucado dos personagens) e pieguice.
Nada contra o cinema
que procura cativar o espectador fazendo-o rir ou chorar. Só que
a coisa tem que ser feita com um mínimo de competência. As
possibilidades de humor a serem geradas pelas situações
não são exploradas de forma suficiente para provocar gargalhadas.
O máximo que acontece, algumas vezes, são risadinhas constrangedoras.
E as sequências programadas para emocionar são demasiado
apelativas, pura forçação de barra. Vide a noite
de Natal, o momento no qual Elling se descobre um poeta ou a sequência
final do brinde no restaurante. Não falta nem a musiquinha açucarada.
E o diretor Petter Naess nada faz para melhorar o quadro, não se
esforçando para imprimir um pouco de rítmo ao filme. Isso
fica mais patente ao descobrirmos que Elling é a adaptação
do primeiro de uma série de livros sobre o personagem, bastante
popular em seu país, e sobre o qual Naess, marinheiro de segunda
viagem em cinema, mas veterano na direção teatral, já
havia comandado uma versão para os palcos.
Elling é
uma fita insatisfatória, qualquer que seja o viés a ser
analisado. Sob o ponto de vista psicológico, os personagens são
completamente inverossímeis. Sua pretensa loucura acaba parecendo
mero desajuste social. O personagem título, um paranóico
mimado pela mãe, acaba por resolver seus traumas com uma facilidade
incrível. E o brutamontes anti-social Kjell Bjarne, cujo único
objetivo na vida é perder a virgindade, vai se tornando quase (eu
disse quase!) normal à medida que se aproxima de atingir seu intento.
Da mesma forma, o assistente social responsável pela dupla e a
vizinha grávida e solitária não passam grosseiras
caricaturas. Mesmo uma possível leitura de Elling como uma
crítica ao paternalismo estatal sobre personagens doentes/desajustados
acaba por se revelar improcedente.
O trabalho de elenco,
que muitas vezes chama a atenção em filmes sobre loucos
de um modo geral, independente de uma ausência de méritos
no conjunto, acaba sendo totalmente inexpressivo no filme em questão.
Pior, o ator Per Christian Ellefsen apresenta uma composição
completamente equivocada do personagem-título, que mais parece
mais um homossexual pedante e afetado do que um doente mental. E este
é somente mais um de uma infinita lista de problemas em um filme
que pode ser classificado, no mínimo, como uma desagradável
e incompetente picaretagem. E o pior é que tem gente que gosta:
está sendo considerada a possibilidade de uma refilmagem americana.
Tem maluco para tudo nesse mundo!
Gilberto Silva Jr.
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