Um Dia de Sorte,
de Sandra Gugliotta
Un dia de suerte, Argentina, 2002
Logo na primeira seqüência
vemos imagens de uma Buenos Aires devastada. Registros documentais nos
revelam as conseqüências de uma turbulenta manifestação
popular. O caos foi efetivamente instalado ,observamos pessoas feridas
gritando no meio de lojas incendiadas e carros revirados. O clima de desordem
, indignação e desespero foi devidamente captado e aparece
na tela.
Após esse prólogo
que nos situa o local e o contexto onde se desenrolará a ação
do filme, pensamos que ele seguirá essa linha que entrelaça
e diminui as fronteiras existentes entre imagens documentais e ficção.
Longe de elaborar uma ficção documentária como a
de Pablo Trapero em El bonaerense,Um dia de sorte permanece no
meio do caminho. Inibido e cerimonioso o filme trabalha timidamente a
relação entre essas duas linguagens. O tratamento oferecido
às situações não possuem a mesma força
e a crueza necessárias para enquadrá-las no mesmo universo
proporcionado pelo prólogo. Este, torna-se um corpo estranho, um
elemento à parte utilizado apenas para estabelecer um pano de fundo.
Esse cenário
retratado acaba sendo mais importante do que a própria trama. Registrando
as imagens dos famosos protestos ocorridos no verão de 1999 (contemporâneos
à rodagem do filme) devido ao súbito corte de energia que
deixou diversos bairros de Buenos Aires no escuro por mais de 20 dias,
o filme denuncia a situação de incerteza e medo que sufoca
a Argentina nos últimos anos.
Incerteza que aparece
mais claramente na juventude que não enxerga um futuro satisfatório
se permanecerem em seu país. A questão do auto exílio
dos jovens argentinos é abordada. Nutrida pelo grande de sentimento
de evasão, Elza (Valentina Bassi) deseja abandonar a Argentina
e tentar a sorte na distante e fantasiosa Itália de seu avo imigrante.
Fazendo o caminho inverso de seus antepassados ela almeja alcançar
a segurança que seu pais não lhe oferece.
Deixando escapar pelos
dedos o naturalismo do início e confuso em qual caminho optar para
prosseguir sua narrativa, Um dia de sorte termina se direcionando
pela aventura romântica de sua protagonista. A cena em que ela joga
uma moeda na fonte de Roma pedindo para que seus sonhos se realizem enfatiza
as pistas anteriores que já revelaram a suavização
do filme. Esta, impedindo de alcançar vôos mais altos, pinta
uma atmosfera de fábula, de conto de fadas deixando após
a projeção uma clara sensação de que o enredo
é o que menos importa.
Estevão Garcia
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