O
computador quer mudar o cinema
Gritos, aplausos, comemorações de alegria. Uma revolução
está em curso e ela vai mudar radicalmente o caduco cinema, fazendo com
que ele recupere sua capacidade de atrair a atenção de uma platéia cada
vez menos interessada em sua linguagem tão velha. Os recursos digitais
já estão disponíveis para a produção cinematográfica e serão eles os nossos
guias em direção a esse novo mundo de prosperidade criativa.
Parece que o cinema precisa ser salvo. O que antes era a
mais fabulosa das artes, que cativava por sua capacidade de criar realidades
inimagináveis, está, dizem, necessitando se reerguer. A arte do século
XX, como não poderia deixar de ser, conviveu, como o seu público, com
todos os avanços tecnológicos que o tempo lhe mostrou. Se essa é a sociedade
da substituição, até as formas de diversão ficam obsoletas. Curioso é
constatar que o desgaste não é acompanhado de substituição radical. Se
os gostos acompanham os avanços, nunca é para revolucionar coisa alguma.
Antes, os produtos tratam de se adequar a todo novo modo de produção para
manter o primado do que já existe.
O público queria ser enganado pelo cinema. É assim ainda
hoje. Quando se vai a uma sala, assistir a um filme, cobra-se a capacidade de imersão em
outro mundo. A única diferença é que agora se exige muito mais fidelidade
e ilusionismo na recriação dessa realidade exclusiva das telas.
O cinema conheceu o computador e os dois se deram muito bem.
A computação gráfica, ainda engatinhando, conseguiu criar efeitos especiais,
toscos, se comparados aos obtidos atualmente, mas que se diferenciavam
radicalmente dos resultados dos antigos e caros métodos analógicos. Por
ser fruto visível da conjugação informática/cinema, é esse uso que imediatamente
vem à tona. Mas as aplicações são muito diversas. Não se pode pensar apenas
em revolução visual especificamente. Se considerarmos que qualquer alteração
na maneira de se pensar cinema sempre será percebida no produto final
que vai para as telas, poderemos imaginar que a influência estética que
o uso do computador permite não se restringe apenas aos efeitos e cenários.
Processos antes demorados, quase que artesanais, como montagem
e edição e mixagem de som ganham, além de qualidade no produto final,
versatilidade e maior liberdade de experimentação quando realizados em
equipamento digital. Mas a revolução, propriamente dita,
ainda não se concretiza aí. A finalização conta com ferramentas mais eficientes
e fáceis de manusear, mas que continuam sendo empregadas na feitura do
mesmo produto.
Estamos vivendo uma etapa na produção cinematográfica que
com certeza tem possibilidades de nos levar a mudanças. Mas por enquanto
ainda impera o mesmo modelo de produção a que já estamos acostumados.
Um dos resultados da tão falada revolução seria a democratização de acesso
aos meios de produção e divulgação de audiovisual. É claro que quem quer
fazer vídeo digital e editar em um programa profissional no seu computador
pessoal, em casa, vai encontrar menos dificuldades. Porém, esta obra vai
ser ainda totalmente inadequada ao mercado que ainda cobra e consome avidamente
as mega-produções. Há uma diferença absurda entre os equipamentos empregados
na captação, tratamento e finalização que garantem hegemonia para quem
tem dinheiro para compra-la. Paradigmas de qualidade são extremamente
difíceis de serem quebrados quando o público já foi formado por um cinema
que privilegia o espetáculo.
A tecnologia que abriria tantas portas para o cinema está
tolhendo suas possibilidades de desenvolvimento por outras vias, por outras
linguagens. Quem as emprega confunde imediatamente revolução com grandiosidade.
É exatamente isso. O cinema digital é tão caro quanto qualquer outro.
As câmeras usadas por George Lucas para filmar seus novos episódios de
Star Wars não são para qualquer um. Nem os computadores. E toda
essa estrutura de superprodução foi empregada na feitura de uma superprodução
como outra qualquer. Nada de revoluções, ousadias. O objetivo era alcançar
um cinema digital com qualidade de película apenas para que os efeitos
especiais e os cenários monumentais se mostrassem mais convincentes.
Os primeiros filmes com som não eram cinema sonoro. Imagens
sonorizadas, a banda sonora não estava ainda inserida na linguagem cinematográfica
que mais tarde soube incorporá-la e desenvolver-se em conjunto. Até se
perceber que o som não era algo para ser mostrado como troféu de modernidade,
mas sim um componente auxiliar na construção dos significados integrados
às imagens, demorou um pouco. Bom exemplo do uso equivocado de tecnologia
de ponta no cinema é Star Wars. George Lucas comete erros parecidos
quando usa seus computadores. Seu maior pecado é achar que é obrigado
a surpreender seu público com mágica visual exagerada. Esse cinema digital
é pobre em elementos especificamente cinematográficos, como montagem,
mas abundante em malabarismos gráficos, colocando toda a responsabilidade
do sucesso no pitoresco dos ambientes criados digitalmente. Olhamos para
Lucas e vemos que ainda falta muito a ser pensado e estudado até que se
consiga dar ao computador um papel de parceiro para a linguagem do cinema.
Iniciativas há. Não esqueço de Amelie Polain, que
limpou as ruas de paris com recursos digitais. Também há os guerreiros
do cinema digital convencional, que não só reconhecem as limitações de
sua tecnologia se comparada à película, mas fazem uso estético delas. Toda e qualquer nova técnica deve ser
utilizada. Não se trata de condenar um cinema não convencional e defender
a tradição centenária do cinema que já conhecemos. Mas vale lembrar que
a verdadeira revolução não vai sequer começar se continuarem a fazer cinema
velho, com seus métodos de organização da produção defasados, e apenas
apelidarem-no de novo cinema só porque suas máquinas são mais modernas.
A vanguarda eletrônica segue fazendo cinema antigo.
João Mors Cabral
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