Carlo Giuliano, Ragazzo,
de Francesca Comencini

Carlo Giuliano, ragazzo, Itália, 2002


Há um tipo de filme documentário que oferece a qualquer tentativa de análise crítica um desafio que nada deixa a dever aos mais enigmáticos das esfinges: como tecer comentários cinematográficos sobre temas que são tão mais importantes e abrangentes do que o cinema? Exemplo recente maior: o nacional Ônibus 174. Pois este aqui encontra-se na mesma situação: um manifestante pacifista nos protestos contra o G-8 durante encontro em Gênova, Itália, é assassinado brutalmente pela ação repressora e desastrada da polícia. Pensando bem, parece que estamos falando do mesmo filme que o brasileiro. Mas, longe disso, porque aqui não está em jogo a dimensão mais trágica do filme nacional: a da cisão social entre classes que origina e mantém o tabuleiro do jogo tão desigual e propenso ao desastre.

Aqui, no filme de Comencini, é outro o fato que impressiona: a voz que nos guia ao longo do documentário é a da mãe do jovem assassinado. Impressiona acima de tudo pela lucidez, tranquilidade e riqueza de argumentação com a qual ela vai nos narrando os fatos que, em última instância, levarão ao assassinato de seu filho. A narradora mais parcial possível parece tornar-se quase distanciada, impassível. Claro que trata-se de uma inteligente fachada que o filme assume para emocionar ainda mais o espectador, fachada esta que se mostra eventualmente complicada quando a mãe começa a dar como fatos opiniões no mínimo discutíveis a que ela chega interpretando os acontecimentos. Não é nada que chegue a desabonar o filme, mas deixa um sentimento de que a diretora podia ter escolhido um enfoque menos "sensacionalista", mas no posicionamento político sabemos que o espetáculo também é importante.

Outro ponto em comum com o filme brasileiro, e muito positivo, é a utilização de imagens do evento que, retrabalhadas e mostradas, permitem uma surpreendente riqueza de leituras de um fato que, de outra forma, poderia ficar na mão de interpretações absolutamente teóricas, acusações e defesas estéreis. Se estas imagens incriminam e desmontam qualquer discurso oficial do aparato policial, por outro lado são elas que permitem eventualmente colocar em questão a voz direcionadora da mãe-narradora.

Mas, como se disse no início, é difícil questionar muito mais do que isso, quando o tema em questão é mais do que relevante, e sim necessário de ser colocado na mesa de debates com urgência. Com sua tentativa altamente emocional de ser frio, ou vice versa, Comencini faz um filme de inegável impacto e que pode ajudar a continuar a discussão.

Eduardo Valente